Por André Nogueira
Dulce Menezes
dos Santos foi uma das muitas mulheres que tiveram suas vidas interferidas pelo
bando de Virgulino Ferreira, mais conhecido como Lampião.
Hoje, vivendo na periferia de Campinas aos 96 anos, ela passou a integrar ao
cangaço após ter sido retirada de sua família e violentada por um dos
integrantes do grupo.
Essa fase da
vida de Dulce sempre foi escondida pela família, o que fez com que a idosa
passasse a evitar visitas. "Infelizmente isso aconteceu contra minha
vontade. Não fui porque quis ir”, deixou claro em entrevista ao Estado de
Minas.
O trágico
encontro entre Dulce e os mais famosos bandidos do Brasil ocorreu quando ela
vivia com a irmã em Alagoas. Antes, morava na fazenda de algodão da família em
Porto da Folha, Sergipe,
mas ambos os pais morreram quando ela era criança.
Acontece que o
rancho alagoano em que passou a morar era recinto de descanso dos cangaceiros
que adentravam ao sertão. Lá, Dulce se deparou com aqueles estranhos homens
adornados em couro, quando um dos cangaceiros, João Alves da Silva, vulgo
Criança, notou a presença menina e pediu para compra-la de seu tio João Felix,
que a trocou por joias.
Em negociação,
Criança falou a João que levaria Dulce a uma festa organizada por Zé Sereno
numa fazenda vizinha. Ao cangaceiro foi
permitido acompanhar a criança, enquanto João e a esposa Julia assistiam de
longe. Dulce afirmou que desde cedo já se sentiu assustada com a situação.
Criança então
pegou a menina pelo braço e a obrigou a sair do salão onde estavam. Gritando de
medo, ela ouvia o cangaceiro berrar: "Cala a boca, se não te sangro agorinha
mesmo." Foi jogada no chão, em meio às pedras e cactos, e lá foi
estuprada, com o assustador silêncio dos outros convidados.
No resto da
noite, Dulce foi observada pelo cangaceiro, que a tratava como mercadoria. João
Felix se sentia arrependido, mas também acuado pelo bandido armado.
"Fui a
pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele era Criança. Deus queria que eu
estivesse aqui agora, conversando com vocês", afirmou Menezes. "[ele
estava] com parabélum na mão. E [eu] com medo de morrer, acompanhei." Na
época com 13 anos, ela era apaixonada por Pedro Vaqueiro, um rapa de Piranhas
que, ao descobrir a violência, saiu com um desespero aterrador e desapareceu no
sertão.
Acontece que
Criança pertencia a um dos subgrupos comandados pelo capitão Lampião que, em
1938, convocou seus homens para uma reunião na Gruta do Angico,
Sergipe. Lá, Dulce conheceu Maria Bonita, a quem ela descreveu como “boa
pessoa”.
Presenciou a
cena por pouco tempo, afinal, aqueles grupos articulados por Virgulino agiam separadamente:
“Se vivesse tudo junto, a polícia descobria pelo rastro. Agora, nesse dia
estava todo mundo junto. Tinha de acontecer, graças a Deus”.
Naquela noite,
conseguiu descontrair as tensões do sequestro ao encontrar Maria bonita e Sila
numa conversa em que caminhavam pela escuridão da caatinga reconhecendo
vagalumes. Pela primeira vez em muito tempo, conseguiu dormir tranquila.
Porém, a hora
de acordar foi completamente conturbada. Não porque os cangaceiros voltariam a
violentá-la, mas ao contrário: dessa vez era Criança que levava os tiros e
corria desesperado, pois um grupo volante do Estado havia invadido a Gruta numa
emboscada contra o bando de Lampião. Esse foi o famoso momento em que
finalmente o Rei do cangaço fora capturado e executado.
Crédito:
Domínio Público
Criança
conseguiu escapar, mas Maria Bonita e Lampião morreram no local. Enedina
também, e o tiro que abateu sua cabeça fez respingar miolos em cima de Dulce.
"Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas pernas, passando em cima de
cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque nunca vi tanto tiro na vida, meu
filho."
Quando a
noticia chegou a Piranhas, a família foi checar se a cabeça da moça estava
entre os troféus da volante. O grupo então se embrenhou no mato e fugiu, mas
decidiram se entregar à polícia em troca de uma anistia concedida pelo ditador
Getúlio Vargas. Com dois filhos, Criança e Dulce passaram a trabalhar numa
fazenda do Vale do Jequitinhonha, Minas
Gerais. Para ajudar Dulce, o dono da fazenda tornou o ex-cangaceiro o novo
tropeiro do lugar, obrigando-o a se afastar da garota.
Dulce se casou
com Jacó, o dono da fazenda, e com ele teve 18 filhos. Ela relata que esse
momento de sua vida foi muito melhor do que a época em que estava sequestrada
pelo bando de Lampião: "Foi o tempo que fui feliz. [...] Agora essa turma
do Lampião, meu Deus do céu, quando queria pegar mulher, se não fosse, eles
matavam”.
Quando Jacó
morreu Dulce decidiu mudar-se para o estado de São Paulo com a filha Martha,
passando a residir em Campinas, onde não encontrou a maior felicidade: teve
filhos e netos assassinados em meio à violência da cidade.
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