Quem estuda
esse Fenômeno Social denominado ‘Cangaço’, em determinada fase da ‘jornada de
pesquisa’ começa a se perguntar sobre muitos atos, fatos e ações relacionadas
sobre ele. Aparecem inúmeros ‘porquês’, infelizmente, sem encontrarmos
respostas nas atuais literaturas sobre o tema. Parte, ou em parte, de algumas
entrelinhas notamos tendências sobre determinadas personagens, assim como, em
outras, as tendências ficam com a outra parte...
Sabemos de cor
e salteado que, naquele tempo, a ‘situação administrativa regional’ quando de
alguma forma estava ligada a ‘situação administrativa estadual’ o poder vinha
“galopando ladeira abaixo”. O poder político e econômico regional que ajudava,
sabe-se lá de qual maneira e com quais ações, a vitória do poder mais alto,
estava ‘com a faca e o queijo’ nas mãos. Aqueles que tinham esse poder podiam
condenar, absolver ou mandar matar qualquer um que em seu caminho se opusesse.
Tinham também o poder de mudar, quantas vezes lhe fossem convenientes os
representantes da “Lei”. Se a, ou as, autoridade(s) daquela comarca, aqueles
que representavam a “Lei” não fizesse o que determinava o ‘mandatário
regional’, com toda certeza seria transferido para outro município, comarca,
quando não era destituído de seu cargo. O sertanejo nato, o morador, o roceiro,
nunca, jamais pode ter, ou teve, opções nem liberdade. Nasciam sobre o julgo do
opressor, só encontrando liberdade quando a morte lhe fazia uma gratidão.
Quantos foram
obrigados, extorquidos, humilhados, surrados, suas famílias estupradas em nome
do poder dos poderosos? E quando por ventura se arriscavam a pedir auxilio as
autoridades, estas lhes viravam as costas deixando-lhes a própria sorte, quando
eram sabedores que aquela falta de atitudes lhes condenavam a morte. Alguns não
mais suportaram a ‘chibata do feitor’, ‘o grito do capataz’, ‘o cipó-de-boi dos
mandados’ e o terrorismo imposto pela jagunçada. Preferiram, ou foram
obrigados, a fazerem justiça com as próprias mãos. Mesmo que aquela ação o
fizesse, doravante, ser um bandido fugitivo.
Em nosso texto
procuraremos discorrer apenas uma dessas ocorrências. Não seremos tendenciosos.
Tentaremos mostrar como as coisas, às vezes, acontecem sem que aja um culpado
determinante ou voluntário, apenas está-se na hora errada, no local errado.
Bandido é classificado como um adjetivo e substantivo masculino. O termo tem
origem no Italiano bandito, que significa “banido, afastado do convívio dos
outros”, de bandire, que quer dizer “banir, proscrever”, do Latim bannire, que
é “proclamar”. O significado de Bandido é o indivíduo que atua no mundo do
crime. É um termo bastante utilizado como sinônimo de delinquente, criminoso,
ladrão e até mesmo de um fugitivo.
Para que
simples e honestos trabalhadores rurais, roceiros, matutos, entrassem para fazerem
parte de um bando de cangaceiros, largando sua família, pois não podiam mais
voltar a estar com seus entes queridos, até mesmo para protegê-los, com toda
certeza, algo de muito ‘especial’, em sentidos variados, com certeza ocorrera.
Mesmo assim, não voltando mais a sua casa, ou a casa de algum familiar, quando
as volantes tomavam conhecimento onde à família de determinado ‘cabra’ morava,
iam e faziam uma ‘visita’ bastante descortês. O cacete comia solto não
importando idade ou sexo. Fosse quem fosse: tanto fazia ser irmão, irmã, pai,
mãe, filho, primos ou ter outro parentesco qualquer, ia pra debaixo da chibata
de cipó-de-boi, da palmatória ou mesmo de um simples cipó retirado no aceiro do
terreiro da choupana onde moravam.
A coisa fica
mais apertada para aqueles que moravam na zona rural dos Estados por onde
ocorreu o Fenômeno Social estudado, depois do resultado de uma reunião entre os
representantes destes, no Estado de Pernambuco, em sua Capital, Recife, que
fora sede da reunião, tendo o ‘Chefe de Polícia’, uma espécie de Secretário
Estadual de Justiça, Eurico de Souza Leão, substituto daquele que recebera a
“Carta de Lampião”, o chefe de polícia Antônio Guimarães, onde o “Rei do
Cangaço” sugeria, ou determinava, após a vitória cangaceira na ‘Batalha da
Serra Grande’, em fins de 1926, a divisão do Estado em dois, a criação da “Lei
do Diabo”.
“(...) A “LEI
DO DIABO”
Para que se
possa compreender o alcance e o que representou a chamada “Lei do Diabo” como
instrumento de repressão do Governo de Pernambuco no combate a Lampião, tem que
se analisar o que significou a participação dos coiteiros durante o ciclo do
cangaço. Generalizando-se, pode-se afirmar que “ser coiteiro para a polícia é
servir-lhe um copo d’água numa rápida parada de uma marcha incessante; é vê-lo
passar ao longe e, não ir, pressuroso, delatá-lo; é topá-lo na estrada e
responder as perguntas que lhe forem feitas; é, enfim, todo aquele que
voluntária ou involuntariamente tenha com ele o mais leve contato”(...) a
política de repressão estatal sempre foi pautada por uma ação violenta contra a
população civil, pobre e indefesa. Alguns historiadores chegam mesmo a afirmar
que o abuso das volantes militares encarregadas de combater Lampião
constituiu-se num dos principais fatores de transformação de pacatos
agricultores em violentos cangaceiros ou em perigosos coiteiros. Em outras
palavras: a violência e a arbitrariedade policial produziam a metamorfose de
transfigurar simples cidadãos em inimigos do Estado (...) Quando um agricultor
ou vaqueiro era seviciado pelas volantes, era natural que a honra ultrajada
fosse a qualquer custo. O ódio do sertanejo, com sua honra e dignidade
pisoteada por botas dos militares, fazia com que este esquecesse “muitas vezes
a afronta que Lampião lhe fez, bandeia-se para o seu lado e quando não
cangaceiriza, transfigura-se em coiteiro perigoso(...)Não foi somente a Força
Pública de Pernambuco que se destacou na tarefa de provocar transtornos entre
os integrantes da população civil (...)Nestes Estados os membros das forças
militares “portavam-se como legítimos facínoras, perversos e sádicos.
Humilhando, estuprando, aterrorizando e até mesmo assassinando fria e
covardemente! Agiam como o vilão com o poder na mão (grifo do autor) e a
certeza da impunidade. Até parecia que espalhar a desordem, o pânico e a
violência fosse a sua finalidade ou objetivo. Se se disser que as forças da
polícia que o governo enviava aos sertões em perseguição aos cangaceiros, eram,
de muitos casos, piores que estes, não estaremos exagerando” (...).” (“Sertão
Sangrento: Luta e Resistência” – SOUZA, Jovenildo Pinheiro de. TCC).
Focaremos
nossa pesquisa no agricultor Ângelo Roque da Costa, pernambucano que se tornara
chefe de subgrupo de cangaceiros, pertencente ao bando de Lampião, de alcunha
“Labareda”. Esse pacato cidadão entra nas hostis do cangaço por falta da
justiça fazer justiça. Ele tinha uma irmã, uma criança com 14 anos de idade,
que fora desvirginada por um soldado de policia de nome Horácio Cavalcanti, com
antecedentes iguais, o qual já havia tido quatro mulheres, mas, com nenhuma
morava. Como manda o figurino, os familiares, pais de Ângelo Roque, e o
próprio, procuram as autoridades e prestaram queixa, porém, os representantes
da “Lei” nada fizeram a respeito. Quando o processo chega às mãos do Juiz
daquela Comarca, esse também não dá a atenção necessária, deixando o agressor
seguir sua vida impune.
A família de
Ângelo Roque sentiu-se desmoralizada. O ódio começa a ter lugar no coração
daquele pequeno produtor rural, motivado pela ‘desgraça’ em que caiu sua irmã
e, naturalmente, toda sua família. Naquela época, casos dessa natureza era uma
coisa bastante séria, onde poderia levar a morte de várias pessoas.
Certo dia
encontram-se em um vagão de um trem, os dois inimigos: o soldado Horácio Cavalcanti
e o roceiro/adolescente Ângelo Roque. Ao se depararem, se travam numa luta
corporal, portando cada um uma ‘lambedeira’, faca peixeira, ficando os dois
bastante feridos. Após essa confusão, Ângelo Roque, já recuperado das feridas
externas, dessa vez armado com um rifle, mata a tiros o soldado. Depois do
crime, ele torna-se assassino foragido, pois, sabedor de como agia os
representantes da “Lei” que lhe negaram fazer justiça, dar ‘linha na pipa’,
cair de mata adentro. Quando esse caso ocorreu, o jovem roceiro tinha entre 16
e 17 anos de idade.
Não vendo uma
luz no fim do túnel, Roque toma uma decisão, ou seja, a única que tinha naquele
momento para continuar vivo, pois sabia que assim que fosse pego seria morto
pelos companheiros de farda do soldado que matara.
Vivendo atrás de lajedos e por detrás das moitas, Ângelo consegue chegar a uma
propriedade denominada Jurema. Os donos dessa fazenda eram colaboradores do
“Rei do Cangaço”, Virgolino Ferreira, o Lampião. De imediato, enviam um
mensageiro chamando o chefe cangaceiro para ver de perto o jovem que matara um
‘macaco’. Após vários dias de espera, Lampião chega à sede da propriedade e
conhece Ângelo Roque. Escuta sua história e, imediatamente, consente que o
mesmo passe a fazer parte do bando.
Desse encontro, surgiu um dos mais temíveis cangaceiros que atuaram ao lado de
Virgolino Ferreira, o cangaceiro “Labareda”. Labareda destaca-se rapidamente
entre os homens que conviviam com o “Rei do Cangaço”, dando combate às forças
Públicas que os perseguiam. Depois de vários combates, vendo como se portava
“Labareda” diante do perigo e, principalmente, como pensava antes de agir
aquele jovem, Lampião o faz chefe de um subgrupo contendo, mais ou menos, 15
homens.
Conta-se que
Labareda não temeu, nem abriu, para o chefe mor do cangaço. Não esmoreceu nem
diante de Lampião, homem que aprendera a respeitar quando em luta. São poucos
aqueles cangaceiros que peitaram o “Rei” cara –a-cara, frente-a-frente, de arma
em punho e bala na agulha. Esse fato ocorreu, segundo escritores, devido a
alguns potes de barro, que continham água, e que Labareda quebrara.
Em 1935, estando à caterva de Lampião se divertir à sombra de algumas árvores,
e nelas, havendo três potes cheios d’água, Virgolino manda que fechem, tapem,
bem a boca dos potes com panos para que a poeira levantada pelas xô-boi dos
cangaceiros que dançavam xaxado, não entrassem em contato com o líquido
precioso. Alguns ‘cabras’ já estando ‘quentes’ devido à bebedeira, tomavam
água, porém, esquecia-se de recolocarem o pano na boca dos potes. Vendo aquilo,
Lampião começa a esbravejar, xingando quem perto dele estivesse. Naquele
momento de descontração do bando, Labareda encontrava-se deitado na sombra de
uma das árvores frondosas, tendo ao seu lado sua companheira, a cangaceira
Mariquinha.
Em determinado
momento o cangaceiro Zé Baiano, outro chefe de subgrupo, vem até a sombra da
árvore para beber água. Quando está bem perto, nota que os três potes estavam
quebrados. De imediato grita perguntando quem teria feito aquilo. Calmo, Labareda,
deitado como estava, responde que tinha sido ele. Baiano vai direto onde estava
o chefe e relata o que ocorrera. Lampião, soltando fumaça pelas venta, chega
gritando, querendo saber se Ângelo Roque, o cangaceiro Labareda, não mais
respeitava ele. Labareda responde que o respeita do mesmo tanto que era
respeitado pelo chefe. Chegam a levantarem as armas na direção um do outro e,
talvez, se não fosse pela intervenção do cangaceiro Moderno, algum deles, ou
mesmo os dois, tivessem se matado naquele dia.
Labareda fora
‘convocado’ por Lampião para que se fizesse presente no coito do Riacho Angico,
em julho de 1938. Ângelo Roque não comparece ao chamado do chefe. Após a morte
de Lampião e mais dez cangaceiros, as coisas ficam ruins para aqueles que
faziam parte do cangaço. Com a morte do “Rei do Cangaço”, os outros cangaceiros
ficam feito ‘baratas tontas’: não sabem onde buscarem munição nem suprimentos.
Começa então as entregas.
Aos poucos,
vários e vários cangaceiros se entregam as autoridades fixadas em diversas
cidades, sítios e fazendas. Alguns se entregam isoladamente, já outros,
entregam-se em grupos. Um desses grupos é exatamente aquele comandado pelo
cangaceiro “Labareda”, o Ângelo Roque”, que na primeira metade do ano de 1940,
junto aos seus homens, entrega-se em Paripiranga, Bahia.
Todo aquele,
ou a maioria, na ‘época das entregas’ que se entregavam, eram transferidos para
a capital baiana, Salvador, onde ficariam presos numa Penitenciária. Algum
tempo depois, sem importar quantos anos tinha que cumprir de pena, o Presidente
Getúlio Vargas os solta através de indulto, menos o cangaceiro Volta Seca que
permaneceria preso até o início da década de 1950, quando, também, recebe a
benevolência de Vargas.
Não consta, em
relato da imprensa, notícia oral ou nas entrelinhas da obra de algum
pesquisador/escritor que os cangaceiros, após serem libertados, tenham voltado
ao crime.
“(...)
Entretanto é vasto, inclusive amplamente divulgado na imprensa brasileira das
décadas de 1950 e 1960, que vários homens que andaram nas caatingas debaixo do
peso do chapéu de couro e do “pau de fogo” (cangaceiro), ao deixarem a prisão
se tornaram os ditos “cidadãos de bem”, totalmente regenerados. Muitos se
tornaram pacatos funcionários públicos, pequenos comerciantes, caixeiros
viajantes e outros exerceram simples e honestas atividades. Um dos casos mais
emblemáticos na minha opinião é a recuperação do chefe cangaceiro Ângelo
Roque(...).” (Pesquisador/historiador Rostand Medeiros)
Ângelo Roque,
após ganhar a liberdade através de indulto, aprende a ler e escrever. Arranja
um emprego como auxiliar do professor Estácio de Lima, no Concelho
Penitenciário da Bahia, e passa a morar em Salvador.
As
penitenciárias nas Capitais dos Estados nordestinos, naquela época, tinham
serviços de aprendizagem, execução e produção das mais variadas categorias.
Cada prisioneiro tinha que ocupar-se em algum trabalho. Exemplo disso fora à
Casa de Detenção da cidade do Recife que, já na década dos anos 1920, formava
grupos de trabalhadores com os prisioneiros.
Não seria essa
a saída para o Sistema Prisional da atualidade no País? Acreditamos que sim. O
preso tem que, de algum modo, com trabalho e serviço em estradas, marcenaria,
lavoura, mecânica, etc., pagar por sua permanência na prisão em vez de receber
benefícios do governo sem produzir nada.
Fonte “Sertão
Sangrento: Luta e Resistência” – SOUZA, Jovenildo Pinheiro de. TCC)
Blog tokdehistoria.com
Foto blog Ct.
Cangaçonabahia.com
“Fim do Cangaço: As Entregas” – BONFIN, Ruben Ferreira de Alcântara. – 1ª
Edição. 2015.
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