Transcrição de
Antonio Correia Sobrinho
Arrastadas pelos cabelos para a degola! Depois da formidável chacina perpetrada
com inomináveis requintes de crueldade, Corisco" e seu bando dançam alegremente
ao som do realejo - Poupadas à sanha assassina "para contarem história.
PEDRA (Alagoas), 5 (Dos enviados especiais de A NOITE) – Segundo informações
aqui recebidas em Piranhas, “Corisco”, à frente de um grupo composto de oito
pessoas, inclusive duas mulheres, foi visto ontem na fazenda Bem-Feita, em Mata
Grande. A polícia do Estado, através de suas forças volantes, já está no
encalço, nesta direção.
Refere-se
também que o assalto à fazenda dos Patos, de propriedade do sogro do capitão
João Bezerra, foi realizado sem se disparar um tiro sequer. Todas as vítimas
foram degoladas vivas pelos bandidos, o vaqueiro Domingos, sua mulher e três
filhos cujas cabeças foram mandadas para o capitão João Bezerra, na falta de
prefeito de Piranhas, ausente no momento.
PIRANHAS (Alagoas), 5 (Serviço especial de A NOITE) – O assalto do grupo de
“Corisco” à fazenda dos Patos foi realizado pela madrugada. Os bandidos puderam
assim aproximar-se sem serem pressentidos, atacando de surpresa as vítimas.
Seis pessoas, como já informamos, foram então decapitadas, sendo as cabeças
enviadas ao capitão João Bezerra. Acompanhava os despojos, que incluíam duas
cabeças de mulher, o seguinte recado: “As cabeças destas mulheres pagaram as
duas mortas”.
O grupo de Corisco, depois da chacina, conseguiu montada na própria fazenda,
batendo em retirada. Comunicado o fato às autoridades, saiu em perseguição do
grupo o sargento Aniceto, que, anuncia-se, já conseguiu a pista dos bandidos.
IMPRESSIONANTE! – O FESTIM SINISTRO
PIRANHAS, 5 (Dos enviados especiais de A NOITE) – Urgente – Acabamos de chegar
a Piranhas, a cidade do interior alagoano que Corisco escolheu para palco do
seu sanguinolento revide pela morte de Lampião. Ainda todos os habitantes da
localidade se encontram sob a penosa impressão do monstruoso crime. Ouvimos, a
respeito, o Sr. Manoel João da Costa, cunhado do vaqueiro Domingos José Ventura,
o infeliz morador da fazenda dos Patos que encontrou morte horrível, juntamente
com toda a sua família, nas mãos ávidas de vingança do bandoleiro Corisco e seu
bando.
Ainda tomado de profunda emoção, o Sr. Manoel João da Costa, narrou-nos o drama
tremendo, verdadeiro festim de sangue e horror.
Demos a palavra ao nosso entrevistado:
- “Corisco” chegou noite fechada já na fazenda dos Patos. Eram mais ou menos
oito horas. Ao estrepito dos bandoleiros, que se aproximaram como demônios
batendo as coronhas das armas no terreiro, a família do vaqueiro Ventura
acordou em pânico. Mas nada mais era possível fazer; nem fugir! “Corisco”, à
frente do bando, com os olhos verdes fuzilando de ódio, ordena rispidamente à
mulher e à filha do morador:
- Faça café para todo o pessoal!
Em seguida, apontando para o vaqueiro e seu filho Manoel, ordena aos seus
“caibras” que os levem para trás do curral, o que é feito imediatamente, sem
qualquer gesto de resistência dos prisioneiros.
Os dois homens são amarrados e arrastados para fora.
No local escolhido, “Corisco” então contempla mais uma vez com uma expressão de
sinistro sarcasmo as duas vítimas e, em voz ríspida, grita para os seus homens,
que já haviam desembainhado os punhais agudíssimos:
- Degolem esses bandidos!
HEDIONDO!
- Uma angustiada expressão de desesperança perpassa pelas fisionomias dos
homens que iam ser imolados. Inútil qualquer apelo a quem já perdeu o último
resquício de bondade humana.
Os cangaceiros escolhidos para carrascos apressam-te para a tarefa macabra.
Fuzilam os punhais na meia luz do luar. Rápidas como raios, as lâminas cortam o
espaço e duas cabeças tombam sobre a terra, entre golfadas de sangue. Os
troncos decepados oscilam ainda uma última vez e caem pesadamente sobre o solo
empapado de sangue.
ÓDIO DE BANDIDO
Não satisfeitos em sua insaciável sede de vingança, “Corisco” e seus homens,
depois de amaldiçoarem em altos brados as vítimas indefesas, voltam à casa,
onde tinham ficado os outros “caibras”, guardando os demais moradores. Um
frêmito de horror circula pelo sistema nervoso daquelas pobres criaturas, ao
verem de volta o sombrio “Corisco”, cujas pupilas com um ódio inextinguível.
Chegou a vez dos filhos do vaqueiro Ventura: José, solteiro, e Odon, casado. Os
facínoras amarram-lhe as mãos para trás, conduzem-nos para o terreiro, e aí,
entre imprecauções demoníacas, degolam-nos de um só golpe, com a sua alucinante
maestria de sangradores.
AGORA AS MULHERES!
- Agora as mulheres! – grita “Corisco”, enquanto seus homens agarram pelos
cabelos a mulher e a filha do vaqueiro, Guilhermina Nascimento Ventura e a
jovem Waldomira Ventura.
- Vocês vão pagar a morte de Maria Bonita e Enedina – diz o bandido olhando
para as mulheres.
Nenhuma sombra de piedade naquelas fisionomias que só o ódio sabe fazer vibrar.
As mulheres são brutalmente arrastadas para fora, e ainda o feroz “Corisco”,
com a sua impassibilidade desumana, ordena e assiste ao seu degolamento.
MÚSICA!
- Parece momentaneamente aplacada a cólera do chefe. Seus cabeças jazem sobre o
solo, imobilizadas numa última expressão de angústia e sofrimento. Mas nada
comove o bandoleiro empedernido. Gritos de satânica satisfação atroam os ares.
É a alegria das feras saciadas. Os bandoleiros estão superexcitados. Voltam à
casa, no meio de um vozerio infernal. “Corisco” ordena então que se comemore
condignamente a vingança.
Manda transformar em salão de baile a sala da casa assaltada. E, estimulados
pela cachaça, entregam-se a desenfreadas manifestações de alegria, dançando e
gritando. Alguns dos bandidos trazem violas e realejos com que animam a dança.
É um festim macabro. Pantomina de horror e sangue. Farândula de demônios
alucinados.
O SAQUE – BILHETE AO CAPITÃO BEZERRA
- Quando se dão por satisfeito, “Corisco” ordena o saque geral da fazenda, depois
do que dá instruções para a retirada. Dirigem-se todos para a fazenda
Pedrinhas, próxima à fazenda dos Patos, pertencente também ao Sr. Antônio José
de Brito, vulgo, “coronel Antonio Menino”. Aí então “Corisco” redige uma carta
injuriosa e violenta ao capitão Bezerra, endereçando-lhe as cabeças sangrentas.
Entrega o bilhete ao portador, que foi o vaqueiro João Crispim Moraes, dizendo:
- Vá entregar isto ao tenente Bezerra. Diga a ele para comer uma, frita. Na
falta dele, entregue ao prefeito.
POUPADOS PARA CONTAREM A HISTÓRIA!
- Os bandidos deixaram vivos três outros filhos do vaqueiro Ventura: Antonio,
de doze anos, Silvino, de dez e Carmelita, de onze.
Por isso, ao despedir-se do portador da macabra encomenda, “Corisco”
acrescentou:
- Os meninos ficaram para contar a história. Mas brevemente voltarei para
matá-los, pois faço questão de extinguir toda a raça daquele vaqueiro traidor,
que nos denunciou à polícia.
As cabeças foram enterradas no cemitério da cidade, sendo que aos corpos foi
dada sepultura cristã na fazenda Patos.
Os
meninos com o jornalista Melchiades da Rocha. - Acervo Robério
Santos
O vaqueiro tão tragicamente trucidado tem ainda uma filha que reside em
companhia da família do “coronel Menino”. Receia-se aqui nova façanha dos
bandidos, que prometeu vingar a morte de Lampião impiedosamente.
Na carta dirigida ao tenente Bezerra enviando as cabeças, diz “Corisco”: “Matei
duas mulheres para vingar a morte de Maria Bonita e Enedina.
A esposa de Odon Ventura, que também se encontrava na casa assaltada, foi
perdoada pelos bandidos em virtude de ter dado à luz há oito dias. A criancinha
também nada sofreu. Os três filhos sobreviventes do vaqueiro que foram mandados
por “Corisco” juntamente com as cabeças de seus pais e irmãos, nada quiseram
declarar.
Seguimos viagem para Angico
Na mesma edição do dia 05/08/1938, este mesmo jornal, sobre a chacina na
fazenda Patos, publicou notícia de uma outra fonte, a Agência Nacional, nos
seguintes termos:
MACEIÓ, 4 (Agência Nacional) – A população desta capital continua sob a forte
impressão da vindita tomada por Corisco e seu bando, composta todo ele dos
fugitivos da fazenda Angicos. Os jornais dão amplo noticiário do fato
sangrento. Conhecem-se, agora, os mortos da fazenda de Patos, onde Corisco
chegou de surpresa, não tendo sido possível nenhuma resistência.
Chegou e não conversou. Amarrou todas as pessoas encontradas, em número de
seis, fuzilou-as, cortando, depois as cabeças e mandando-as num saco para o
prefeito de Piranhas, com um bilhete, no qual dizia que as onze cabeças da
fazenda de Angicos fariam rolar muitas outras. O saco com o presente macabro
foi levado por uns caboclos, que chegaram a Piranhas pela madrugada. Esses
caboclos, que vivem nas redondezas onde se deu a chacina, foram obrigados a
cumprir a tarefa, sob a ameaça de que se não levassem o saco e não o
depositassem no lugar determinado, mais tarde seriam sacrificados e
decapitados.
O saco foi encontrado pela criada do prefeito, no batente da porta da rua.
Alarmada, a empregada saiu correndo e gritando. As pessoas da casa vieram ver o
que se passava, e deram com aquela coisa horrível. O prefeito de Piranhas
também foi ver e deparou com as cabeças, empapadas em sangue e terra. A notícia
espalhou-se com rapidez, e dentro em pouco a residência do chefe do executivo
municipal estava cercada por uma multidão de curiosos, que ali ficou comentando
a trágica represália, entre indignada e transida de pavor.
BRUTAL!
MACEIÓ, 4 (A. N.) – As pessoas mortas e decapitadas na fazenda de Patos pelo
bandoleiro Corisco, em revanche à morte de Lampião, foram o vaqueiro do coronel
Antonio Brito, sua mulher e quatro filhos menores. A família do proprietário da
Fazenda lá não se encontrava. Mas a vingança foi tirada, somente porque essas
pessoas trabalhavam para o coronel Brito, que é, como já mandamos dizer, avô da
esposa do atual capitão João Bezerra. Corisco, entretanto, depois de sacrificar
seis vidas inocentes, num ato de incrível barbaridade, incendiou a fazenda, que
é, agora, por informações de pessoas vindas de lá, um campo ressequido e
devastado.
NO COMANDO DAS FORÇAS VOLANTES
MACEIÓ, 4 (A. N.) – O primeiro-tenente Francisco Ferreira de Mello, por
determinação do coronel Lucena, assumiu o comando das tropas volantes, que
saíram em perseguição do novo bando de cangaceiros, chefiado por “Corisco”.
Silvino
Ventura, filho de Domingos Ventura morreu vitima
de um acidente em Piranhas,
em dia 30 de
julho de 1985, aos 54 anos.
Imagens: Acervo Lampião Aceso.
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