Por Júnior Almeida
Manoel Severo e Júnior Almeida
Manuel Dantas Loiola nasceu no Sítio Lagoa do Curral, nas imediações da Vila São Domingos, município de Buíque, Pernambuco, em 6 de outubro de 1914. Filho de José Bezerra Sampaio e de Eliza Dantas Badega, entrou no cangaço quase por acaso, no que poderíamos chamar de “acidente de trabalho”. Foi assim: Manoel saiu de sua terra para a cidade de Mata Grande em Alagoas, onde foi trabalhar na fazenda de um sujeito de nome Capitão Sinhô. Como empregado existia um vaqueiro, que depois Manoel soube, era coiteiro de cangaceiros.
Em 1936 o cangaceiro Moderno com seu bando foi à Mata Grande com a intenção de passar uns dias escondido por lá, só que foram descobertos por uma volante, precisando fugir pela caatinga. Por pura falta de sorte, o vaqueiro tinha apresentado o jovem Manoel a Virgínio e seus cabras, no seu primeiro contato com o cangaço, só que por estar junto com o bando de Moderno no momento da chegada da força, Manoel foi obrigado a fugir junto com os bandoleiros.
Na fuga encontrou seu patrão e, lhe disse que precisava ir até a fazenda para apanhar sua mala de roupas e ir embora, mas, o homem lhe informou que a casa estava cheia de volantes à sua procura. Manoel Dantas percebeu que naquele momento tinha caído em desgraça junto com mais quatro homens, dois coiteiros e seus dois irmãos, que para não apanharem da polícia, resolveram entrar no cangaço.
Já no mato, longe das volantes, Virgínio disse que Manoel parecia muito com o primeiro cangaceiro que usava o nome de guerra “Candeeiro”, e que por esse motivo, seu nome a partir daquele momento seria também CANDEEIRO. Pronto. Manoel havia sido “batizado” com um novo nome. Moderno entregou-lhe uma velha arma, que segundo ele não tinha nem vaqueta, e com tom de ironia recomendou que o recruta não fizesse como o primeiro cangaceiro com esse nome, que tinha morrido em pé. O novo Candeeiro pensou:
-Eu não tenho perna nem pra correr, que dirá morrer em pé.
No primeiro encontro com o Rei do Cangaço, nas barrancas do São Francisco, em Sergipe, Lampião perguntou a Candeeiro qual o seu lugar de origem tendo ele respondido ser de Pernambuco. Virgulino então lhe indagou de que lugar de Pernambuco, e Candeeiro disse ser de Buíque. Lampião disse a ele que Buíque já tinha lhe dado um cabra valente, tão valente que tinha morrido à míngua, o cangaceiro Jararaca.
No outro dia após o encontro, Candeeiro viajou para Pernambuco com o chefe. Com o passar do tempo Lampião se afeiçoou ao novo comandado e, chegou a lhe presentear com uma alpercata nova, munição e um novo fuzil, em substituição ao seu velho rifle. Na volta de Pernambuco, Lampião disse na frente dos cabras que daria a Candeeiro um novo jogo de bornais, e isso despertou inveja de Jararaca, que foi mandado para um dos subgrupos, enquanto Candeeiro ficou no grupo de Lampião.
Candeeiro disse em entrevista que recordava ter participado de pelo menos dez combates com a força, sendo que logo no primeiro foi baleado na perna. Sobre esse batismo de fogo ex-cangaceiro disse que:
Estava no mato, ferido, por volta do meio dia, uma hora, Jararaca, que tinha saído na madrugada anterior para buscar ajuda voltou pra onde eu tava, acompanhado de Português e mais três cabras. Eles trouxeram carne de bode, fizeram o fogo, e eu comi a carne assada. Português trouxe também uma xícara de pimenta, daquelas bem vermelhas, fumo de Arapiraca (de rolo) e farinha. Ele picou o fumo bem fininho, peneirou a farinha e botou água pra cozinhar com umas cascas de pau dentro, que é melhor do que água oxigenada. Português disse pra eu comer que era pra eu ficar forte.
Pra cuidar do meu ferimento, fizeram uma pince de marmeleiro e com ela tiraram o sangue da minha perna.
A bala entrou e saiu, deixando só o buraco. À medida que o sangue ia saindo, o ferimento era lavado com a água com os paus. Depois de limpo, no buraco da bala foi colocada uma mistura de farinha, pimenta malagueta e fumo. Essa mistura era empurrada pra dentro com o dedo. Depois do buraco cheio, amararam um pano e Português me disse que eu ia passar uns dois dias com aquele curativo. Pensei:
-Meu Deus, aonde eu vim cair?
Passou o tempo e Candeeiro passou por muitos lugares no Brasil. Bahia, Alagoas, Ceará e até pro Norte do país ele foi, ser soldado da borracha, voltando a Pernambuco, pra seu torrão natal, sua vila São Domingos, depois de pagar sua dívida com a sociedade. Em sua terra, longe das tropelias cangaceiras, Seu Né constituiu família e amizades. Aquele tempo desgraçado, como mesmo dizia, tinha ficado para trás. Eram apenas lembranças, que vez por outra eram compartilhadas com os amigos, repórteres e pesquisadores de cangaço.
Muitos do que o visitavam, davam-lhe lembranças, como livros de histórias, das quais fez parte, e fotografias. Em uma das fotos mais conhecidas de Candeeiro no tempo em que era cangaceiro, ou pelo menos recém saído do cangaço, ele usava um chapéu de couro diferente dos que se está acostumado a ver na cabeça dos guerreiros do sol. Geralmente os chapéus eram cheios de adereços como estrelas, símbolos de Salomão e moedas. O de Candeeiro não. Este, numa foto tirada na Bahia na época das entregas, era bem simples, adornado apenas com uma cruz, semelhante a que existe na bandeira de Pernambuco. Por muitos anos nunca se soube o motivo desse emblemático símbolo no chapéu de Candeeiro. Especulou-se, até, ser a cruz em seu chapéu uma demonstração de sua fé, mas nada de concreto.
Em abril de 2019, estivemos em São Domingos, terra de “Seu” Né, cidadão respeitado do lugar, falecido havia cinco anos, onde aproveitamos para conhecer a família do lendário Candeeiro. Muito bem recebido por uma de suas filhas, Elisabete, a Bete, e também pelo seu neto Fernando, que nos ciceroneou, fomos até o Sítio Lagoa do Curral, nas imediações da vila, conhecer a casa onde Seu Né tinha nascido e também ao campo santo do lugar, onde repousa o corpo do guerreiro que foi protagonista de uma importante parte da História do Brasil.
Conhecemos também (por fora) uma casa, ao lado do posto policial, que pertenceu a Vigário Dantas, o irmão de Seu Né, que o delatou, fazendo com que ele fosse preso ao chegar a São Domingos em 1943. Na residência de Candeeiro, conversando, evidentemente, sobre cangaço, tivemos a curiosidade de saber por que ele usava um chapéu de aba quebrada enfeitado com uma simples cruz, diferente dos demais cangaceiros e seus chapéus estrelados, e a resposta de seus familiares foi demasiadamente simples, porém, esclarecedora. Disse-nos sua filha:
-Nem o chapéu nem a roupa era dele, arrumaram lá, apenas pra ele tirar foto.
*Fotos de Candeeiro jovem, na época das entregas e já idoso em sua terra, e da casa onde nasceu, no Sítio Lagoa do curral, São Domingos, Buíque, Pernambuco.
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