Do acervo do Antônio Corrêa Sobrinho
“Homem de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, o seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa”. Ao citar “Balão”, “cabra” que integrou o bando de Virgulino Ferreira, o “Lampião”, o historiador Frederico Pernambucano de Mello, Superintendente do Instituto de Recursos Humanos da Fundação Joaquim Nabuco, resume a análise feita sobre a presença da mulher no cangaço, já na fase em que ele passou a se constituir um meio de vida, ou de rapina. A
Adiantou Frederico Pernambucano, u dos estudiosos do banditismo no Nordeste, que somente no bando de Lampião foi admitida a participação da mulher e assim mesmo num período em que “já eram inteiramente estranhos os ideais de vingança dos primeiros anos de correria desenfreada. Nessa fase, as mulheres assinalam o início do processo de decadência guerreira que tenderia nos últimos anos a um retraimento quase completo e a uma sedentariedade incompatível com a ideia de cangaço”.
DESAGREGAÇÃO
Bandidos de outros grupos e mesmo alguns remanescentes do bando de Lampião que estiveram a seu lado em fase anterior ao surgimento das mulheres e que ainda vivem – acentua Frederico Pernambucano – não compreendem como isso possa ter acontecido, evocando o “Lampião” guerreiro e vingador dos primeiros tempos Sebastião Pereira, um dos principais representantes do autêntico “cangaço vingança”, em cujas hostes Virgulino fez todo o seu aprendizado, ao tempo em que era simples “cabra”, assim se manifesta: “Também ninguém andava com mulher. Eu acho até esquisito que depois “Lampião” e o pessoal dele começassem a carregar mulher”.
Segundo Frederico Pernambucano de Mello, mesmo no “cangaço meio de vida” as mulheres foram fator de desagregação, dissenções internas e de esfriamento do ardor combativo. Assim, dizem os velhos sertanejos que “Lampião”, após se apaixonar por Maria Déa (Maria Bonita) não foi mais o mesmo. E seu companheiro “Balão” sustenta que enquanto não apareceu mulher no cangaço o cangaceiro brigava até enjoar. Depois, diante que qualquer perigo, logo se podia ouvir: Ai, corre, corre.
No início da década de 30 – explica o pesquisador – “Lampião” deu a partida, ligando-se permanentemente a uma mulher que por sua causa abandonara o marido. Em seguida, os chefes de subgrupos fizeram o mesmo, até que, ainda de acordo com o dizer de “Balão” o bando foi ficando cheio de mulheres.
PARTICIPAÇÃO
Frisou o historiador Pernambucano de Mello que, à exceção de Dadá, mulher de Corisco, as outras não combatiam, prestando auxílio nas tarefas puramente femininas, cozinhando, costurando, fazendo consertos em couros e tecidos, e amando. A cangaceira jamais quis converter-se em amazonas, jamais perdeu a sua feminilidade. De modo geral era terna, todas cantavam e dançavam, animando o grupo. Nos perfumes, enfeites e adereços ultrapassavam os limites do sóbrio.
À Dadá (cujo nome verdadeiro é Sérgia), cabia a criação de muitas fantasias das indumentárias dos cangaceiros, dos bordados delicados das capangas e dos bornais. “Maria Bonita” era outra “modista” e colaboradora nas ideias e nas execuções. Elas foram a rainha e a princesa dos bandos. Dadá ainda vive, em Salvador, onde ajuda o segundo marido e na educação das netas, costurando. Após a morte de “Corisco” – o “Diabo Louro” – ela mandou buscar as duas filhas meninas que estavam sob a guarda de famílias sertanejas.
PRINCIPAIS CANGACEIRAS
As mulheres que aderiram ao cangaço não provieram da prostituição e sim de humildes lares sertanejos. De um modo geral elas sabiam enfrentar as dificuldades dos grupos e mantinham-se corretamente até o fim. Raramente estimulavam atrocidades. O exemplo disse foi “Maria Bonita” que sempre se colocava na defesa daqueles que estavam marcados para morrer, salvando-lhes, muitas vezes, a vida. Eram carinhosas, amigas e dóceis. E quando eram feridas durante o combate travado por seus companheiros, era como se aquilo fosse muito natural. Lídia, a Desdemona – era morena, jeitosa e atraente. “Zé Baiano”, o homem de confiança de Lampião, apaixonou-se por ela e decidiu “roubá-la”, com a ajuda dos companheiros. Mais tarde, ela o traiu com outro cangaceiro – Bem-te-vi – e por isso foi assassinada por “Zé Baiano”, a cacetadas, sem que “Lampião” esboçasse o mínimo gosto em sua defesa.
Neném – viveu com Luís Pedro e morreu baleada num combate em Mucambo, perto do rio São Francisco. Ela nasceu em Nambebé, na Bahia, e nunca demonstrou medo diante dos tiroteios.
Moça – mulher de Cirilo. Sabia atirar de fuzil e somente uma vez tomou parte de um dos combates. Com a morte de Cirilo ela uniu-se a Bem-te-vi, acabando, no entanto, por abandonar o bando.
Otília – foi amante de Mariano. Presa no curso de uma brigada, conseguiu não ser processada. Dizem que hoje ainda vive em Poções do Nordeste.
Durvalina – companheira de Virginio (Moderno), cunhado de “Lampião” e um dos cangaceiros mais temidos. Durvalina era alegre e dedicada ao amante. Quando ele morreu ela preferiu abandonar o grupo. Hoje ainda vive no sertão.
Cila – mulher de Zé Sereno era a mais letrada das mulheres do bando (sabia ler e escrever corretamente). O casal conseguiu sobreviver às dificuldades do cangaceirismo e fugiu de Angicos para São Paulo, onde ainda vive.
Inacinha – mulher de gato. Foi presa durante combate com a força alagoana e transportada para Piranhas. Para libertá-la gato atacou sem êxito, com o grupo de “Corisco” , a cadeia, morrendo em consequência de um tiro recebido na barriga.
Aurea (Maroca) – era companheira de Manuel Moreno. Ambos morreram durante a luta contra a brigada de Odilon Flor.
Maria dos Santos (Mariquinha) – acompanhou “Labareda” durante mais de dez anos. Irmã de Zé de Neném, primeiro marido de Maria Bonita. Morreu numa luta contra uma volante da Bahia.
Enedina – viveu com José Julião que escapou do tiroteio em Angicos. Ela morreu perto de “Lampião”, antes dele e depois de Maria Bonita.
Cristina – mulher de Português morreu numa emboscada.
Dulce – amante de “Criança”. Em 1940 eles abandonaram o cangaço e foram residir em São Paulo.
Veronica – era a companheira de Beija-Flor. Os dois abandonaram o cangaço por ordem de Lampião. Somente depois da morte de Lampião é que se teve notícias: estavam em são Paulo e não chegaram a responder processo.
Lili – companheira de “Moita Brava” foi por ele assassinada, no momento em que a encontrou com “Pó Corante”, com seis tiros.
Maria (de Azulão), ambos morreram em combate.
As mulheres do cangaço eram geralmente muito jovens, tinha entre 20 e 30 anos. Dadá foi a mais jovem delas e já aos 13 anos aderiu ao grupo. A colaboração feminina não foi propriamente belicosa, e segundo o historiador Frederico Pernambucano de Melo elas raramente estimulavam a violência, “em face, certamente, de sua estrutura física e da educação que receberam dos pais que lhes ensinaram a submissão e o recato”.
“Diário de Pernambuco” - 02.11.1980
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