Por Valdir José Nogueira de Moura
(Memória do cangaço)
Em 10 de julho
de 1890, o Governo Provisório do Estado de Pernambuco, usando da atribuição que
lhe confere o Decreto nº 7, de 20 de novembro de 1889, resolve criar a Comarca
de Belmonte, com sede na povoação de São Francisco, a qual se comporá da
Freguesia de Belmonte e do distrito policial da Penha, da Comarca de Floresta.
Fizeram-se as necessárias comunicações.
Vila histórica, secular, antigo distrito de Serra Talhada, possui ligação muito
forte com o município de Belmonte por ter sido sede de sua Comarca em 1890, e
por ter sido sede também do 2º Distrito de São José de Belmonte no ano de 1895,
durante a gestão do Prefeito, o Cel. José Pereira de Aguiar.
Vinda do primeiro quartel do século XIX, de uma fazenda de igual nome, fundada
pelo capitão Francisco Pereira da Silva, a Vila de São Francisco, hoje extinta,
existiu como um dos distritos mais prósperos de Serra Talhada, antiga Vila
Bela, com grande tino para o comércio. A vila chegou a ter uma feira por
semana, onde boa parte dos moradores da região convergia para o lugar para
fazer compras e comercializar seus produtos.
Palco de tantas lutas entre Pereiras e Carvalhos, ai entraram em cena: Né
Pereira ou Né Dadu, Sinhô Pereira, Luiz Padre, os Futuqué, e outros mais.
Porém, é oportuno lembrar de um dos mais curiosos personagens dessa movimentada
fase da tradicional peleja entre os velhos clãs do Pajeú: Zé Menino, irmão de
Né Dadu e de Sinhô Pereira, o qual era paralítico e vivia sentado em um
couro-de-boi, todavia, valente feito uma fera acuada.
Certa vez, em São Francisco, quando a vila foi invadida por 300 homens armados
dos Futuqué (os Carvalhos),para acabar com a raça dos Pereira ali existente, o
tiroteio teve duração de um dia e meio. Na defesa, dentro do casarão da
família, estavam Né Dadu, seus irmãos (inclusive Zé Manino), seus primos (os
Valões) e alguns agregados, ao todo apenas 24 ou 25 pessoas. Isso para
enfrentar 300 homens fortemente armados. A salvação deles todos estava na
coragem de cada um. Durante certa hora, Né Dadu mandou a tropa preparar os
punhais, para morrerem todos num corpo a corpo verdadeiramente suicida. Em
auxílio dos acuados, corre o coronel Manoel Pereira Lins (Né da Carnaúba), com
sua gente, mas a situação ainda era bastante crítica para os Pereira. E somente
quando surge em campo o cel. Antônio Pereira (filho do Barão do Pajeú), seguido
por 19 capangas, fazendo um alarde da gota serena, é que os Futuqué das
Piranhas, Umburanas e Várzea do Ú, pensando ser um exército que se aproximava,
dão de ré e desistem da luta, por enquanto apenas.
Durante todo o tiroteio, Zé Menino, com um rifle nos braços, quando a coisa
fica preta de um lado, pedia que lhe puxassem o couro-de-boi e o colocassem em
uma das “torneiras” da casa, e dali mandava fogo contra os Carvalhos (os
Futuqué). Quando o negócio apertava do outro lado, puxavam Zé Menino outra vez,
para nova “torneira”, e assim, sem fraquejar em momento algum, o herói
paralítico lutou durante um dia e meio, sem dormir, sem comer nem urinar.
Zé Menino, cujo nome de batismo era José Pereira da Silva, foi casado com
Virtuosa Pereira Nunes (Tiló), filha de Deodato Pereira da Silva e Filadélfia
Pereira da Silva. Esta, viúva, faleceu na vila de Bom Nome em 24 de agosto de
1976, aos 89 anos de idade.
Valdir José
Nogueira de Moura
A foto mostra
a Capela do povoado de São Francisco, local de batismo do garoto Virgulino
Ferreira da Silva, o famoso cangaceiro Lampião. Hoje, a vila e a capela estão
debaixo de vários metros cúbicos de água, submersas pela barragem de Serrinha
construída na década de 90.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com