*Rangel Alves
da Costa
As casas de
taipa ainda são avistadas por todo lugar, principalmente nas regiões mais
remotas e empobrecidas. Quando a pessoa ou família não tem condições de
levantar casa de alvenaria, então vai juntando pedaços, retalhos, sobras da
natureza, e então remenda tudo e depois chama de moradia.
Pensar em casa
de taipa é avistar uma casinhola levantada no barro amarrado em cipó.
Estende-se ripa, amarra-se cipó, e o barro vai sendo colocado entre os
entrelaçados. Barro molhado, visguento, tanto se prende na mão como entre as
sustentações. Depois de seca, a argila firma-se até que o menino comece a
escavacar pelas beiradas.
No barro novo,
cheio de sustentação, é até bonito, parecendo aconchegante. Mas sem cimento,
pedra, viga de ferro, areia e brita, não tem força suficiente para suportar as
chuvaradas, o sol e a ventania. E por isso mesmo envelhece e se fragiliza já
com pouco tempo de habitação, ainda que algumas se mantenham ilusoriamente
imponentes.
Nas distâncias
nordestinas, em áreas sertanejas desvalidas de tudo, as casas de taipa são
encontradas de passo a passo. Algumas muito antigas, parecendo feitas de barro
cimentado, mas nada que suporte uma aproximação para se constatar a
deterioração por todo lugar. Raramente vai além de ser apenas uma velha
casinhola caindo aos pedaços.
A casa de
taipa é o mesmo casebre, a mesma tapera. Tudo a mesma coisa. Ou o mesmo nada.
Pequena e rústica casa, pobre e tosca, sem conforto ou acomodações dignas para
os próprios habitantes. Tantas são avistadas em escombros e com viventes entre
os seus restos. Pois lá nas distâncias do mundo há um povo vivendo assim, na
desvalia.
Tapera,
casebre, o mesmo sofrimento só de avistar. Apenas um abrigo empobrecido, frágil
e sem qualquer segurança. Um chão batido com parede forjada no barro, segurando
em cipó, caindo aos pedaços. Além de gente, também mora o besouro, o barbeiro,
o grilo, o piolho de cobra, o bicho feio. E lá nas distâncias um povo sofrendo
assim.
E vem a
ventania e faz a curva para não deixar a pobreza em abandono ainda maior, lançada
ao meio do tempo. E vem a tempestade e a trovoada e tudo cai mais devagar por
cima da cobertura mista de papelão, telha velha, palha seca e folha de madeira
apodrecida. E assim o casebre vai se mantendo em pé, até que a ilusão do barro
passe a não mais suportar a força do tempo.
Erguido no
barro, na ripa e no cipó, o casebre tem o mesmo porte do seu morador: magro,
carcomido, esquelético, entristecido, em tempo de desabar. E se afeiçoa muito
mais: barro caído que vai mostrando costelas finas de ripas e cipós já
carcomidos, tudo esfarelando. Não seria o mesmo sertanejo no seu sofrimento e
na sua magrez de fome?
Um dia surgido
num meio não muito diferente de sua feição, pois numa terra ressequida de tudo,
de chão espinhento e pedra pontuda, ladeado por catingueiras nuas e tocos de
pau. Talvez um retrato onde nada possa ser descartado de seu lugar: cor do
casebre e cor da terra, secura no barro e secura na terra, gravetos e tufos de
mato ao redor e um resto de nada por dentro. Tudo igual.
Desde que foi
levantado, mesmo quando ainda novos o cipó, o barro e a ripa, já demonstrava
possuir a mesma aparência de seu habitante: triste, desolado, sofrido. E a cada
dia o aumento mais acentuado das cicatrizes, eis que o casebre reflete o
instante de seu dono, transparece tanto a tristeza como a alegria, passa pela
mesma necessidade e sente a mesma fé.
Afirma-se de
seu morador, de seu habitante, mas podendo traduzir numa família inteira. Ali
amanhecem e anoitecem o pai, a mãe, a mãe desta, e mais três filhos, sendo dois
meninos e uma menina. E também a doença desconhecida, a enfermidade sem cura, a
verminose, os males no barro caindo e os males por falta de remédio, de
alimento, de água boa, de qualquer tipo de proteção.
Seis pessoas
no aperto de um casebre de sala, cozinha e dois quartos. Talvez João, Maria,
Zefinha, Sebastiana, Pedro, Tonho, Raimundo. Ou Maik, Mary, John, Louise, pois
no sertão também se inventa coisas assim. E cada dependência não tendo mais que
poucos metros. Como não há porta que separe uma dependência de outra, é como se
toda a casa fosse da sala à cozinha.
Uma porta,
apenas. Não há janelas à frente nem nas laterais. Uma porta de entrada e outra
de cozinha, mas nenhuma com madeira, com tranca ou fechadura. Num tempo, o
papelão, noutro tempo uma lona desgastada, e ainda noutro qualquer arrumação de
madeirite. Por falta de móveis, sofás e utensílios modernos, a ventania entra,
varre tudo e pouco encontrar para soprar.
À frente do
casebre, na malhada antes da estrada que passa adiante, um velho umbuzeiro de
copa larga, quase rastejando pelo chão, um carro de boi destroçado pela
velhice, um tronco de pau que serve de tamborete e uma solidão melancólica.
Talvez um jegue, uma galinha velha ciscando ao redor, um cachorro magro. E o
sol de todo dia e a lua de toda noite. E só. Assim a vida, assim em vidas.
Escritor
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