Por Carlos Alberto Nascimento de Andrade
“Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero...
A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar...”
Milton Nascimento
Comunico aos meus amigos, amigas e familiares, e aqui eu incluo meus ex-alunos, que com a publicação no Diário Oficial do Estado do RN no dia 15 de fevereiro de 2020 passo da condição de Professor Efetivo para a de Professor aposentado da UERN. Dei entrada solicitando minha aposentadoria em janeiro de 2019 na UERN, e entre boicotes e sabotagens internos na instituição, o processo só chegou concluído no IPERN em janeiro de 2020.
Oriundo de Natal-RN, onde fui professor da rede estadual básica de ensino – tendo lecionado nas escolas estaduais Jean Mermoz e Nestor Lima – e Técnico de Nível Superior da Secretaria de Educação daquele município, fui aprovado no Concurso Público de Provas e Títulos para professor da UERN em primeiro lugar de um total de 36 candidatos em 1995, onde tomei posse no dia 19 de setembro do mesmo ano. Fiquei lotado na Faculdade de Educação, e exatamente por isso ministrei a maioria de minhas disciplinas no Curso de Pedagogia, embora durante alguns semestres também fosse deslocado para ministrar disciplinas em outros cursos, tendo em vista que minha formação me credenciava para lecionar em outras áreas afins.
Nestes 25 anos de instituição “enfrentei fortes batalhas”. Na UERN não me limitei a ser apenas mais um professor tecnicista. Preocupado com a qualidade e com o futuro da universidade, e sendo herdeiro de uma tradição pessoal de “sujeito da história”, além da sala de aula, procurei participar e intervir de forma institucional, ética, solidária, corporativa, “sem ódio e sem medo” das instâncias acadêmicas, como nas plenárias departamentais, CONSAD, CONSEPE, CONSUNI, CONSELHO DIRETOR, CONSELHO CURADOR e obviamente como associado e como membro da ADUERN.
Além dos interesses acadêmicos, são nessas instâncias onde ocorrem as disputas politicas, no bom e no mal sentido de sua prática. São nelas onde as demandas clientelistas orientadas para e por grupos pontuais da politica institucional, do empresariado local e de grupos policialescos clandestinos são concretizadas, tudo apoiado por uma correlação de forças favoráveis a tais práticas, sempre comandadas institucionalmente pelo reitor de ocasião, sobretudo por forças ocultas e clandestinas estranhas a universidade. A função destas forças ocultas é boicotar, sabotar, perseguir, cooptar, neutralizar através de flagrante forjado os opositores dessas demandas, além obviamente de ser uma rede de proteção para quem se dispõe a colaborar com a operacionalização e manutenção desses esquemas de favorecimento ilícito. Meus princípios, pautados na ética, na solidariedade e na burocracia racional-legal, adquiridos ao longo da vida através de um processo educacional onde participaram diversos atores disciplinadores, além de meus paradigmas literários e militantes, não me permitiram fazer parte desses esquemas. Como consequência de meu posicionamento, tive uma vida acadêmica quase que totalmente limitada à prática docente, tendo em vista que outras atividades, como a pesquisa, que dependia de instâncias institucionais para ser aprovada e que são comandadas por integrantes a serviço das redes ilícitas, dificultavam e impediam a aprovação de projetos institucionais.
O que mais me atraiu e o que mais me deu prazer em Mossoró foi minha convivência com meus alunos e ir para o Nogueirão torcer pelo Potiguar, clube que adotei como meu segundo time decoração, o primeiro é o Alecrim F.C. de Natal, agremiação originária do bairro em que nasci. Sobre este tema, abro aqui um parêntese para afirmar sem nenhuma dúvida que os interesses empresariais associados a interesses de grupos políticos estão trabalhando juntos para acabarem com o futebol profissional da cidade, todos com o olho grande no terreno onde se localiza o Estádio Manoel Leonardo Nogueira, o Nogueirão Em relação a essa temática, em outra ocasião dissertarei sobre essa problemática. Mas, voltando ao foco da minha interação com meus alunos, por que esta foi a melhor coisa que me aconteceu em Mossoró? Como é sabido, fui professor do Curso de Pedagogia. Esse curso na UERN tem uma clientela, na sua grande maioria, de alunos originários da zona rural e da periferia das cidades. São filhos de trabalhadores rurais, muitas vezes criados pelos avós; filhos de trabalhadores assalariados com carteira assinada, mas com trabalho precarizado; filhos de trabalhadores sem carteira assinada (informalidade) e de trabalhadores por conta própria, os autônomos. Com essa origem social, eu me vi espelhado nesses alunos, afinal também tenho essas mesmas origens. Quando comecei a pensar nessa afinidade social com esses discentes, um “velho filme me passou pela cabeça”. Recordei meus tempos de aluno de graduação na UFRN quando toda sorte de dificuldade se aliava para dificultar e até mesmo impedir a continuidade do curso em que estava matriculado. Falta de dinheiro para pegar o transporte para a universidade, falta de dinheiro para comprar apostilas, falta de dinheiro para o lanche, tinha dia que era obrigado a decidir se lanchava ou se comprava as apostilas. E, esta é exatamente a realidade da grande maioria dos alunos do curso de Pedagogia da UERN. Assim como eu na época da graduação, esses alunos têm como objetivo central concluir o curso, se submeter a um concurso público e ser aprovado para ajudar a si, a seus pais, seus avós e seus familiares. Nada me atraiu e me sensibilizou tanto como essa afinidade e essa identificação com esses alunos. E, isso provocou um dos meus princípios basilares, a solidariedade. Sobretudo por conta disso me motivei a ser um professor propositalmente “tradicional” na acepção da palavra. Por adotar essa pedagogia, fui ironizado, incompreendido e criticado, principalmente por professores sem firmeza teórica própria que costumam se adaptar e adotar certos paradigmas modais (teoricismo) ou lineares (dogmatismo), sem considerar os contextos, fato muito corriqueiro na academia. Como tenho personalidade autônoma e, por conseguinte não sou afeito a modismos, nada disso me fez demover um centímetro de minha postura em sala de aula. Como “professor tradicional” para o contexto em que estava inserido, procurei elaborar estratégias de aprendizagens que em minha opinião melhor se adaptavam a clientela do Curso de Pedagogia.
Esmiuçar o detalhamento dessas estratégias não é objeto deste texto, mas posso adiantar que a diretriz principal estava pautada na disciplina para a aprendizagem, o que fez com que alguns alunos estranhassem essa metodologia e até mesmo resistissem. Mas, sempre entendi essa “rejeição”, afinal a maioria dos alunos originários de escolas públicas e de origens sociais populares, tem um perfil pouco afinado com limites e disciplina.
Agradeço sobremaneira a convivência que tive com todos que compartilhei momentos de tensão, de alegrias, de tristezas, de incertezas, de conflitos políticos, mas agradeço especialmente aos meus ex- alunos e alunas, por ter me proporcionado a oportunidade de exercer meu caráter humanitário, pois ao me identificar com eles reafirmei meus princípios de vida que me são muitos caros. Para estes discentes, deixo aqui uma mensagem que poderá servir como fator motivador para o difícil enfrentamento de obstáculos e desafios que todos deverão ter ao longo de suas vidas. Aos que continuam no curso de graduação, minha orientação é que procurem focar mais no curso, redes sociais em geral só atrapalham, evitem ao máximo; procurem estudar em bibliotecas, é mais produtivo do que em casa. Embora saiba da necessidade financeira de vocês evitem determinados “trabalhos remunerados” durante o curso, pois atrapalham mais do que ajudam, isto se a remuneração for apenas para atender consumos pessoais, mas caso seja para complementar renda familiar, não tem outro jeito.
Lembro que quase todos os alunos de graduação têm ainda no mínimo, em média, 55 anos de vida pela frente, então 04 anos de curso passa rápido. É melhor se sacrificar durante 04 do que ao longo de 55 anos. Concluído o curso, o foco agora é estudar para concurso. Quando se trata de competir com outros para galgar algum degrau na vida, as palavras-chave são perseverança e autoestima elevada (confiança em si), nada de “seja o que Deus quiser”, essa máxima leva a acomodação e ao determinismo. Lembro sempre que existem três problemas em concursos públicos que leva o sujeito a acomodação, ou seja, a não fazer ou não estudar. Primeiro é em relação a quantidade de vagas. Muitas vezes o edital indica poucas vagas para serem preenchidas, todavia essas vagas são para aquele momento do edital. É preciso lembrar que normalmente concurso tem uma validade de dois anos, prorrogável por mais dois. Com efeito, as vagas iniciais do concurso poderão ser bem maiores ao longo de quatro anos. Segundo, é muito comum ouvir “à boca pequena” que as vagas de tal edital já estejam comprometidas com apaniguados desse ou daquele prefeito ou deste ou daquele político.
Disso ninguém tem certeza, então é preciso desconsiderar esta provável fofoca. Esse tipo de desinformação, muitas vezes é propagada exatamente para acomodar e desmobilizar possíveis concorrentes, o pior é que muita gente acredita e fica desmotivada para se inscrever no concurso e quando se inscreve não estuda, fica esperando que aconteça um milagre. Terceiro, ninguém se impressione se este ou aquele candidato tem mais títulos no currículo do que você, isso tem um peso, mas é relativo. O peso maior é o da prova escrita. Tem candidato que acha que por já ter concluído o curso e ter especialização, mestrado e doutorado já sabe de tudo, e muita gente acredita nisso. Pela minha experiência, a maioria dos candidatos que são aprovados em concurso público são aqueles que estudaram pela manhã, pela tarde e pela noite, a partir do dia em que fez a inscrição no concurso até o dia da prova. Esse período leva em média de 40 a 50 dias, que vai do lançamento do edital até am realização da prova do concurso. Espero ter contribuído com a motivação que vocês precisam para continuarem estudando com afinco e com disciplina, porque para aluno honesto e de origem popular, só existe um caminho: estudar.
Agradeço a todos vocês que me proporcionaram a oportunidade de ser um “professor tradicional”.
Meu desejo é vê-los felizes como diz na canção de Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”. Sou ateu, mas como a grande maioria acredita e têm fé, digo para todos que fiquem com Deus, mas lembrem-se, façam a sua parte que Deus provavelmente os ajudará também. Vocês ficarão eternamente guardados em meus sentimentos. Até breve “matutada”, um beijo no coração de todos.
* Carlos Alberto Nascimento de Andrade, aos 25 dias, do mês dois, do ano de dois mil e vinte.
Mossoró – RN.
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