Prof. Milton
Barboza da Silva ( *)
O centenário do nascimento de Eronides Ferreira de Carvalho, cuja
passagem pelo cenário político sergipano registramos de 1935 à 1941, abre-nos a
possibilidade para uma reflexão acerca da atuação do sujeito na história, em
seu espaço social, econômico e político. Por isso, acreditamos ser essa uma
oportunidade singular para trazermos algumas análises sobre o político Eronides
de Carvalho; sobre a conjuntura de seu tempo, à qual esteve sintonizado, e, por
vezes, perfeitamente ajustado, e as implicações de sua atuação nos períodos
subsequentes.
Faz-se necessário ressaltar que a maior dificuldade de se abordar a temática
que nos foi proposta, deve-se ao fato de que o período de 1930 à 1945, se pôr
um lado, é farto de documentação e pleno de uma bibliografia no cenário
nacional, por outro, permanece um período pouco estudado no âmbito estadual,
como de resto, a história política sergipana é ainda uma seara a ser explorada,
podendo render boas colheitas, haja vista a farta documentação existente em acervos
públicos ou privados, a espera de estudos e análises pautados em uma abordagem
criteriosa, científica e, por isso mesmo, isenta de um emocionalismo estéril.
Assim, valemo-nos de fontes secundárias como os trabalhos do prof. Ibarê Dantas
e da prof. Terezinha Oliva, entre outros, que se constituem em referências
indispensáveis a quem pretende entender esse rico momento da história
sergipana. Ressalto ainda que, concernente aos dados biográficos que pontuam
aqui e ali nossa exposição, foram coletados, sobretudo, no Dicionário
Bio-Bibliográfico de Armindo Guaraná. Quero deixar registrados os meus
agradecimentos à profª Tânia Prado, pesquisadora do APES, que tendo realizado
uma pesquisa, ainda inédita, sobre o Dr. Eronides de Carvalho, prestou-me valiosas
informações sobre parte da vida do Interventor que me eram desconhecidas.
Eronides Ferreira de Carvalho nasceu em Canhoba a 25 de abril de 1897, filho de
próspero fazendeiro da região, vai para Maceió, onde realiza seus estudos
primário no Colégio 11 de Janeiro. Em seguida, transfere-se para o Liceu
Alagoano, concluindo os estudos secundário em 1910. Entra na Faculdade de
Medicina da Bahia, em 1911 e lhe é conferido o grau de doutor em 20.12.1917,
com a tese “Do Ópio em Therapêuta Mental” ( 18.12.1917).
Ainda enquanto estudante foi auxiliar do Laboratório da Cadeira de
Therapêutica; Diretor da Beneficência Acadêmica e membro da Sociedade Médica da
Bahia, já formado. Foi nomeado interinamente, em 1918, diretor geral de higiene
e saúde pública do Estado; dirigiu os serviços de profilaxia durante o período
de pandemia da gripe; foi diretor interino do Posto de Assistência Pública do
Estado. Em 28 de fevereiro de 1920 foi nomeado Inspetor Médico Escolar. No ano
seguinte era nomeado por portaria do Ministério da Agricultura, veterinário do
corpo de veterinários do serviço da indústria pastoril. Aprovado em concurso
para o corpo de saúde do Exército, foi nomeado segundo tenente por decreto de
23 de fevereiro de 1923, indo servir no 10º Regimento de Cavalaria Independente
na Cidade de Bela Vista no Mato Grosso e em abril do mesmo ano foi transferido
para o 28º B.C., estacionado em Aracaju. Onde, então, começa suas atividades,
inicialmente como oficial-médico, em seguida, como político.
A compreensão do período em que Eronides de Carvalho esteve no poder, 1935 à
1941, passa necessariamente, pôr uma abordagem da estrutura de sustentação
econômica e social do sistema republicano, tica pautada num conservadorismo,
sob as benções de um liberalismo periférico.
A República, apesar de toda a propaganda deflagrada antes, durante e após a sua
implantação, era nova apenas no plano jurídico/constitucional, pois,
estruturalmente falando, o “novo” regime não significou uma transformação
profunda das hostes econômica, política e social do Brasil, conservando um
modelo que vinha do sistema anterior e que, mal ou bem, ajusta-se à nova ordem
política, especialmente se olharmos do ponto de vista das massas e, sobretudo
das massas camponesas ou rurais. Um dos arautos da nova ordem, o Presidente
Campos Sales dizia:
“O verdadeiro público que forma a opinião e imprime direção ao sentimento
nacional é o que está nos Estados. É de lá que se governa a República pôr cima
das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da Capital da União” .
Do ponto de vista econômico, somente com uma abordagem temporal mais ampla é
que conseguimos enxergar as mudanças que vão se operando no nível das
estruturas produtivas do país, mas só sentidas, pôr certo, a partir dos anos
30, razão pela qual aludi anteriormente sobre a necessidade de se compreender o
período que antecede ao governo de Eronides de Carvalho. Deste modo, o setor
dominante na Primeira República, vai optar por um modelo arcaizante de Estado,
mas que dará sustentação econômica e política aos grupos que se revezarão no
poder da República: trata-se do sistema oligárquico que se apoiava no
coronelismo, que, ao contrário do que muita gente imagina, ao chamá-lo de
provinciano, tinha um pé no passado, marcado pela herança da oligarquia
açucareira dos senhores de engenho, e o outro pé colocado em cima do mercado
estrangeiro. Constatar isso, é constatar um paradoxo, digo, se era necessário à
manutenção do poder, internamente, que se conservassem as estruturas
ultrapassadas de dominação, por outro lado, para corresponder à dinâmica do
mercado internacional, cobrava-se uma modernização do Estado Nacional. Como
aliás, percebeu Terezinha Oliva:
“A análise do
caso de Sergipe é bem ilustrativo desta colocação. Estado periférico não apenas
no contexto nacional, mas regional, tem Sergipe especificidades muito próprias.
Com uma economia basicamente dependente da exportação açucareira, responsável
por 2/3 da receita estadual e lutando com dificuldades crescentes para colocar
sua produção no mercado, Sergipe vai sentir, como poucos, o ônus da sua
transformação em Estado federado, no quadro do avanço da acumulação capitalista
e do processo de constituição do mercado nacional”
Sob essa ótica, o período que estende de 1930 à 1945, e que, em Sergipe, vai
alcançar o governo de Eronides de Carvalho (1935-1941), terá que conviver com
esse paradoxo. De um lado, o patriarcado rural, preso as suas raízes históricas
de um passado não muito distante; de outro, a tendência nacional vigente de
modernização do aparelho do Estado para se ajustar à nova ordem internacional.
Essa situação, aparentemente paradoxal, permite-nos apontar aquela que é uma
sutil, porém importante característica do sistema oligárquico: a sua independência
em relação ao poder central. Nesse aspecto, a “política dos governadores” é a
consagração deste princípio de independência das oligarquias frente ao poder da
União. Mas a força das oligarquias dependia não só dessa independência em
relação ao poder central (é preciso entender essa independência nos limites das
boas relações), mas sobretudo da hegemonia que certos grupos conseguiram
manter, por estarem ligados as atividades econômicas de peso, sobre grupos
concorrentes. A centralização desse poder dependia “do controle exercido sobre
os grandes coronéis municipais, condutores da massa eleitoral incapacitada e
impotente para participar do processo político que lhes fora aberto com o
regime representativo imposto pela Constituição de 1891 ( Campelo de Souza:
1973) .
Portanto, a estabilidade oligárquica era, em última instância, questão
circunscrita ao âmbito e natureza do coronelismo estadual. E essa natureza não
é unívoca, quando cito Campelo de Souza, não estou querendo reforçar tal
concepção de que o controle do voto explicaria o fenômeno do coronelismo. Mas
acredito que essa problemática já foi suficientemente esclarecida- ao menos
para mim- pelo professor Ibarê Dantas, quando lucidamente coloca:
“Se num
primeiro período o coronelismo se fundamenta no controle das massas e na
legitimação da sociedade política, a partir da força de sua milícia particular,
num segundo momento, quando sua força coercitiva se torna desgastada, passa a
explorar seu prestígio construído através de uma tradição de mando. Somente
numa terceira fase o voto passa a ter papel primordial dentro do coronelismo”.
Corroborando com essa tese de Ibarê é que inserimos o caso específico do Dr.
Eronides de Carvalho, pois a ausência dessa terceira fase, a do voto, em todo o
seu mandato, não desconfigura a estrutura de dominação tradicional que servia
de sustentação, embora nem sempre evidente, ao sistema da administração
estadual do dr. Eronides. Parece evidente que não podemos classificar essa
estrutura de sustentação nos mesmos moldes das oligarquias tradicionais no
Estado, como a de Olympio Campos, mas em sua nova fase teremos o destaque dos
dois pressupostos da tese do professor Ibarê Dantas.
É fundamental, portanto, para uma compreensão da dinâmica das oligarquias que
se entenda a correlação de forças que se manifesta nas relações de classe que
determinam toda a dinâmica do sistema. Essa correlação se dá no âmbito do
fenômeno do sistema político do coronelismo.
A estreia do capitão Eronides Ferreira de Carvalho no cenário governamental,
constituído governador em eleição na Assembleia Legislativa em 02.04.35,
inaugura uma fase de orientação política contrária à orientação do grupo
liderado por Maynard. Aparentemente, tratava-se de uma disputa entre duas lideranças
que pretendiam se afirmar no comando político do Estado, mas só aparentemente,
pois quando vamos na profundidade da questão, percebemos que a disputa é entre
setores tradicionais da economia açucareira e algodoeira do Estado.
Legalista, Eronides De Carvalho não toma assento ao lado dos tenentes, cujo
movimento ganhava corpo a nível nacional e, em Sergipe, já se insinuava no
Quartel do 28º Batalhão de Caçadores “(..) mas não sensibilizava o jovem
oficial médico que permanece fiel às forças legais durante as revoltas de 1924
e 1926 e por toda a década de vinte”, afirma Dantas.
Seu apego à ordem e a sua sintonia com as forças detentoras do poder (os
revolucionários de 30), fato este atestado pela sua passagem, ainda que efêmera
pelo Governo Provisório, pós Revolução, só é contrastada com a disputa que vai
se iniciar entre o capitão Eronides de Carvalho e o Interventor Maynard
(1930-1935). Durante essa Interventoria, Eronides de Carvalho se recolhe ao 28º
BC, mas não é um recolhimento “obsequioso”, ao contrário, de dentro do quartel,
o cap. aglutina em torno de si uma corrente de descontentes com o governo de
Maynard, ao tempo em que vai se impondo como solução para a crise que enxergava
existir dentro das hostes da interventoria de Maynard. Afirmava-se, assim, como
uma liderança política viável.
Mas, obviamente, o projeto do capitão Eronides de Carvalho ia para além da
reação aquartelada - creio mesmo que ele não cogitou da possibilidade do uso da
força militar contra Maynard, apesar de seu prestígio ser grande no quartel.
Seu projeto era mais ambicioso e exigia menos truculência, sendo um projeto
cabível numa ordem legal, volta-se para a organização que a sociedade civil, em
profundas transformações pós-30, lhe permitia: a conjunção de suas ideias em
torno de uma agremiação política. Assim, participa da fundação da União
Republicana de Sergipe ( URS). Essa agremiação aglutinava, em torno, os
usineiros, representantes do setor açucareiro que, descontentes com a
orientação política vigente, tinha na figura do coronel Gonçalo Rollemberg do
Prado, seu mais destacado representante. Eronides de Carvalho, de início não
era o nome aglutinador das expectativas e dos interesses do setor dominante,
mas as suas raízes e suas manifestações o credenciaram a tanto, conforme Ibarê
Dantas, “o terceiro nome [da agremiação] era justamente Eronides de Carvalho
com influência na área rural, inclusive através do pai, o coronel Antônio
Ferreira de Carvalho, próspero fazendeiro”. A Eleição do Dr. Eronides de Carvalho
para o governo do Estado, pela Assembleia Legislativa (16 x 14), numa votação
apertada, deveu-se a habilidade de Godofredo Diniz (ligado a Júlio Leite e
Secretário Geral da União Republicana de Sergipe), que através de uma costura
política bem feita, conseguiu unir a URS com o PSD, grupo que seguia a
orientação de Leandro Maciel, para que fosse apresentado um candidato único.
Embora tenha sido derrotado na eleição para a Constituinte (03.05.33), ficando
como suplente, estavam lançadas as bases para a sua eleição dois anos depois ao
governo do Estado.
Foi o governo de Eronides de Carvalho, sem dúvidas, um governo de
desestabilização do domínio de Maynard,
“Como se as
represálias contra os correligionários de Maynard não bastassem, o governo
Eronides de Carvalho investiu contra seus decretos, tornando sem efeito cerca
de metade deles” .
Como era de se supor, houve uma apropriação do aparelho do Estado por parte do
novo grupo que assumia o poder, sendo os cargos divididos entre os partidários
das duas agremiações citadas. Era o retorno do domínio ruralista. No entanto, é
complicado afirmar que o patronato rural estivesse fora do processo político durante
o período anterior a 35, vamos considerar apenas que não havia uma
interferência ostensiva nos cargos e na máquina do Estado.
Contudo, o governo Eronides foi além, não bastava desarticular a atuação do
Partido Republicano de Sergipe, sigla onde se abrigava Maynard, era necessário
investir sobre a ação da classe trabalhadora que à época, manifestava-se com
certa desenvoltura, sob orientação do Partido Comunista e, no mínimo, com a
simpatia de Maynard - que dê certo não era comunista-, mas estimulava o
movimento operário. A composição do governo Eronides (com uma sustentação
marcadamente conservadora), provocaria uma decepção para as lideranças
operárias que assistem inconformada a nomeação do corpo auxiliar do cap.
Eronides de Carvalho de membros simpatizantes da Ação Integralista Brasileira,
como é o caso do Chefe de Polícia Abelardo Cardoso.
Foi, sem dúvida, um governo forte, o do dr. Eronides de Carvalho. Mas a
despeito dessa sustentação, não conseguiu manter uma hegemonia política. Em parte,
apontamos como causa dessa dificuldade de hegemonia, os problemas que os
senhores do açúcar encontraram para fazer valer seu domínio; em parte, atribuímos
a uma oposição acirrada que o governo enfrentaria dos três partidos de
oposição, principalmente do PRS e do PSP(Partido Social Progressista), que
embora não tendo muita coesão entre si, mas formavam um coro com o movimento
dos trabalhadores urbanos. As críticas ao governo vinham de diversas frentes:
dos tribunais de representação, da imprensa e do movimento operário. Com esse
cenário, tinha Eronides de Carvalho um espaço diminuto de atuação, mas que era
ampliado se pensarmos nas relações do governo estadual com o governo Federal.
Assim, torna-se imprescindível olharmos para a Intentona Comunista como um
movimento inserido do contexto do comunismo internacional, mas que se
diminuirmos o foco para as realidades estaduais, centralizando na paisagem
sergipana, vamos enxergar que esse episódio de 1935, terminará por aliviar o
estado de pressão, digo desensinar a pressão do governo de Eronides de
Carvalho. No tocante a Intentona Comunista,
“Em Sergipe, o
governo [ Eronides de Carvalho] que, desde julho de 1935, havia denunciado a
Vargas a existência de agitação comunista, tendo como centro a “liga
antifascista” e “antiguerreira”, ao tempo em que recomenda ‘enérgica repressão’
“.
Percebe-se, portanto, que o governo não perde tempo de, pôr um lado,
sintonizar-se com o endurecimento do regime no âmbito Federal e, pôr outro,
livrar-se do foco de pressão imposta ao seu governo: reprime a imprensa, demite
assessores ligados ao governo anterior e transfere civis e militares que lhes
são incômodos. Naturalmente que Eronides de Carvalho não perdeu tempo em
associar essas pessoas com a figura do Major Maynard e aproveitou a
oportunidade para associar o major às “ideias extremistas”, fazendo um relato
completo ao Presidente Getúlio Vargas da atuação dos adversários aqui no
Estado. Assim, satisfeito com a sua obra, escreve:
“tomadas
essas providências, que reputo indispensáveis, posso garantir a V. Excia. Que
Sergipe nenhum motivo dará para preocupar o espírito do eminente Sr. Presidente
da República no que tange à defesa da ordem”.
Até 1937, a situação do governo Eronides de Carvalho, em que pese os ventos
estarem soprando ao seu favor no plano nacional, sua situação é de um incômodo
generalizado com todas as medidas coercitivas, a oposição silenciada e a assembleia
Legislativa fechada, tudo lhe parecia favorável, mas era preciso construir uma
imagem de um governo operoso e ordeiro. Desse modo, a manutenção do controle da
máquina do Estado e da própria situação política, exigia que o cap. Eronides
atuasse em duas frentes: continuar desmobilizando as forças oposicionistas
(condição que os poderes constitucionais do Estado Novo lhes permitia), por um
lado; por outro, intensificar a propaganda anticomunista, elevando à categoria
de suspeita todas as ações de seus opositores.
Esta direção que toma o governo Eronides de Carvalho, como lembra o prof. Ibarê
Dantas, “provinha do Poder Central”, mas de difícil assimilação pelos Estados,
principalmente um Estado com as características rurais como Sergipe. Ademais,
Eronides vai tentando como pode eliminar todos os focos de oposição ao seu
governo, principalmente, quando ligado ao Major Augusto Maynard Gomes, cuja
única possibilidade de fazer frente ao governo seria no comando do 28º BC, mas
Eronides conseguiu impedir sua nomeação, pelo menos, conseguiu adiar quando ela
já era tida como certa. Muito embora o grupo de Maynard, quer seja através da
imprensa, quer na assembleia Legislativa enquanto ainda funcionava, fazia
bastante barulho ao ponto de seus ecos serem ouvidos no Rio de Janeiro. O PSD,
através de sua liderança o Senador Leandro Maciel, foi a oposição que mais
conseguiu desestabilizar o governo de Eronides. Os pronunciamentos de Leandro
Maciel conseguem acertar bem no alvo do governo, causando alguns estragos a
unidade do grupo governista, além disso Leandro fazia dobradinha com o deputado
Melchisedeck Monte, tirando o sono dos correligionários do governo.
A esse quadro, seguiu-se uma onda de prisões de líderes políticos e jornalistas
e enquadramento na Lei de Segurança Nacional era uma constante, em que pese ter
havido um acordo a nível nacional entre o PSD e o governo Federal, mas no
âmbito do Estado os dois grupos ainda se rivalizavam. O clima era de terror,
mas o Jornal O Estado de Sergipe, deixou registrado para a posteridade:
“Sergipe
nunca viveu mais tranquilo, mais calmo do que neste momento. O governador vai
administrando com visão superior, distribuindo justiça equidosamente”.
A situação do governo estava tão tranquila que as oposições estavam trabalhando
com a possibilidade do impeachment do governador, que foi salvo pelo Golpe de
1937. Bem, assim e só assim, consolidou-se a dominação da facção açucareira ao
aparelho de Estado, enquanto era empurrado para adiante os problemas sociais,
sobretudo os da classe trabalhadora.
O Golpe de 1937 assinala nos Estados membros da Federação, cujas
características se assemelham ao de Sergipe, um período de instabilidade e de
suspensão de direitos e garantias do cidadão. De 1937 à 1945, Sergipe teve três
interventores: Eronides de Carvalho (37 à 41), o cap. Milton Azevedo até 1942 e
a volta de Maynard até 1945.
A identificação de Eronides de Carvalho com o Estado Novo foi tão perfeita que,
em mais de uma vez, fez questão de deixar seu ardor para com o regime público e
notório:
“quero
consignar minha perfeita identidade com o Estado Novo criado na carta de 10 de
novembro que V. Excia. Houve por bem outorgar ao Brasil” (...) “estou pronto a
obedecer disciplinarmente as ordens que V. Excia. Determina como chefe Nacional
do partido da União que será uma instituição fundamental do Estado Forte criado
pelo insigne Presidente”
É claro que o governador, agora Interventor, estava feliz com o golpe, afinal
este havia removido de seu caminho os empecilhos que representavam os
oposicionistas e setores organizados da sociedade. No entanto, Eronides não
consegue evitar os arranhões em suas relações com Governo Federal, sobremodo no
episódio de que ele teria avisado ao Juracy Magalhães do Golpe, posteriormente
negado pelo próprio Eronides, mas com certeza explorado pelo seu arquirrival
Augusto Maynard.
Tendo seus poderes aumentados pela
constituição Outorgada, Eronides de Carvalho procede a uma verdadeira “limpeza”
nos setores administrativos, inclusive nomeando prefeitos (25), aposentando ou
reformando seus desafetos e trazendo de volta ao cenário político o grupo do
patriarcado rural que, na verdade, nunca saíram do controle econômico. Com a
sociedade civil sob controle e suas organizações desestabilizadas, não lhe
restava mais nada para fazer senão tocar o trivial do dia-a-dia administrativo
e se dedicar de corpo e alma a propaganda doutrinária cujo programa vinha
pronto, aos pacotes, do Governo Central. Seu engajamento nesta campanha de
doutrinação nacional foi tão eficiente que recebeu elogios nacionais e fora recomendado
como exemplo.
Diz, o prof. Ibarê Dantas: “Sergipe nunca assistiu a tanta exploração de
civismo como no Estado Novo. No mês de abril então era um verdadeiro festival;
no dia 2, comemorava-se o aniversário da administração do interventor, em seguida
era lembrada a posse do prefeito, no dia 19 a data natalícia do Presidente da
República, quando também se comemorava o dia da juventude e, no dia 25, o
aniversário do Interventor (...) Como se esses dias fossem insuficientes,
criou-se de 27 de março a 1º de abril a chamada Semana Eronides de Carvalho
(...)” .
Ainda que reconheçamos que o período do Estado Novo, alcançou Sergipe em
acentuada queda em alguns setores produtivos, como o declínio da produção
algodoeira, e uma acentuada crise no setor açucareiro, os cofres do Estado
aumentam sua arrecadação em função da reforma tributária levada a efeito pelo
governo da União. Com essa margem de capitalização do Estado o Interventor
realiza algumas obras, sobretudo na área da saúde: um centro de saúde (Palácio
Serigy), Hospital Infantil, casa para psicopatas e centro para menores
delinquentes. Na área cultural, reformou a Biblioteca Pública, construiu
algumas escolas e ampliou a rede de estradas e outras obras menores sem os
vultos dessas mencionadas.
Sua entrada no circuito nacional. Pela propaganda getulista, faz com que
lentamente, Eronides de Carvalho vá se afastando da base rural de sustentação
de seu governo desde os primeiros momentos nos idos de 1935, ajustando-se a uma
administração mais voltada para o cenário de propaganda doutrinária do que das
tendências interiorana. Assim, o setor açucareiro teve que sair das usinas e ir
brigar junto ao IAA pelas suas reivindicações, reflexo da crise que
vivenciavam. Mas, nem por isso representou um racha das relações entre Eronides
e seus correligionários, ao contrário, em alguns momentos até favoreceu a
aproximação com grupos de produtores rurais que antes lhes fazia oposição.
Ao nível das lutas sociais, o quadro da classe trabalhadora, enquanto movimento
operário não mudou muito. A desconfiança era mútua. A figura do Interventor
estava associada à repressão e o movimento dos trabalhadores aos comunistas.
Mas Eronides procura modificar esse cenário: cooptando algumas lideranças
sindicais, bem ao gosto da prática getulista, comparecendo em cerimônias dos
trabalhadores ao lado dos líderes sindicais e convidando estes a aparecerem em
cerimônias oficiais, passando uma imagem à opinião pública de uma convivência
pacífica. No terreno da imprensa, destacamos o Correio de Aracaju e o Sergipe
Jornal que sobreviveram com uma relativa autonomia em relação ao governo do Interventor,
apesar da rigorosa censura.
No entanto, mesmo com tudo a seu favor, Eronides de Carvalho inicia seu
fastígio e declínio junto ao governo central. As denúncias chegavam diretamente
ao Presidente da República, expediente comum e que era estimulado nos Estados,
que não raro interpelava o interventor sobre a procedência destas. Maynard e
seu grupo não hesitavam em lançar mão desse expediente, assim haviam denúncias
de compra de fazendas; fornecimento de gado de modo irregular aos matadouros;
utilização de terrenos públicos para permanência de gado da família do Interventor
e outras denúncias similares. O próprio Maynard fez chegar ao conhecimento do
Governo Federal irregularidades, tais como: a participação da polícia em jogo
no Estado, o desvio de dinheiro depositado no Banco do Brasil, venda
clandestina de algodão, etc.
Face a essas acusações, o Presidente da República forma uma comissão para
investigar a veracidade dos fatos e Dr. Carlos Mário Faveret é indicado como
presidente da mesma. Em Sergipe, Carlos Faveret ouve várias personalidades,
registrando em seu relatório a veracidade de muitas acusações. Apesar de
Eronides de Carvalho ter tentado impedir os trabalhos dessa comissão, Vargas
não estava mais disposto a tolerar a improbidade de alguns de seus auxiliares e
de nada valeu a intervenção do General Góis Monteiro, padrinho e protetor de
Eronides de Carvalho, para mantê-lo no Poder.
Finalmente, em 1941, março precisamente, o cap. Eronides de Carvalho vai ao Rio
de Janeiro em busca de uma audiência com Getúlio Vargas, porém, sem sucesso, lá
permanece até os fins de maio, sem, contudo, ser recebido pelo Presidente da
República. Ali mesmo escreve uma carta ao Presidente colocando seu mandato à
disposição e se dizendo “na paz da consciência e na tranquilidade de espírito
de haver servido a V. Excia. Com lealdade (...)”. Vargas, responde-lhe em
cartas datada do mês de junho do mesmo ano, dizendo-se de seu apreço pelo
“patriótico desprendimento que evidenciam da sua parte, depois de haver
prestado a Sergipe e ao seu Governo meritório e reais serviços”. Com a renúncia
do Dr. Eronides de Carvalho, estava consumada a sua queda.
O cap. Milton Azevedo assume, em um mandato tampão, até o retorno do major
Augusto Maynard Gomes.
Após a renúncia em 1941, fixa residência no Rio de Janeiro. Foi nomeado para Juiz
do Tribunal de Segurança Nacional e, em 1944, é nomeado Tabelião do 14º Ofício
de Notas e Notas do Rio de Janeiro. Morre em 18 de março de 1969.
(*) Conferência Apresentada no Conselho Estadual de Cultura, por ocasião do
Centenário de nascimento de Eronides de Carvalho ( 1897 - !997 ) , Abril de
1997.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com