Por Nertan Macêdo
Nos idos de
1926, Lampião entrou triunfalmente no místico reluto do padre Cícero Romão
Batista, o Juazeiro do Cariri.
Foi aí que ele
recebeu, por ordem do taumaturgo, a celebérrima patente de Capitão Patriota
para perseguir a Coluna Prestes que punha em constante sobressalto o governo
Arthur Bernardes.
Agraciado pelo
padrinho dos romeiros e beatos, agora ostentando seus três bonitos galões de
oficial, Lampião mandou um emissário ao sertão pernambucano, Andrelino Pereira,
natural da Bahia do Icó, aos comandantes de volantes que o perseguiam.
Queria saber
apenas isto: como o receberiam os “colegas” pernambucanos...
Diz Optato
Gueiros, em suas memórias, que a resposta não foi das mais tranquilizadoras.
Retornou
Andrelino a um capão da chapada do Araripe, onde o Capitão aguardava a
resposta, dando-lhe a informação seguinte:
- As coisas lá
para as bandas do Salgueiro, como em Vila Bela, não andam boas. Todo mundo já
sabe que vosmicê é Capitão, mas os tenentes, por uma só boca, estão dizendo que
se o senhor aparecer por lá a coisa vai se complicar.
Lampião
rosnou, conformado com a sua sina:
- É... Desta
viagem eu queria ver de perto se esse tal de Carlos Prestes prestava mesmo.
Mas, sendo assim, a espingarda vai cantar na cantiga velha...
E ordenou ao
“cabra” Fogueira ler a patente, para que também Andrelino Não duvidasse da sua
autoridade militar.
Quem mandou
chamar Lampião a Juazeiro foi o general-deputado Floro Bartolomeu da Costa, de
sombria memória no sertão cearense. O chamado foi feito em nome do padre Cícero,
já que Lampião não confiava no general.
Um romeiro
alagoano de Correntes, Francisco Chagas, foi encarregado de guia-lo ao
Juazeiro. Encontrou o Capitão num raio de cinquenta léguas da cidade, num lugar
denominado Carnaúba. Esse Chagas havia se valido da proteção do Padre Cícero.
Cometera uma “presepada” de repercussão: todas as autoridades policiais de
Correntes foram mortas por ele, escapando da chacina, apenas, o sargento do
destacamento daquela localidade, assim mesmo com a perna quebrada. O crime fora
cometido por Chico Chagas e um seu irmão, de nome Nepomuceno, no município de
Garanhuns. Nepomuceno havia sido preso e espancado pelo destacamento de
Correntes. Os dois emboscaram a polícia e trucidaram-na.
Lampião ao
receber a carta, ficou desconfiado. Foi preciso intervir um amigo do padre
Cícero, Né da Carnaúba, para atestar a validade da convocação.
Por medida de
cautela, Lampião marchou para o Cariri, conduzindo Chagas à frente do bando.
Pisava um terreno que conhecia bem, desde os idos de 1918, quando aderira ao
cangaço. Suas irmãs haviam, naquele tempo, se refugiado no Juazeiro, receosas
da perseguição policial, mas ele continuava visita-las às ocultas, vez por
outra.
Ali chegou com
seu irmão Antonio Ferreira, seu lugar-tenente, Sabino também nomeados oficiais
legalistas, quando Chagas, o guia, fora agraciado por seu turno com a patente
de tenente do exército patriota. E mais com os seguintes cangaceiros: Zé dos
Santos (Seu Chico), Jorge Salu (Maçarico), Raimundo da Silva (Aragão), Manuel
Boi, Inácio de Medeiros (Jurema), Sevwerino da Silva (Nevoeiro), Joaquim de Mariano,
Antonio França, João José da Silva (Pinica-Pau), José de Souza (Tenente), José
Lopes da Silva (Mormaço), Nunes, Marcelino, Antonio dos Santos (Cobra Verde),
Antonio Batista, Antonio da Silva (Moita Brava), João Mariano (Andorinha),
Laurindo Batista Gaia (Açucena), Antonio Mansinho (Cuscuz), Luiz Pedro do Retiro,
Nunes da Cruz, Caetano da Silva (Moreno), José dos Santos (Três Pancadas),
Sebastião Raimundo (Três Cocos), Hermínio Xavier da Silva (Chumbinho), Nunes
Magalhães (Pensamento), João Soares (Juriti), Vicente Feliciano (Meia-Noite),
Euclides Bezerra (Criança), Sebastião Cancão, João Cesário (Coqueiro), Antonio
Caboclo (Sabiá), Félix Mata Redonda, Damásio Chá Preto,, Barra Nova, Bem-Te-Vi,
Né Vieira da Silva (Lasca Bomba), Azulão Segundo, Manoel Marcelino (Bom de
Vera), Josias Vieira (Gato) e Antonio José da Silva, conhecido por Beija-Flor.
O governo da
República reforçou o bando com outros homens, fornecendo a todos excelentes
mosquetões e trezentas balas a cada um.
Cercaram-nos a
curiosidade pública, reverente e estatelada ante a sóbria figura e generosidade
do Capitão, admirando lhe a indumentária colorida e bizarra e dos seus
comandados.
O hospedeiro
de Lampião foi o poeta João Mendes de Oliveira, que se intitulava historiador
brasileiro, único vate que se gabava no sertão de ganhar dinheiro com
literatura, autor de espaventosas louvações ao padre Cícero e filósofo, a seu
modo, em sentenças como esta:
“A vida Melhor
deste mundo é a dos outros”.
Quem não ficou
satisfeito com a presença de Lampião foi o sargento José Antonio, comandante do
destacamento local, e o coronel Pedro Silvino, do Crato.
Quiseram os
dois prender o cangaceiro, mas o padre Cícero não consentiu:
Servem-se do
meu nome e agora querem prendê-lo – obstou o reverendo.
Protegido por
padre Cícero, Lampião recebeu a visita de “gente-fina” – as casacas” -, a que
se refere o poeta José Cordeiro, ao descrever essa permanência do Capitão na
santa cidade sertaneja.
Fonte: Capitão Virgulino Ferreira - Lampião
Autor: Nertan Macêdo
Capítulo 4 - Parte do todo
Edições: O Cruzeiro - Rio de Janeiro
Publicado em: 1970
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