Por cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira
Nordeste
brasileiro, sertão pernambucano
tarde de outono do ano de 1937, após três dias
de raras e inesperadas chuvas intensas
um sol fraco de raios quase
extintos entre as nuvens carregadas; caminha
morosamente para sua alcova por trás das serranias do Rio São
Francisco baiano, para embelezar ainda
mais o cenário, um bando de periquitos em algazarra revoa e
pousa suavemente sobre os
galhos tenros e floridos de uma frondosa barriguda onde após se alimentarem dos brotos
das flores, ali pernoitarão.
Os caldeirões nas rochas estão transbordando com a abundância das águas fluviais que embora
límpidas, ainda encontra-se mornas pela quentura e o mormaço, um velho jaboti lentamente se desloca sobre as pedras em busca de uma poça d’água para se
refrescar, sem perceber que o terrível
cascavel que na espreita, sibilando lhe
desfere um bote certeiro, mas; as presas mortíferas da serpente crotalus apenas
deslizam na carapaça dorsal do
inofensivo quelônio que ignorando o perigo e sem esboçar qualquer reação, segue
seu destino aprazível, ameno, moroso e sereno.
O cangaceiro Mané Moreno
Um subgrupo de cangaceiros comandados por
Mané Moreno descem com cutela uma
ladeira de pedras úmidas e escorregadias ao todo são quatro, Áurea, Cravo Roxo
e o cabra Gorgulho contando também com
chefe. Após se abrigarem do temporal em uma tapera escusa em um horto
abandonado, no momento estão se deslocando
com destino a um lugarejo onde pretendem encontrar com mais três comparsas conforme combinado.
Como de costume, Mané Moreno sempre aperreado com Áurea por qualquer motivo, mas
agora é caso sério, desta vez ela esta
agindo de forma estranha pois vem
rejeitando seu homem já a vários dias, e isso é gravíssimo para a reputação e honra de
um cangaceiro macho.Mané Moreno se sentiu tão humilhado com a tal situação que
pensando dar cabo na companheira, a levou para um lugar afastado e estando a
sós; num gesto brusco perguntou irado á sua amada:
- Fala mulé! Pruquê qui tu não
ta mi querendo mais? Ocê tem outro cabra é?
A mulher ficou calada por alguns
segundos e num sorriso, ela lhe acariciou o rosto soado e abraçando lhe disse:
- Ôxente! Num é nada disso seu bobo, é qui eu isto prenha, ocê vai ser pai.
De
tanta felicidade Mané Moreno mudou de cor, de negro ficou fula e abraçando ela
a beijou loucamente como se fosse aquele o ultimo momento de sua vida, e daí
então o cangaceiro turrão, mesmo na sua mais profunda ignorância
compreendeu o porquê de sua cônjuge não se encontrar receptiva por aqueles dias mas; daí por diante foi só
galanteio pois o cangaceiro a tratava como uma deusa, não ficando um só momento
sem a bajoujar.
Chegando ao determinado lugar, com todo
o cuidado o subgrupo adentrou no povoado e de imediato foram bem recebidos
ao chegarem na casa de um amigo por nome
Rosalino Prudêncio Vilela, então eles tomaram banho, trocaram as roupas e se
alimentaram com fartura e após, foram convidados a participar de um baile de
aniversario da filha mais nova do farmacêutico do lugar, mas para isso teriam
que ir sem a indumentária de cangaceiro, e assim todos em traje a paisana porém
armados com armas de porte, foram para o evento e lá festejavam muito comendo,
bebendo e dançando sem perceber que naquele exato momento, uma volante da
policia com doze militares fortemente armados comandada pelo intrépido
Odilon
Flor, Euclides Flor, Manoel Jurubeba e Pedro Tomaz
Odilon Flor, se movimentavam sorrateiros posicionando-se estrategicamente cercando a casa, e com o fuzil na posição de disparo, por uma
fresta na parede um dos soldados que já o conhecia, localizou o supracitado
cangaceiro, daí então; visando seu alvo
totalmente exposto, deflagrou um tiro certeiro e fatal. No momento do disparo,
Mané Moreno estava transbordando de felicidades, naquela alucinante volúpia, o casal dançava e se
beijava bem juntinho quase colado ah!
Que delícia! Pareciam levitar o salão. O projétil Do fuzil Mauser calibre 7 X 57mm atingiu as costas de Mané Moreno
traspassando seu tórax e também o peito
de Áurea transfixando lhe o
coração, o cangaceiro ainda segurou sua amada não a deixando cair de uma vez, e
após; desfalecendo caiu sobre ela e num derradeiro gesto beijou seus lábios já sem vida, e ali
ao lado dela morreu também no salão da casa, sobre um tapete púrpuro de sangue
no assoalho de madeira. O cangaceiro Gorgulho embora ferido conseguiu furar o
cerco e fugir, Cravo Roxo já não teve a mesma sorte e também fora alvejado
recebendo vários tiros desferidos pelos militares da implacável força policial
volante.
Áurea, Cravo Roxo e Mané Moreno - A legenda diz ser Gorgulho, É o Cravo Roxo
Em meio á muita gritaria, todos
surpresos e apavorados abandonaram o estabelecimento festivo, ficando somente
ali deitados três corpos inertes rodeados pela milícia. Um dos volantes arranca
da bainha um facão jacaré nº 12 e desferindo vários golpes fatídicos, secciona
as cabeças das vítimas e agarrando-as pelos cabelos as
transporta como troféus para fora do recinto.
No alvorecer do dia seguinte, o
sol agora ardente ilumina sobre as escadas da capela, um trio de faces
horrendas com olhos opacos, obumbrados pelo véu negro da
morte, o fiel cachorro de Mané Moreno que fora capturado e encontrava se na
peia ali ao lado, se aproxima da cabeça
de seu dono e começa a lamber seu rosto ensanguentado num ato de carinho ou despedida talvez, mas neste instante
é açoitado violentamente por um soldado da volante, e no ímpeto o cão
enfurecido avança saltando sobre o seu agressor desferindo-lhe uma mordida
descomunal, arrancando seu dedo polegar da mão direita, caindo morto em seguida
abatido por um tiro de winchester cal. 44-40, findado assim mais um valente membro daquele extinto grupo
de cangaceiros.
“Saudações militares”.
CB. PM Francisco Carlos Jorge de Oliveira PMPR-RR
Enviado pelo o autor.
Ilustração:
José Mendes Pereira
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