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terça-feira, 17 de julho de 2012

O Cangaço - Grande Debate - Parte II


Ainda no mês de Junho tivemos a grata satisfação de participar do Programa Grande Debate da TV O Povo com o jornalista Ruy Lima. O tema do Programa foi o lançamento do livro Iconografia do Cangaço, organizado por Ricardo Albuquerque. Hoje trazemos na íntegra para os amigos, em 4 postagens.

cariricangaço.blogspot.com

Os Assombros de Itiúba - Depoimento de Maria José de Araújo - Parte V

Por: Rubens Antonio

1929

Meu pai foi para roça mais minha Mãe. Aí, o Volta Seca chegou e subiu numa cerca. Aí, o Lampião tava na casa do finado Domingos. Aí, o Rafael, meu irmão que morreu de tosse braba, tinha uns cinco anos e o Marcelino, aquele que tá ali, tava brincando no cercado. E peguei todos dois e botei no quarto e fiquei segurando na mão do outro. E o Lampião chegou e falou:
- Santinha! Não faço nada com você não... Cadê o oro de mamãe?
Eu disse:
- Nós não tem oro.
Ele queria oro. Não era dinheiro não. Minha mãe tinha dois par de argola de oro e duas aliança, uma dela outra do meu pai. Eles foram coisando a casa. Também não ficou nada. Jogaram tudo no chão. Aí ele disse:
- Santinha! Pra onde foi seu pai?
- Meu pai foi pro Cagagaio.
Eu era menina e, pra dizer papagaio, dizia cagagaio. Onde é esse Cagagaio é o Papagaio. Quando meu pai chegou na casa do finado Cecílio, na casa que era do Berilo, já sabia da notícia. Lampião ta aqui no Umbuzeiro.
Chegou aqui numa roça o Lampião. E tinha uma mulher chorando e ele perguntou:
- O que é que tem?
- O cara me botou na rua.
E o Lampião amarrou o cara no cabo do cavalo. E arrastou por cima de pau e de pedra.
- É pra você ter vergonha de não fazer mal as fia aléia.
Eu sei uma música do Lampião:
“Acorda Maria Bunita
torra o teu café”
Lampião ta na revista...
Maria Bonita....
Lampião sé matava delegado, inspetor e os macacos do guverno...
  “Acorda Maria Bunita torra o seu café
Lampião ta na revista
Maria Bunita já ta de pé
Faça o favor de perguntar
que me chamo Vergulino
cravo de moça cheirar”
Lampião era muito ruim. Pegou uma véia e deu uma surra. Era a Maria do Rufino, irmã do Felício. Foi nos Picos. Nos Campinhos.
- O que é que você anda fazendo?
Aí, pegou a véia e deu uma surra... Pois foi...

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço:
Rubens Antonio

Os Assombros de Itiúba - Depoimento de Agenor Rafael da Silva - Parte IV

Por: Rubens Antonio

"No ano de 1929, morava na fazenda Cajazeiras, no Município de Itiúba... Lampião passou perto de onde eu morava, na fazenda Campinhos, região de Quicé. Lá, entrou em diversas casas. Em uma delas foi na de Joaquim. Nesta casa, ele agrediu o velho Joaquim. Nesse tempo não existia guarda–roupa e Lampião foi até o baú e começou a jogar os panos no chão. Quando Joaquim viu disse:
– O capitão! Não jogue os panos no chão não!
Lampião pegou o fuzil e deu uma pancada na cabeça de Antônio Joaquim. Nesta mesma casa tinha uma moça com o cabelo comprido. E Lampião virou-se para ela e disse:
– Porque não corta o cabelo para ficar bonita?
– Meu pai não gosta que eu corte o cabelo.
Então ele disse:
– Você faz muito bem em não cortar o cabelo. É muito bonito.
A moça estava com umas argolas bonitas e ele quis tirar as argolas das orelhas da moça. E o irmão da moça, por nome João, disse:
– Ô capitão dê licença. Eu tiro as argolas dela e lhe entrego.
Os cangaceiros vasculharam tudo atrás de dinheiro. Acharam o dinheiro escondido dentro de umas cabaças velhas escondidas debaixo de um painel de farinha, pois, naquele tempo não existia banco. Tinha um filho de seu Joaquim casado de novo. A casa dele ficava no terreiro do pai. Uma casa muito bonita, decente e bem construída. Os cangaceiros agarra-no e pediram dinheiro. Ele respondeu que não tinha. Passaram uma corda no pescoço dele para amarrar no cabo do cavalo e arrastar o rapaz. A esposa ficou gritando para soltarem-no que ia buscar o dinheiro. Foi até a casa e pegou quinze contos de réis e deu a Lampião que soltou o rapaz resmungando:
– Não tem dinheiro o quê?! Seu cabra descarado!
Depois desse acontecido, Lampião pediu para colocar um banco no terreiro, perto do cavalo, para ajudá-lo a subir na montaria, pois estava carregado com cartucheiras de bala, fuzil nas costas e aqueles cantis de alumínio, para carregar água. Quando ele saiu da casa de seu Joaquim, a casa ficou cheirando tão mal que tiveram que lavar a casa com água e creolina, pois os homens não tomavam banho, não mudavam de roupa cheia de poeira, sangue de gente e perfume. Lembro-me de tudo. E, na época, eu tinha mais ou menos oito anos.
Me escondi muito em uma roça, atrás da casa. Um dia, de madrugada, chegou alguém chamando:
- Seu João! Seu João!
Meu pai responde:
- Quem é que fala?
O rapaz respondeu:
- É João Basílio! Venho lhe avisar que Lampião vem aí!
O rapaz morava na fazenda Boa Vista. Dentro de casa, todo mundo ficou alvoroçado. Minha avó era uma mulher de uns oitenta anos e meu pai disse:
- Levanta que é pra gente correr.
– Eu não vou não. O que é que o Lampião quer comigo?
– Não, senhora! Levante e vamos embora!
Só se via gente pegar coberta. Esteira de baixo do braço. Os cachorros, amarramos a boca para não latir. Para encurtar a história, ficamos uns três dias no mato. Soubemos que ele estava em Queimadas. Voltamos para casa. O povo contava que Lampião andava com uma agenda com o nome dos fazendeiros. Quando ele passou por lá, nessa época, andava com um guia. E ele perguntava para o rapaz:
- Onde é a fazenda do Zuza da Cajazeira?
Esse Zuza era meu tio e o rapaz que andava guiando-os respondeu:
- Ah, Capitão. Já ficou muito para trás.
– E onde fica a fazenda de João Rafael?
– Ah, Capitão. Também ficou muito para trás.
– E a fazenda de Antônio Rafael?
– Ah, Capitão... Ficou muito para trás.
– Não tem nada não. Na volta, a gente passa lá...
Esses três eram irmãos.
Por causa dessa conversa que meu tio soube, largou a casa muito boa e passou seis meses no mato, num rancho de palha com medo.
De vez em quando, mandava um menino ir olhar lá na fazenda, se não tinha rastro de cavalo.
Depois que Lampião desceu da fazenda Campinhos, passou perto de Cajazeiras, da Fazenda Barras, no sopé da Serra do Souza. Ele foi para a Varzinha.
Disseram que mandou um dos bandidos pesquisar Itiúba, mas, naquela época, estava cheio de homens. Onde tem o posto do Jackson era um grande pé de juazeiro cheio de dormentes, aqueles troncos usados na linha férrea.
Ali, tinha mais de um homem armado esperando Lampião.
Dizem que o bandido retornou e disse para Lampião que a cidade estava cercada e não dava para entrar, pois, se entrassem, morriam.
Além dos soldados que aqui existiam, vinham pessoas de outros lugares, que o Coronel Aristides Simões mandava buscar, para reforçar a cidade...
Essas pessoas eram chamadas de “contratados”.
Eu sei que vieram algumas pessoas de Formosa, perto do Chorroxó, como Simplício e Berto.
Capitão Aristides apoiou-os, pois viu que eram homens dispostos... Aqui ficaram e constituíram família."

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço:
Rubens Antonio


LAJEIROS DO SERTÃO


Por: Clerisvaldo B. Chagas = Crônica Nº 821
Clerisvaldo B. Dantas

Tem início hoje o novenário em homenagem a Senhora Santana, padroeira de Santana do Ipanema, estado de Alagoas. Há décadas, a festa da avó do Cristo continua arrebanhando multidões, notadamente na procissão de encerramento. 


Entretanto, queremos destacar, não a festa, tão decantada por nós, mas as formações rochosas do sertão denominadas lajeiros. Querem trocar os nomes de lajeiro por lajedo, de imbu por umbu, mas continuamos a valorização do que é nosso, encaixando sempre nesses trabalhos as belas expressões nativas. Belas expressões, belíssimos lajeiros que afloram em toda a região do semiárido nordestino. Pequenos, médios, grandes, enormes, os lajeiros vão fazendo pausas na vegetação contínua, como brincos de prata nas orelhas da caatinga. Muitos são côncavos, afunilados, alongados, esculpidos, chamados, pias, pilões, pedra d’água... Suas rachaduras horizontais ou panelões verticais ajudam bastante o abastecimento d’água em tempos de estiagem. Bebem os humanos, os bichos e, ainda colaboram na lavagem de roupa em fazendas e povoados.

Existe o lajeiro completamente limpo, sem vegetais e nem esconderijos. Encontramos, porém, inúmeros deles semeados de urtigas, xiquexiques, macambiras, coroas-de-frade e mesmo alastrados, facheiros mandacarus ou altíssimas craibeiras que se formam em pequenos espaços de areias e fendas. Diz à música que “é no pé do lajeiro onde a onça mora”, mas também a cobra, o preá, o mocó, a raposa e outros bichos, pequenos e minúsculos. Alguns deles são altos, oferecem panoramas belíssimos e que são até explorados pelo Turismo. Pontos de encontros amorosos, os lajeiros nordestinos serviram de acampamento para as longas caminhadas de ciganos, cangaceiros, almocreves, beatos e romeiros que percorriam os sertões a pé ou a cavalo. Muitas vezes no sertão verde da caatinga, o viajante se depara bruscamente com a formação granítica como ilha branca no meio do “verdume”. Os mandacarus erguem os braços e o Sol da tardezinha mergulha nas montanhas por trás dos seus braços esguios. Só saudade pura e uma vontade da gota serena de fazer amor.

Em recente pesquisa para o nosso pequeno grande livro “Negros em Santana”, com os coautores Marcello Fausto e Pedro Pacífico V. Neto conseguimos capturar belas imagens de lajeiros. Pelo menos uma está servindo de papel de parede no computador e age como remédio relaxante. É a ilustração acima, do sítio Laje dos Frades, bem perto do povoado Pedra d’Água dos Alexandres de onde Moreno entrou no Cangaço; de onde surgiu a cangaceira Maria de Pancada e de onde o cangaceiro Cruzeiro foi levar a cangaceira Aristéia para se entregar em Santana do Ipanema. Um exemplo, apenas de LAJEIROS DO SERTÃO.



Extraído do blog do Romancista Clerisvaldo B. Chagas.
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com.br/2012/07/lajeiros-do-sertao.html

AS ARMAS DO CANGAÇO

Por: João de Sousa Lima

Uma das mostras culturais relacionadas ao cangaço  que mais atraíram visitantes em Paulo Afonso foi com um acervo de armas do cangaço.

Uma das mostras culturais


Relacionadas ao cangaço  que mais atraíram visitantes em Paulo Afonso foi com um acervo de armas do cangaço, em conjunto com o acervo de João de Sousa Lima e da polícia militar da Bahia, tendo por suporte o apoio do tenente Raimundo Marins.
no momento foi apresentado a metralhadora que matou Ezequiel Ferreira, irmão de Lampião, a famosa hot Kiss ou "beijo quente".
A metralhadora que passou pelas mãos de lampião, sendo inspecionada por corisco, que havia servido ao exército e conhecia de armamento, acabou sendo escondida na serra do umbuzeiro em Paulo Afonso, sendo encontrada por um coiteiro que entregou a policia e hoje a arma encontra-se em salvador no acervo da policia militar.

1
2

1 - Fuzil mosquetão que pertenceu ao cangaceiro Calais, morto pelo soldado Teófilo Pires do Nascimento (ainda vivo).
  
2 - Abaixo rifle papo amarelo que pertenceu ao cangaceiro Manuel Tubiba, presenteado por Lampião. Ambas hoje pertencentes  ao acervo de João de Sousa Lima.


Réplicas de punhais do cangaço e metralhadora da policia militar.

1 - 

2

1 - Parabellun do cangaceiro Passarinho. Acervo João de Sousa Lima.

2 - Revolver Colt Cavalinho, acervo da policia militar.

Extraído do blog do escritor e pesquisador do cangaço:
João de Sousa Lima

Os Assombros de Itiúba - Depoimento de Helena Isaura de Carvalhal - Parte III

Por: Rubens Antonio
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1929

Nós corremos de Lampião até hoje, em nossos sonhos...
Lampião pintava horrores judiando, amarrando as pessoas em pés de mandacaru, matando. E, antes de matar ainda perguntava:



- Como é que você quer morrer? É deitado, sentado, ajoelhado ou em pé?
Contam os mais velhos, que, certa vez, Lampião pediu dinheiro a um jovem casal. Este se negou a dar. Lampião prendeu o marido na cauda de um cavalo e saiu correndo com o animal. A esposa acompanhou correndo até quando encontrou o bando numa fazenda tomando café. O marido continuava amarrado. Ela pediu tanto que ele soltou o homem dizendo:
- Solta esse diabo que parece que é casado de novo!...
Foi no ano de 27 que nós demos a primeira carreira. Eu tinha catorze anos... Vinha a história:
- Vem Lampião! Vem Lampião!
A gente pensava que Lampião vinha. Mas, longe, ele atacou a Fazenda Triunfo. Era um lugarejo. No entanto, o medo era tanto que ninguém pensava em nada. Só em correr para escapar da tirania de Lampião e de seu bando. Aristides, parente nosso, tinha uma fazenda chamada Maravilha.
E, aí, um certo dia, ele mandou um vaqueiro que era procurador fazer um serviço lá na fazenda. E lá Zezinho Ferreira, primo de Júlio Ferreira, o vaqueiro contratador, encontrou Lampião que lhe perguntou:
- Quem é você, que vê Lampião e não muda?
Aí, ele disse:
- O Senhor é homem como eu.
Lampião achou isso uma vantagem, então disse:
- Aqui é a fazenda do capitão Aristides?
Zezinho disse:
- Sim.
Lampião perguntou:
- E ele é muito valente?
- É.
Então, Lampião disse:
- Olhe, vou fazer um bilhete.
E fez. No bilhete ele dizia:
“Aristides, eu sou o Capitão Virgulino, o Lampião.
Escrevo porque sei que você é muito forte e quero ir aí em Itiúba para lhe encontrar.”
Tentou entrar aqui em Itiúba muitas vezes, mas não conseguiu porque só há três saídas e a cidade é cercada por serras...
O Coronel Aristides Simões de Freitas, homem forte, valente, intendente, recebeu o bilhete de Lampião pedindo que mandasse dois contos de réis. E este destemido mandou dizer que ele viesse buscar. Mas Itiúba era prevenida com homens contratados nas trincheiras das três entradas esperando Lampião. Aristides se preveniu. Mandou chamar o povo do Chorroxó. Eles já tinham feito buracos nas imediações do lugarejo, para esperar Lampião. E, atendendo ao chamado do capitão Aristides, o povo de Chorroxó veio. Eram uns onze homens.
Eu me lembro de um que chamava Luiz... E era bonito e forte...
Logo depois, veio esse povo do Virgílio. Aí, Aristides esperou, esperou e ele não veio. Lampião não veio. Só pode ter sido com medo. Nisso, Aristides mandou a resposta do bilhete. Mas, quando o portador lá chegou, ele não estava. Não esperou a resposta de que eles podiam vim. E foram embora. Aristides ficou com esta força de homens armados e com os contratos, guardando a cidade. Tinha uma tropa na estrada de Senhor do Bonfim e outra estação, mas lá muito adiante, quase na fazenda Estado. Só tinham três entradas, e ele, o Lampião, não veio. Fugiu.

1931

Quando foi em outra época, em meados de 1929, ele quis entrar aqui...
Chegou até a casa da Fulo, na entrada da Calçada de Pedra, por onde ele tinha que passar para entrar aqui. As tropas continuavam a postos e armadas à espera de Lampião e o seu bando. De repente, ouviu-se um trotar. Era um jumento correndo. Nesse alvoroço, os guardas pensaram que era Lampião, e aí soltaram descargas de tiros. Aí todos responderam e fechou Itiúba de tiros... E todas as outras trincheiras começaram a atirar sendo que estavam avisadas, porque pensaram que os jumentos correndo era a tropa de Lampião. E a gente aqui correu para se esconder.
Mamãe sempre corria. Já era morfina. Vivia com as cobertas no corredor. Quando diziam:
- Olha! Lampião, está perto!
A gente ia se esconder na casa de Sinhá Preta. Mas, com medo dos tiros, corríamos para a Serra dos Macacos, pensando que Lampião tinha chegado. E o povo gritava:
- Lampião chegou!
E lá passamos três dias, porque podia ele chegar. Encontramos uma mulher que vinha com o chinelo na cabeça, e perguntamos:
- O que foi?
Ela disse:
- Já mataram Seu Simão, lá do Tatu, e foram para a casa de dona Amélia, do Castanho.
Eram todos tios nossos. Mamãe chega caiu do susto. Lá dormimos na cama feita de casca de feijão, mas tudo ficou em silêncio. No entanto, mamãe não quis descer. Com três dias depois, teve outro alvoroço, outro tiroteio. Aí fomos pela Fazenda Tapera, por dentro do mato. O mato grande não tinha caminho. A gente ficava cansada, mas tinha que continuar para fugir do tirano Virgulino, vulgo Lampião.
Aí, passaram-se poucos dias e Lampião entrou em Bananeiros.
A notícia chegou até aqui pelos telégrafos... Mamãe quase que morre... Estávamos na escola. Nós quase não aprendemos a ler, porque eram só três anos de estudo na escola. Vivíamos fugindo.
O prédio era perto da Estação Ferroviária, local aonde Lampião iria primeiro, para cortar o sino. Porque bater o sino era um dos sinais que avisavam que Lampião estava chegando ou que estava por perto. Fugimos para a casa de Sinhá Preta, onde tinha um caldeirão. Papai dizia:
- Quando tiver tiroteio, vamos nos deitar, todos aqui atrás dessas pedras.
Quando foi um certo dia, no meio da noite, estávamos limpando o tanque da nação e tinha dois bangüês para carregar o barro. Quando nós enxergamos Vovó Iaiá Bebé com os bangüês todos melados de barro. Ela não caminhava. Não era pela idade que ela tinha, mais ou menos oitenta anos. Era porque ela sofria de asma e era murfina. Ficou tropa.
Aí, Aristides colocou ela dentro do bangüê e mandou entregá-la a papai. Aí foi quando teve outro tiroteio e avisaram que Lampião já estava na casa de Dona Fulo...
E teve este tiroteio.
Nós, então, fomos para a Serra dos Macacos e deixamos vovó na casa de Sinhá Preta, que morava ali perto da Fazenda Umbuzeiro. Foi cômica essa história. Correu todo mundo. Só dois homens não correram, o Pai do Nino Pires e Acelino. Para piorar a situação, nessa noite papai não estava em casa. Tinha ido visitar um compadre e mamãe disse:
- Como é que a gente corre?
Eu só sei que corremos. Corremos nos capinzais adentro. Que fuga louca. Ali era verdadeira luta pela sobrevivência...
Eu sei de tanta coisa...
Uma delas é que meu avô materno contava que Lampião dormiu em sua fazenda, onde foi recebido com maior respeito... O rei do Cangaço abriu as cercas da roça de meu avô e colocou os animais para comer toda plantação. No dia seguinte o cangaceiro deu dinheiro para que fizesse uma nova plantação.
Lampião pernoitou na casa de meu pai, e, na hora da janta, tirou uma colher de prata que trazia. Antes de comer colocou a colher na comida para ver se não estava envenenada. Caso a colher ficasse preta era porque havia veneno. Ele tinha vontade entrar na cidade, mas o mesmo temia o Coronel Aristides Simões, que também era conhecido pela sua valentia. Aristides e a população estavam sempre armados à espera do cangaceiro do Nordeste. O Rei do Cangaço estava furioso porque queria roubar o cofre o senhor Belarmino Pinto de Azeredo, que foi o primeiro prefeito de Itiúba, e saquear a feira livre.
Lampião e seu bando chegaram na casa de uma senhora conhecida como Fulô, na zona rural de Itiúba, ameaçando entrar na cidade. Ela disse a Lampião:
- Coronel Lampião, não vá não! Eu sou amiga para lhe dizer que lá tem forças fortes, soldados e homens contratados nas trincheiras.
Desistindo da investida, seguiu para Queimadas. Cortou os fios da estrada de ferro para que ninguém mandasse telegramas avisando que estava chegando. Já em Queimadas foi para o quartel, onde prendeu o sargento e os soldados. Passou a noite dançando. Ao amanhecer o dia, seguiu novamente para o quartel e matou sete soldados, sendo um filho de Itiúba...
E assim seguiram viagem para Santa Rosa...

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço:
Rubens Antonio

O Cangaço - Grande Debate - Parte I


Ainda no mês de Junho tivemos a grata satisfação de participar do Programa Grande Debate da TV O Povo com o jornalista Ruy Lima. O tema do Programa foi o lançamento do livro Iconografia do Cangaço, organizado por Ricardo Albuquerque. Hoje trazemos na íntegra para os amigos, em 4 postagens.

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The Rolling Stones - anos 2000 - 2010

Por: M@rcos Cost@
Marcos Costa

Senhoras e Senhores, é com grande expectativa e satisfação que deixem-me apresentar a última parte de...
Stones: 50 anos 
parte 4 de 4
Anos 2000 & 2010
2012 BODAS DE OURO

Assista aos vídeos clickando nos nomes das músicas

Durante esses meses que pesquisei sobre os...


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Os Assombros de Itiúba - Depoimento de Raimundo Pinto - Parte II

Por: Rubens Antonio

1929

Em 1929, Lampião chegou na Fazenda Desterro... que fica em Monte Santo... Não sei de onde e por onde veio... Então, mandou a carta ao coronel Aristides, pedindo três contos de réis, pelo vaqueiro Zezinho, de Licuri Torto...
Aristides, não mandando os três contos de réis. E o Lampião não escreveu na carta, mas disse ao vaqueiro que ia, se não recebesse o dinheiro, invadir Itiúba... Foi a hora que Aristides botou as trincheiras... Ele botou quarenta homens no trecho da Calçada de Pedra,,, e quarenta homens na Cambeca, que eram as entradas da cidade... Sustentou esses oitenta homens por três meses, com cachaça, rapadura e comida...
Teve ajuda de muitas pessoas que chegavam vindos de Chorrochó, especialmente a família Rodrigues de Souza...
Inclusive, teve a participação, com clavinote, de Cipriano e Bertolino Rodrigues de Souza... Um irmão também deles, por nome Carrinho, que chegou aqui na terra com fama de matador... E este esteve na frente das trincheiras da Cambeca... Esse era mesmo pistoleiro matador... Aquela coisa de Lampeão acender vela para saber se entrava em Itiúba é invenção... Disseram, na época, que ele mandou um jagunço disfarçado, que sondou e viu as duas entradas com defesa muito boa... e resolveu não entrar...

1931

Em 1931, Lampião estava vindo da região da Canoa, em Bonfim. Seguia pela estrada de ferro, acompanhando. Passou perto de Quicé e a chegada foi pela Fazenda Vasa da Água... Foi a primeira que ele penetrou, quando veio de Quicé.
Pegou como primeiro guia um vaqueiro que dava água ao gado. Era o Antônio Gama. Pediu que mostrasse uma vereda que desviasse de Itiúba. O vaqueiro disse que tinha que seguir para a direção da Várzea da Roça e daí chegar até a Fazenda Umbuzeiro.
Mais um pouco e ali ele despachou o guia... e pegou outro chamado Galdino de Leotério... Era filho de Leotério... que era fazendeiro. Seguiram então para a Fazenda Varzinha, a cinco quilômetros de Itiúba. Nisto, encontraram com um casamento, no topo da serra... O homem do casamento chamava-se Barão.
Continuaram, então, para a Fazenda Varzinha da Olaria.
A primeira casa que encontraram na Varzinha foi a de Totonho do Cori... Coriolando Coelho Goes... Eram seis e meia da tarde, e Lampião perguntou ao guia Galdino de Leotério se Totonho era valente. O Galdino, então, respondeu que ele era muito valente.
Então o capitão bateu na porta do Totonho, gritando que era Lampião, e que ele se preparasse para morrer.
Totonho pediu que esperasse, que ia abrir a porta, e mexeu, fazendo barulho, como quem está tentando usar a chave. Então, correu para a porta de trás. Antes de abrir, olhou por um buraco e viu dois canos de arma longa. Ele voltou para a porta da frente, quado Lampião bateu de novo, com força, gritando:
- Totonho do Cori! Abra a porta pra morrer!
E ele voltou a fingir que estava abrindo o ferrolho, e que tinha enganchado. E disse alto:
- Pronto, capitão! Vou abrir agora! Estou abrindo!
Na casa tinha ele e cinco mulheres, uma sendo a esposa dele que tinha 12 anos de idade, a Santinha, que estava grávida já no nono mês.
A porta de Totonho era daquela que tem duas partes, uma em cima e uma embaixo. Então, ele destrancou mesmo a parte de baixo e empurrou com tal força e velocidade que arrancou as bizagra. Na hora, bateu a pancada num cangaceiro e Lampião atirou no susto e a bala pegou na parede de frente. Foi na hora que Totonho do Cori avançou, correndo de quatro pés, e se atirou por baixo entre as pernas de Lampião, que pulou tentando atirar. Mas ele avançou correndo abaixado, ainda de quatro pés, passando entre as pernas dos cangaceiros.
Lampião gritou, na hora:
- Eta, homem liso!
É que ele estava todo suado, pois estava fazendo uma mesa... Ele era marceneiro... E eles tentavam acertar ele, mas ele foi muito rápido.
O primeiro alívio foi quando ele, tendo passado o grupo, se jogou por baixo dos burros e cavalos deles... Então, ele conseguiu correr pra mata, mesmo levando muito tiros, mas não foi baleado...
Lampião então entrou na casa de Totonho do Cori e perguntou quem era a mulher dele.
Ela disse:
- Sou eu!
Ele então falou:
- Me dê um copo de água a bem da morte do seu marido!
E ela deu a água.
Nisto, a sogra de Totonho, dona Mariinha, começou a xingar o grupo.
Eles pegaram a velha e entregaram o mocotó na mão do Volta-Seca, que arrastou a velha umas sessenta braças toda descomposta.
Jogou ela numa moita de xique-xique e disse:
- Eita, velha ruim danada!
Seguiram para a Fazenda Maté, com uns quinze homens mais o guia, somando dezesseis.
Aquela conversa de que acendeu uma vela para ver se entrava em Itiúba é mentira... Não acendeu vela nenhuma... Ele queria mesmo era contornar a cidade...
Chegaram na casa de Pedro de Souza Góes. Não buliram com nada nem ninguém., por ter uma mulher doente com febre.
Da Fazenda Maté seguiram para a Fazenda Poço do Cachorro... Encontraram um senhor por nome Isidoro Cardoso, que vinha cortado de machado... Perguntaram como ele se cortou e não fizeram nada com ele...
Amanheceram o dia já na Fazenda Desterro, que pertencia ao coronel Aristides... Lá dormiram... Comeram um bode... E mandaram o guia Galdino embora com um burro selado e um facão...
Pegaram um terceiro guia... o Delfino, da Tapera do Rocha... Seguiram em direção a Cansanção e Monte Santo, deixando em paz o terceiro guia...


Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço - Rubens Antonio - do blog "Cangaço na Bahia".

http://cangaconabahia.blogspot.com.br/2012/07/os-assombros-de-itiuba-depoimento-de_16.html

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 18 (AOS OLHOS DA JUSTIÇA – ENTRE A IRA E O DIREITO)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 18 (AOS OLHOS DA JUSTIÇA – ENTRE A IRA E O DIREITO)

O cangaço - enquanto fenômeno social originário da insurgência de nordestinos contra os mecanismos de degradação social impostas pelos governantes, coronéis forjados no mando e outros poderosos da região -, sempre foi visto à margem da legalidade. Ora, um contraponto às forças de então não poderia ser visto senão como afronta ao próprio Estado.

Sendo o Judiciário um dos braços estatais para a garantia da ordem, logicamente que este poder, estando absorvido pelo poder maior governamental, assim que pôde julgar as ações praticadas pelos cangaceiros, o fez sempre no sentido de imputar verdadeiras aberrações ao grupo comandado por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Não significa dizer da santidade do cangaceiro, pelo contrário, mas deixar de observar o contexto em que as ditas maldades eram praticadas.


E há que se ressaltar que a alcunha prevalecia sempre quando o homem era esquecido para vir à tona apenas o criminoso, o bandoleiro, o facínora, o salteador, o malfeitor, o delinquente, o mais perigoso e desumano bandido das caatingas nordestinas. Assim, deixava-se de considerar o homem e seus motivos, a vítima das agressões mandonistas, o caboclo nordestino que havia se cansado de ser submetido à violência e a ter de suportar calado o sangue jorrando dos seus.

Para muitos, onde estava Lampião estava a “besta humana do Nordeste”, o “celerado sanguinário”; a “bestialidade facínora a aterrorizar os rincões nordestinos”, “um ladrão e matador na chefia de um bando de transviados”, “o maior dos bandidos, o sanguinário e covarde matador de inocentes”. Parte dos jornais da época assim se refere ao rei dos cangaceiros. Os mesmos jornais que exaltavam as ações heróicas das forças policiais, enaltecendo-as e chamando-as de bravos heróis das caatingas em luta desenfreada contra os bandoleiros.

Não obstante as destrutivas e avassaladoras campanhas jornalísticas em reportagens e editoriais, o sonho maior dos magistrados das comarcas distantes era lançar mão de processos contra Lampião e assim assegurar um lugarzinho nos anais da história. Daí que não foram poucos os processos judiciais abertos contra o rei cangaceiro e o seu bando, mas que pouco efeito prático surtia, principalmente pela dificuldade em encontrar os réus.

Como afirma Raul Fernandes em breve artigo (“Lampião processado”, in. blogdosanharol.blogspot.com/2011/02): “Em Agua Bela, Pernambuco, instalaram o processo contra Lampião e seu Bando. Não encontraram os réus e nem as testemunhas se apresentaram. Em, 1928, fizeram nova tentativa, sem resultado. No Rio Grande do Norte, a justiça manifestou-se, prontamente. Dr. Ovidio Henrique da Costa, juiz da comarca do município de Martins, assinou o mandato de prisão preventiva do grupo de Lampião, enumerando o nome dos chefes e acompanhantes. Dois meses mais tarde, a sentença fora sustentada pelo juiz da referida comarca, Dr. Silvério Soares de Sousa. Em Setembro de 1927, Dr. João Vicente da Costa, Juiz da comarca de Paus dos Ferros, decretava: onde for encontrado o bandido Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, prenda-o e recolha-o a cadeia publica desta cidade”.

Sessenta e nove anos depois, em 1997, retomando o julgamento de Lampião e outros denunciados num processo da Comarca de Betânia, de 1928, o atual juiz Clóvis Silva Mendes (Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Serra Talhada, no exercício cumulativo da Comarca de Flores), ao reconhecer a extinção da punibilidade pela prescrição, ainda assim pincelou seu ódio contra o rei dos cangaceiros nos seguintes termos:

“VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, o Lampião, durante 16 anos, reinou nos sertões do Nordeste, enveredando pelas caatingas, deixando por onde passava um rastro de perversidade e praticando tudo aquilo que podia aterrorizar a sociedade sertaneja. Conseguiu valentia através da violência, impôs o medo, a covardia, de modo torpe e vil, como forma de se impor em todo o Sertão Nordestino. Ele empreendeu uma onda nefasta de crimes ao longo de sua trajetória como cangaceiro, porém nem sempre conseguiu concretizar as suas metas, ou, ainda, seus planos não foram bem sucedidos. Tendo, às vezes, encontrado certa presença de espírito desfavorável, teve que recuar, posto que sua empreitada não havia sido recepcionada como o previra. Era um homem prudente, uma verdadeira serpente” (“A Sentença de Lampião”, in. Blog do Medeiros - http://apmed.blogspot.com.br/2007/07).

No único processo instaurado contra Lampião em Sergipe, originário do município de Nossa Senhora das Dores (Comarca de Capela), lá pelos idos de 1930, o cangaceiro fora acusado pela morte de Elpídio José dos Santos. Atuando no processo, o então promotor, e mais tarde desembargador, Dr. Joel Macieira Aguiar, assim expressou, ás fls. 37 dos autos, acerca do famoso réu: “Seja-me, pois, permitido, como Promotor Público da 6ª Comarca, com sede em Capela, deixar nestes autos os meus aplausos à justiça do termo de Dores por ter instaurado processo contra o grande bandido Virgulino Ferreira”, conforme cita José Lima Santana (“Segunda Visita de Lampião a Dores”, in. cariricangaco.blogspot.com).


Contudo, passados quase setenta e quatro anos de sua morte a 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, às margens do Velho Chico, na povoação sergipana de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, eis que - talvez de forma inédita - o judiciário sergipano, no julgamento em primeira instância de processo envolvendo a proibição do lançamento de livro maculando a imagem de Lampião e Maria Bonita, reconheceu-os portadores de características primordiais no ser humano, como a honra e a dignidade.

O processo judicial fora requerido pela filha do casal, Expedita Ferreira Nunes, ao tomar conhecimento pela imprensa que um ex-magistrado sergipano, Pedro de Morais, estava prestes a lançar um livro onde tentava provar que o mais famoso casal de cangaceiros tinha opções sexuais e comportamentais bem diferentes do sempre apregoado pela história, vez que Lampião era homossexual (e também estéril) e Maria Bonita adúltera, pois traía o companheiro com outro cangaceiro do próprio bando, Luís Pedro.

Tombado sob nº 201110701579, da 7ª Vara Cível da Comarca de Aracaju, cujo juiz titular e julgador do pleito foi o Dr. Aldo Albuquerque, tanto na decisão acerca do pedido de tutela antecipada para o não lançamento do livro como na decisão de mérito, o que se observou foi a voz da justiça lançando o olhar sobre pessoas objetos de direito, de base constitucional, e não apenas enxergando renegados da lei e meros bandoleiros, como costumava fazer a mesma justiça noutros tempos.

No julgamento do pedido de antecipação de tutela, acatando o pleito da filha de Lampião e Maria Bonita, através de Despacho de Mero Expediente publicado no Diário da Justiça do TJSE em 25/11/2011, assim se pronunciou o magistrado:

“(...) Em relação à proteção da intimidade e da honra da requerente, busco amparo e fundamento nas próprias palavras do requerido constantes da entrevista concedida ao Jornal Cinform, pois o mesmo afirma categoricamente, em várias passagens, que o pai da requerente, conhecido como “Lampião”, era boiola, gay, entre outros adjetivos direcionados a imputar ao mesmo a condição de homossexual.

A homossexualidade é um comportamento lícito, assim como o comportamento de fumar e também uma opção, assim como a opção de torcer por determinado clube de futebol ou por determinada escola de samba.

As pessoas, por óbvio, sempre enaltecem seus comportamentos, até porque estes fazem parte de sua história e é a partir deles que as demais pessoas formam juízos de valor acerca de nossas condutas.

Neste prisma, tem gente que tem orgulho porque faz doação de sangue, tem gente que se orgulha de fumar, tem gente que se orgulha por ser homossexual e ter coragem de assumir publicamente a sua opção sexual, como também tem gente que se orgulha por não ser homossexual.

Assim, fica fácil perceber, que efetivamente, o texto e o conteúdo do livro a ser publicado pelo requerido, agride de forma frontal e violenta de forma objetiva e contundente todo o orgulho da requerente em relação à conduta e comportamento de seus genitores, como também dela própria.

Não é de ninguém novidade, a característica de virilidade que sempre se tentou passar da história de vida de Lampião, pai da requerente, tanto é assim que o mote do livro a ser publicado pelo requerido trata exclusivamente desta questão relativa à opção sexual do mesmo.

Tal situação, não teria sequer apelo da imprensa, se o livro tratasse de eventual aventura heterossexual de Lampião, pois são várias as publicações históricas que tratam dessa característica viril do pai da requerente.

Então, percebe-se facilmente que a questão diz respeito exclusivamente à intimidade da requerente e de seus genitores, pois de forma expressa, segundo se infere do texto da entrevista concedida pelo requerido ao Jornal Cinform, o mesmo lança dúvidas, inclusive, a respeito da paternidade da requerente.

Ora, uma simples ação de investigação de paternidade é acobertada pelo manto do segredo da justiça, com muito mais razão deve ser protegida a intimidade da requerente, diante do conteúdo do livro que o requerido pretende publicar.

Ademais, não há como deixar de considerar, que o fato de se tentar passar a ideia de que Lampião era homossexual, constitui-se, em evidente ofensa à honra da requerente, pois qualquer pessoa se sentiria ofendida acaso lhe fosse imputada característica não compatível com a sua história ou até mesmo com os sentimentos pessoais, acerca do comportamento de seus genitores”.


Por sua vez, quando do julgamento do mérito (decisão publicada no Diário da Justiça do TJSE em 11/04/2012), confirmando a tutela anteriormente concedida e dando provimento ao pleito requerido por Expedita Ferreira, assim se manifestou o ilustre julgador de primeiro grau:

“(...) No tocante ao fato alegado pelo requerido de que a requerente não se mostra indignada quando o seu pai é chamado de facínora, homicida, estuprador, ladrão, violento e fora da lei e que se mostra indignada quando o mesmo é chamado de homossexual, verifica-se mais uma vez a fragilidade dos argumentos do requerido.

Com que certeza o requerido afirma que a requerente não se sente indignada quando seu pai é tratado como um marginal ou bandido, em relação aos fatos criminosos, em tese, praticados pelo mesmo.

Acontece que os fatos criminosos imputados a Lampião, são fatos públicos, estes sim, de interesse público e coletivo, e justamente por isto, a requerente não pode e jamais poderá proibir a divulgação dos mesmos, pois na verdade, tais fatos não dizem respeito a vida privada de Lampião.

Ao contrário, tais fatos e circunstâncias são rotineiramente e cotidianamente tratados pelo público e por quem quer que seja, sem que a requerente possa adotar qualquer tipo de postura ou conduta no sentido de proibir a divulgação e/ou a investigação de tais atos.

Na verdade, não há qualquer informação de que a requerente tenha orgulho desses fatos imputados ao seu genitor e eventual ausência de provocação sua, na tentativa de proibir a divulgação de tais fatos, não significa, necessariamente, a existência de um sentimento positivo de alegria pelos mesmos, pois ainda que não se conformasse, nada poderia fazer, em função da natureza pública e interesse coletivo de tais fatos.

Ainda tentando justificar a publicação de seu livro, o requerido afirma as fls.50, que na verdade o objetivo de sua obra é demonstrar que o cangaceiro Lampião não era justiceiro, não era general, não era estrategista, nem tático, e sim, que era um covarde, um homem mal, violento, quase sempre a serviço dos poderosos e nunca um defensor dos fracos e oprimidos.

Percebe-se nesta expressa afirmação do requerido em sua contestação, que na verdade, o que se pretende é ridicularizar a figura de Lampião, ofendendo-lhe com vários adjetivos, de covarde a homossexual, de impotente a corno, de homem mal a homem a serviço dos poderosos.

Ora, para provar a sua tese de que Lampião era um homem covarde e violento, não precisa o requerido imputar ao mesmo a conduta homossexual, uma suposta impotência sexual ou ainda as supostas traições de sua companheira Maria Bonita, bastava o requerido investigar e narrar os vários fatos públicos e notórios, que são imputados a Lampião e Maria Bonita, fatos estes que dizem respeito à prática de diversos crimes e a partir daí traçar um perfil de Lampião e de Maria Bonita.

Tal conduta sim, seria legítima e permitida por nosso ordenamento jurídico, mas a partir do momento em que o requerido incursionou e enveredou pelo caminho da invasão da vida privada, da honra e da intimidade de Lampião e de Maria Bonita, contaminou, por ilícita, toda a sua obra.

Não cabe aqui, sequer, a alegação de que chamar alguém de homossexual não é ofensa, em virtude da licitude do comportamento homossexual, pois embora lícito, tal comportamento, por razões óbvias, já que ligados diretamente à intimidade e a vida privada das pessoas, constitui-se em uma das maiores ofensas que se pode dirigir àquele que não adota tal comportamento.

Como paradigma temos vários exemplos, pois para uma mulher de comportamento sexual regrado, constitui-se como uma das maiores ofensas ser chamada de prostituta, embora, todos saibamos, que a prostituição é um comportamento lícito.

Ou seja, embora haja um apelo e sensacionalismo da mídia no sentido de tentar passar a ideia de que o comportamento homossexual, por ser lícito, não ofende, verifica-se que tal sentimento não se compatibiliza com a realidade, pois da mesma forma que se deve respeitar os homossexuais em sua integridade física e moral, deve-se respeitar os heterossexuais.

Não se admite assim que o requerido tente passar a ideia, através de sua obra, de que Lampião era homossexual, pois tal comportamento, a toda evidência, não é compatível com a história de vida de Lampião e muito menos com a história do cangaço.

Todas as considerações acima, servem para demonstrar a ilicitude da conduta do requerido quando trata da suposta impotência sexual de Lampião, pois tal afirmação além de ofender qualquer homem é totalmente contraditória, quando se percebe que o requerido ás fls.47, reconhece que Lampião era chamado de estuprador.

Ora, vê-se assim, facilmente, que as alusões relativas à intimidade e a vida privada de Lampião, além de ilícitas, posto que não dizem respeito a ninguém, são infundadas.

No tocante a alegação dos supostos adultérios de Maria Bonita, deixo de tecer maiores considerações, em função do que já foi exposto”.


Desse modo, não é difícil observar quanto o conceito acerca de Lampião foi mudando ao longo dos tempos. Aquele tido apenas como sanguinário bandido, com o passar dos anos voltou a alcançar o status de humano. E como tal, não apenas o malfeitor, mas pessoa normal e condicionada pelas incongruências do seu tempo histórico e social.

(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com




Opinião sobre o livro Lampião Contra o Mata Sete

Por: Ângelo Osmiro

Há alguns meses foi lançado com bastante polêmica, ao ponto de ter sido proibido pela Justiça, o livro Lampião o Mata Sete, trabalho muito contestado por todos os pesquisadores sensatos do tema Cangaço. Foi sugerido por alguns colegas que não se comprasse o livro em foco, entretanto não concordei com a idéia e procurei adquirir o trabalho, o que fiz através de um amigo na capital baiana onde o livro havia sido lançado.
Como já expressei em vezes anteriores, em centenas de livros que li sobre o tema não encontrei um que se aproxime de tantas aberrações contidas nesse trabalho, um verdadeiro desserviço à pesquisa do cangaço.



Archimedes Marques em trabalho de fôlego fez em seu livro de contestação Lampião Contra o Mata Sete o que a maioria dos pesquisadores queriam ter feito, um trabalho que acaba com qualquer tipo de dúvidas, se é que chegou a existir, sobre a verdadeira personalidade de Lampião.



Não se trata aqui de querer transformar Lampião num herói, até porque ele nunca foi, mas sim relatar os fatos o mais perto da verdade que for possível.


Lampião foi um cangaceiro cruel, causou muitos danos ao sertanejo nordestino, assaltou, matou, castrou, infringiu a lei de várias maneiras, teve sete polícias de estados diferentes em seu encalço por cerca de vinte anos, tornou-se famoso, foi tema de filmes, músicas e incontáveis livros, inclusive esse que quis transformar esse cruel e temível cangaceiro, contra todas as evidências, em homossexual, corno manso e o pior, todos sabiam, inclusive seus comandados, e ninguém nunca disse nada. Todas essas aberrações e outras mais são rebatidas por Archimedes, item por item, não deixando dúvidas quanto ao delírio que foi escrito no livro que ele vem contestar; o que faz com muita competência.
Caro Archimedes, você não só atendeu as expectativas e atingiu os seus propósitos, como o fez com muita competência. Parabéns!

Ângelo Osmiro Barreto
Presidente GECC (Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará)