Por: Rangel Alves da Costa*
OS MENINOS DO CANGAÇO
O cangaço, enquanto fenômeno social de luta armada contra as injustiças sociais que imperavam nos sertões nordestinos no século XIX e até os anos 40 do século passado, foi seguramente o “ideário justiceiro” que mais arregimentou adeptos e opositores.
Diferentemente do messianismo fervoroso e quase insano de Antônio Conselheiro e do fanatismo politizado do Padre Cícero Romão Batista, ambos sem grandes rejeições nos seus postulados pela população, o cangaceirismo se manteve numa fronteira de graciosidade e ódio.
Por medo ou desconhecimento da causa, boa parte da população se revoltava até com a presença dos cangaceiros nas redondezas. São famosas as carreiras de habitantes de cidades inteiras com medo do bando que se aproximava. Outros ficavam para acolher alegremente os da caatinga e fornecer-lhes alimentação. Quanto aos políticos, latifundiários e poderosos, esse contraste é ainda mais nítido. Ou apoiava veladamente o cangaço e suas ações ou delatava, apoiando as forças de perseguição.
Contudo, fato curioso é que o sentimento de rejeição ao cangaço foi quase inexistente perante as pessoas mais jovens, principalmente entre os meninos e rapazotes sertanejos. Vivendo no mundo de mesmices, sem pouca valia social, sem emprego, enxergando sempre algo de podre nas ações dos poderosos, essa adolescência matuta começou a se interessar pelas ações cangaceiras que tanto ouviam falar.
Ora, vivendo nas proximidades dos embates e o cangaço sendo o assunto mais recorrente, logicamente que a lide cangaceira passou a ser verdadeiro sonho de muitos. Abraçando uma causa qualquer – vez que não sabiam quais as verdadeiras bandeiras de luta dos bandoleiros das caatingas -, sairiam daquele marasmo e proporcionariam um novo valor à vida, ainda que as suas próprias não valessem nada acaso se tornassem cangaceiros.
Fator de relevância para a abnegação desses jovens pelo sonho cangaceiro se observa também no contexto mítico, fantástico, descomunal, temeroso, delirante, com que os mais velhos tratavam o assunto. Ora, o cangaço era comentado como um mundo ora maravilhoso ora de absurdos, um imaginário grandiosamente envolvente ou um monte de violentos arruaceiros que andava por ali saqueando e matando. Contudo, na cabeça de cada um ficava aquela ideia de força, coragem, genialidade, engenhosidade.
Não se pode esquecer o aparato cangaceiro como um deslumbramento aos olhos da meninada, da rapaziada matuta. Conheciam bem os alforjes, os gibões, as roupas de couros, os chapéus sertanejos, suas armas e seus cantis, mas tudo naqueles homens das caatingas era diferente, muito mais bonito e atraente. As armas, os chapéus estrelados, as cartucheirais, os embornais, as sandálias de couro cru, as joias mais reluzentes, os enfeites de roupa a roupa, e aquele cheiro de terra, o suor empesteado de luta, de sangue, de chão, de desvão pela vida. Tudo isso era maravilhoso aos olhos adolescentes.
Certamente que outros fatores também concorreram para que tantos meninos e meninas enveredassem pelas lides cangaceiras e passassem a fazer parte principalmente do bando de Lampião, o mais famoso existente. Exemplo disso é a motivação tomada por Zé de Julião, um rapazote do Poço Redondo que ao entrar para o cangaço recebeu a alcunha de Cajazeira. Segundo relatos, o jovem, de família abastada na povoação onde vivia, não suportou ver as ações violentas da polícia para tirar dinheiro das famílias, decidindo, então, entrar no bando para combater aqueles verdadeiros marginais.
Ao seguir para o cangaço, o rapazinho filho de Seu Julião levou consigo a jovem Enedina, sua esposa. Outra menina que entrou para o cangaço também por amor foi Adília. Nascida Maria Adília de Jesus, chegou ao cangaço com menos de dezesseis, influenciada pela sua paixão adolescente pelo conterrâneo e também cangaceiro Canário. Sila, outra cangaceira nascida em Poço Redondo, fugiu com o cangaceiro Zé Sereno quando ainda não tinha nem quinze anos. Ele não passava dos vinte.
Os homens, aliás, muitas vezes chegavam ao bando com cara de menino sem infância, mal sabendo segurar uma arma, e certamente sem condicionamento físico suficiente para as lides cangaceiras. Só mesmo o cotidiano de lutas é que transformava a infância em habilidade guerreira. Assim, verdade é que muitos se tornaram homens e mulheres já no meio do mato, lutando pela sobrevivência, fugindo do inimigo.
A boneca de pano e o cavalo de pau foram deixados num canto qualquer. E brincar de pistola, punhal e mosquetão era muito diferente.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
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