Como toda
região do semiárido nordestino, o oeste do Rio Grande do Norte é sujeito a
períodos de estiagem. Quando faltam as chuvas, as correntes de água param de
correr e a seca marca a sua presença severa. Em anos normais a escassez de
precipitação pluviométrica dura sete meses, variando para um pouco menos ou
mais. Diante disso, a temperatura aumenta, a vegetação perde sua folhagem, fica
acinzentada e a fauna emagrece. Quando voltam as chuvas, a paisagem muda muito
rapidamente. As árvores recuperam as folhas, o solo fica forrado de pequenas
plantas, a fauna revitaliza suas forças, os córregos, riachos e rios voltam a
correr; as lagoas e açudes transbordam e a temperatura baixa, embora nunca
fique amena sem que seja por efeito dos ventos que vêm do mar.
Entretanto, há os grandes períodos de seca, quando a ausência de chuva se
prolonga de forma atípica por vários meses e, por vezes, até por anos seguidos.
Esse fenômeno é uma permanente ameaça à região semiárida do Nordeste brasileiro.
Sua ocorrência se dá, entre outros motivos, quando a convergência dos ventos
alísios de nordeste – predominantes no hemisfério norte – e os ventos alísios
de sudeste – predominantes no hemisfério sul – não conseguem se deslocar até a
região do chamado Polígono das Secas, no período outono-inverno no hemisfério
sul. A seca vem quando as chuvas do "inverno" (na verdade, do verão)
não ocorrem.
Em 1877 a Região Nordeste viveu um das mais terríveis períodos de estiagem da
sua história. Seca essa que se prolongou por três anos consecutivos, findando
somente em 1880. Diante de tal fato, na região de Mossoró, a população rural,
sedenta e faminta, abandonou as fazendas e sítios e se dirigiu para os centros
urbanos mais habitados: Mossoró, Macau e Areia Branca. Houve um período que
existia na cidade nada menos que 70.000 flagelados em busca de sobrevivência,
vindos até de Estados vizinhos.
O quadro era dantesco, e assim foi descrito por Guerra e Guerra (1974: 37 - 40)
(*). A seca iniciada em 1877 jamais será apagada da memória dos sertanejos
oestanos. Famílias inteiras se retiraram para as regiões litorâneas, fugindo da
longa estiagem. Andrajosos, esfarrapados, esmolambados, na miséria e famintos,
muitos pereciam pelas estradas de terra batida. Em fins de dezembro, Mossoró já
contava com cerca de 25.000 retirantes, pessoas cuja ocupação única era ter
fome e morrer de miséria ou de Varíola. Raros eram os homens que vestiam
camisas sãs ou as mulheres que tinham vestidos sem remendos. Muitos morriam em
seus casebres improvisados, nas ruas ou nas calçadas da cidade, de onde seus
corpos eram levados para o cemitério e enterrados em valas comuns. A média
diária oscilava entre 30 a 40 óbitos.
Os rigores da seca continuaram pelo ano de 1878, registrando grande quantidade
de vítimas. Em Mossoró ainda existiam muitos retirantes. A mortalidade duplicou
com o crescimento dos óbitos causados pela bexiga [Varíola] que, então,
assolava com mais violência. Quem se aproximava do perímetro urbano da cidade,
sentia o mau odor que era exalado pelas vítimas da peste. No ano seguinte,
1879, 0 inverno foi pequeno e o sertanejo não teve recursos para iniciar o
trabalho de plantio e de criar o gado. Só em janeiro de 1880 é que houve ensaio
de inverno, com algu¬mas chuvas. Em abril, as chuvas foram copiosas e gerais,
só então é que o in¬verno ficou assegurado.
Um dos efeitos da grande seca foi fazer de Mossoró um mercado negreiro. Os
fazendeiros ricos, por necessitarem de recursos ou por não poderem manter seus
cativos, mandavam seus escravos para serem vendidos em Mossoró que, desse modo,
viu se estabelecer na cidade o comércio dos escravos. Várias empresas se
especializaram nesse tipo de mercadoria, entre elas a “Mossoró & Cia.”,
cujo sócio majoritário era Joaquim da Cunha Freire, o Barão de Ibiapaba,
ex-governador do Ceará no biênio 1869-1870. Os escravos comprados em Mossoró
eram remetidos a Fortaleza e, dali, para as províncias do Sul.
(*) O texto é uma paráfrase, uma interpretação livre para melhor compreensão de
um trecho da obra de Felipe Guerra e Teófilo Guerra. Foi lida no programa “A
hora do estudante”, na Rádio Tapuyo de Mossoró, em janeiro de 1957.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com