Por: Rangel Alves da Costa(*)
TRISTE FIM DE ROSA FLOR
Diferença enorme de Vanvan, Fofinha e Muitos o chamavam Vanvan, outros de Fofinha, e até aceitava, mas não se alegrava e sorria como quando a ele se dirigiam como Rosa Flor. Rosa Flor, para Vanalício.
Era esse o nome dele: Vanalício Piedoso da Guia, reconhecido em cartório e guardado em documento, moço bonito e de triste destino. Mas depois que os próprios pais começaram a chamá-lo de Licinho e os outros se acharam no direito de apelidá-lo de Vanvan, então o nome real foi esquecido. Mas por outro motivo.
Começou a desmunhecar ainda meninote e nunca procurou esconder sua opção sexual de ninguém. Quando os pais se deram conta dos comentários, e estando já rapazote, então deram uma surra de couro cru que o sangue esparramou pela roupa. Depois foi jogado no meio da rua com mala e cuia.
“Sua mãe num aguentou as dor que sentiu nem criei fio pensano que fosse macho, pa adespoi o povo tá falano em viadage. Se quiser amulezá que vá ser noutro lugar. Vai-te pa ter o mundo que merecer!”. Foram as últimas palavras ouvidas de seu pai ao ser despejado no mundo.
Sentado numa praça todo choroso, nem viu quando Madame Sofie, a cafetina mais afamada da região, aproximou-se para tomar pé da situação. O rapazinho era muito amigo tanto dela como das raparigas que faziam vida no seu bordel. Não só era confidente da maioria, com já havia feito três shows travestido de “Lua Quase Nua”. Foi o maior sucesso.
Ao ouvir o relato do despejamento debaixo de vara, e tudo entre soluços e chiliques casuais, a velha cafetina puxou-lhe pelo braço e disse que abandonado e no meio da rua ele não ficaria de jeito nenhum. Iria morar no seu bordel tanto para servir de companhia às mocinhas como para se preparar para novos shows. Até já tinha um em mente: “O Voo do Bambi”.
Foi maravilhosamente recebido pela raparigagem. Era Rosa Flor pra cá, Rosa Flor pra lá, e ele todo feliz da vida, desmunhecando como nunca e afirmando a todas que se sentia como uma rosa carente que de repente recebe de presente toda a primavera. E assim se passaram dois, três meses, até que o rapazinho começou a fazer o que Madame Sofie tinha pedido por tudo na vida que evitasse ali: se apaixonar por qualquer dos frequentadores do cabaré.
Coração frágil, carente, molinho molinho, se derretia todo quando o jovem vaqueiro chegava. Toda vez que colocava o olho pintado e cheio de cílios postiços no rapaz estremecia todo, ruborizava, perdia o fôlego, só faltava desmaiar. Então decidiu escrever versos, poemas de amor, indo ele mesmo até a mesa entregar, logicamente dizendo que haviam sido enviados por uma fã secreta.
Nesses instantes só faltava subir no colo, dizer logo a verdade, confessar o amor, afirmar que tudo faria na vida para tê-lo ao menos por um instante. Por nunca ter coragem de fazer nada disso, se martirizava, chorava, se embebedava, dizia que ia cortar os pulsos com lâmina, tomar veneno de matar rato. Até que um dia tudo começou a piorar de vez.
Num dia que foi entregar um poema e ouviu da boca do jovial vaqueiro que tinha as mãos lisas como uma mulher e era mais perfumado que qualquer daquelas raparigas, sem falar do lábio aveludado de moça virgem, eis que acabou desmaiando por cima do colo amado. Já percebendo tudo, a velha cafetina dizia que aquilo não ia dar certo e que logo teria que tomar as necessárias providências.
Numa noite, data marcada para o tão esperado show “O Voo do Bambi” com o cabaré completamente lotado, ao ser apresentado como um travesti francês especialmente contratado para o evento, assim que subiu ao palco Rosa Flor nem pensou duas vezes. A primeira coisa que fez foi tirar a máscara e se revelar. E fez mais. Disse que o que assistiriam seria um espetáculo muito diferente, jamais visto por alguém, pois show do amor, da paixão, do desejo incontido. Mas um amor, uma paixão e um desejo impossível de ser realizado, pois o seu grande amor jamais corresponderia seus sentimentos.
E apontou para o jovial vaqueiro. Em seguida tirou dos trajes um punhal e fez um profundo corte no pulso. Era o sangue jorrando, Rosa Flor fraquejando, amarelando, prestes a desmaiar, e todo mundo voltado para onde estava o vaqueiro. “Seus urubus, estão vendo o rapazinho morrendo e ficam olhando pra mim. Só por que desmunheca não pode ficar apaixonar não?”.
E forçou a passagem para seguir até o palco e levantar Rosa Flor nos seus braços. Ainda estava respirando, com olhar anuviado, mas ao olhar bem no rosto do seu amado, deu um leve sorriso e um último suspiro. E...
E o cabaré continuou alegre e pulsante, com corpos se entregando como se nada tivesse acontecido. E talvez realmente nada tivesse acontecido. Certas pessoas são realmente tidas como um nada, ainda que verdadeiramente amem muito mais. E sempre paguem o preço da incompreensão.
(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com