*Rangel Alves da Costa
A Bíblia Sagrada, em Mateus, 5, diz: Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos; e, abrindo a boca, os ensinava, dizendo: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra...
Acima, o prenúncio do Sermão da Montanha ou das Beatitudes, ou ainda das Bem-aventuranças. São palavras pronunciadas do alto de uma montanha, perante os seus fiéis, expressando ensinamentos cristãos, formas de condutas humanas e norteamentos morais. O que ali foi revelado espelhou um caminho humano desejado. Mas será que um simples homem, um típico cidadão sertanejo, com sua humildade e fé, teria palavras tão sábias para expressar sobre o seu mundo?
Mas vejamos a força deste homem, desse sertanejo lanhado de sol, desse homem da terra marcado pela luta e sofrimento, desse valente lutador, desejando que sua voz fosse ouvida pelo seu mundo-sertão. E para tal subindo num pedregoso monte para dali do alto, olhando tudo ao redor, e tendo a mata, os bichos, a terra, as pedras, as aves do céu e da terra e todos os seres ali existentes como seus discípulos, pronunciando aquilo que passaria a ser conhecido como Sermão da Caatinga. Eis:
Bem-aventurados os que vingaram sobre essa terra e cresceram e floresceram na luta contra as durezas do tempo, para depois sombrearem a vida dos bichos que no seu repouso buscam o refúgio depois das caminhadas sobre o calor da terra, sobre pedras e espinhos.
Bem-aventurados os mandacarus, os xiquexiques, os bonomes, os marmeleiros, os croás, os cipós, os paus-ferro, os angicos, os umbuzeiros, os juazeiros, os mulunguzeiros, os araçaizeiros.
Bem-aventurados os pés de pau fraqueados pelas secas, pelas estiagens, pelas desvalias da natureza desse mundo-sertão, e que aos poucos vão se tornando como que ossudos e morrem para virar cinzas sobre a terra.
Bem-aventuradas as catingueiras, as baraúnas, as quixabeiras, as umburanas, as figueiras, as ingazeiras, as craibeiras, as aroeiras, as plantas miúdas e graúdas, aqueles nascidas nos fundos dos quintais ou nas lonjuras da mata.
Bem-aventurados aqueles que sofrem, bichos e homens, plantas e chão, pelos tormentos do sol, pela falta de chuvas, pelos tanques secos, pela falta de alimento, pela falta de mão estendida que lhes chegue com esperança.
Bem-aventurados aqueles que amanhecem e anoitecem em seus casebres de cipó e barro, com panela vazia e mesa sem pão, e ainda têm de aumentar seus sofrimentos pelo choro das crianças famintas e pela falta de respostas para o amanhã.
Bem-aventurados aqueles que se humilham para sobreviver, que se submetem para ter um pouco de água e um pão sobre a mesa, que são usados pelo poder para se manter no poder, que são tornados escadas para as subidas de muitos.
Bem-aventurados os que choram ouvindo o berro faminto do bicho, os que sofrem ouvindo os clamores da terra, os que se lamentam ouvindo os gemidos dos campos esturricados, os que se atormentam pela falta de tudo.
Bem-aventurados os pobres do sertão, os desvalidos do sertão, os necessitados do sertão, aqueles nascidos para a luta, valentes e destemidos, mas que de repente se veem fraquejados pelas armadilhas de seu próprio mundo.
Bem-aventurados os campos desolados pelos desmatamentos, as clareiras que se formam pelo descuido da terra, a sequidão que se forma sobre o chão depois que as coivaras comem os nutrientes.
Bem-aventurados os bichos que sofrem por falta de copa de árvores, de galhagens e de troncos para fazer seus ninhos, e todos aqueles animais que padecem ao relento por falta de tufos de matos, de locas de pedras, de lugares que lhes deem segurança para a sobrevivência.
Bem-aventurados os que ainda se encantam com a bela flor da catingueira, com o majestoso dourado das craibeiras em floração, com as orquídeas nascidas aos pés das serras, com os inesperados floridos que ainda teimam em surgir.
Bem-aventurados aqueles que mesmo sofrendo, que mesmo padecendo diante das dificuldades da vida, continuam lutando e sempre esperançosos por dias melhores, pois estes jamais são esquecidos pela compaixão divina.
E depois, suado pelo calor do sol sobre o monte, este homem desce e vai pegar no cabo de sua enxada para os ofícios do dia no seu mundo-sertão.
Escritor
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