Por Antonio Corrêa Sobrinho
João Pessoa
AMIGOS,
FAZ 88 anos no
próximo dia 26 de julho que o advogado e famoso político paraibano, João Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque, perdeu a vida, este que por muitos anos foi ministro
do Supremo Tribunal Militar do Brasil, governou a sua Paraíba e disputou a
vice-presidência da República na chapa encabeçada pelo depois ditador Getúlio
Vargas, eleições que ocorreram em março de 1930. Mês de julho que,
curiosamente, marca também o passamento de dois outros famanazes da história do
Brasil, os “reis do cangaço”, Antonio Silvino e Virgulino Ferreira da Silva
(Lampião), ambos extintos no dia 28 de julho, o primeiro no ano de 1944, e o
segundo em 1938.
João Pessoa, Lampião e Silvino, os quais viveram e foram protagonistas do banditismo
que imperou outrora nos sertões nordestinos, aquele como um seu combatente na
época de governador, e estes como chefes de cangaceiros, que eu saiba não se
conheceram pessoalmente.
Mas, em janeiro de 1930, estando João Pessoa a residir com a família, na
capital federal, Rio de Janeiro, véspera da eleição presidencial, concedeu ele,
ao jornal "O Globo", substanciosa entrevista, para os fins de
responder a indagação de por que o cangaço ainda persistia no Nordeste. E como
em seus depoimentos, os sobreditos famanazes cangaceiros são quase que
respeitosamente mencionados, para mim, pelo menos pelas vias jornalísticas,
terminaram os três por se encontrarem. É claro que seria o máximo se, Lampião,
em plena atividade então, e Antonio Silvino, a cumprir pena na Penitenciária de
Recife, tivessem comentado as colocações de João Pessoa, que vieram em favor
dos cangaceiros, quando faz críticas severas aos militares no combate ao
cangaço.
Afora essa minha elucubração romântica, que não tem nada de história, o fato mesmo
foi a polêmica que as corajosas declarações de João Pessoa, resultantes do
encontro em sua moradia com o jornalismo do "O Globo", causaram no
mundo político nordestino, como vocês verão, recebendo contestações de
governadores, ex-governadores de estados nordestinos (consegui colher apenas a
publicada no Jornal do Brasil, do Rio, e outra na "Gazeta", de São
Paulo). "O Globo", ante a repercussão, retornou a estar com João
Pessoa, que esclareceu e confirmou praticamente tudo o que havia dito.
Na sequência, a conversa do Jornal com João Pessoa, duas respostas (réplicas) e
a palavra final (tréplica) do grande João Pessoa.
Espero que gostem.
POR QUE O
CANGAÇO AINDA NÃO ACABOU NO NORDESTE?
COMO,
APLICANDO QUATRO MEDIDAS, O PRESIDENTE PARAIBANO PRETENDE RESOLVER A VELHA
CHAGA
UMA PALESTRA
MUITO OPORTUNA COM O SR. JOÃO PESSOA
A presença do
presidente João Pessoa, da Paraíba, nesta capital, apresentava-se nos como uma
boa oportunidade de esclarecimento do público, sobre a vida e a febre de
progresso daquela pequena mas altiva unidade federativa. Quisemos assim
surpreender o companheiro de chapa do Sr. Getúlio Vargas, num desses dias de
intensa soalheira, que tanto lembram os dias de flagelo solar do Nordeste, para
precisamente falar-nos S. Ex. das virtudes e dos males da população que está
sob seu governo. O senhor João Pessoa está com a sua família numa mimosa casa
de estilo colonial, já no fim da rua Paulino Fernandes. É no nº 83. Ali, num
gracioso alpendre de quina, aguardávamos S. Ex., à sombra, beneficiados por
excelente viração, enquanto o sol esbraseava sobre o asfalto da rua e a pedra e
o cimento das calçadas. Quando chegamos à sua residência, o Sr. João Pessoa
ainda estava à mesa, a almoçar, com a família e dois amigos íntimos. Um, era o
deputado paraibano Carlos Pessoa. De fora, ouvíamos involuntariamente o rumo da
palestra, à mesa. Apreciava-se atitude animadora do Sr. Getúlio Vargas. Uma voz
acentuava:
- O Dr. Getúlio está agora dando uma vela lição de entusiasmo.
Uma voz acrescenta, derivando a atenção para outro aspecto da luta:
- Estou crente, que o Dr. Simões Lopes será indicado para senador.
Há risos de aquiescência, inteligentes.
O BANDITISMO
NO NORDESTE
O Dr. João
Pessoa não demorou muito em atender-nos. Depois, mimoseava-nos com um saboroso
café, desses que se tornaram proverbiais nas fazendas do Nordeste. Dissemos
prontamente o nosso intuito, naquela visita. Queríamos palestrar com o
presidente da Paraíba, sobre a própria vida da Paraíba. Antes do mais, a Paraíba
fere a atenção do carioca, como joia mimosa do Nordeste, pelos seus sofrimentos
clássicos à ação do cangaço. Podia parecer exótico que, num momento de
entusiasmo nacional, pela campanha da presidência, quiséssemos provocar um
depoimento sobre um mero aspecto da vida doméstica paraibana, aliás, de todo o
Nordeste. Em todo caso, era o banditismo dos cangaceiros um velho problema do
Nordeste, que há muito estava a reclamar solução enérgica do administrador. E o
presidente da Paraíba, como havia, até agora, enfrentado a questão? O Sr. João
Pessoa riu-se, pondo-se cativamente à nossa disposição. E foi com serenidade
que fez a sua exposição sobre o assunto;
- Preliminarmente, devo dizer que, depois do meu governo, “Lampião” jamais
percorreu os sertões paraibanos. Ainda andou pelas zonas sertanejas de Ceará,
Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas. E agora está entre Bahia e Sergipe.
E por que não entrou mais na Paraíba? É que lá não mais entrará, nele, nem
Antônio Silvino, nem qualquer outro elemento do cangaço...
- E qual a causa?
A resposta foi pronta e incisiva: - É preciso ver as cousas, com justeza.
“Lampião” é, como que o estado-maior do banditismo, como o foi em seu tempo,
Antonio Silvino. Mas a grande massa do banditismo, por força das próprias
condições políticas dos Estados do Nordeste flagelados pelo mal, está lá mesmo.
É preciso que se diga a cousa com a devida energia. O banditismo é uma
resultante de velhos vícios e costumes bárbaros da exploração da situação
política, nesses Estados. De uma parte, há uma grande e funda prevenção das
populações do interior desses Estados contra as suas polícias. É que para a
constituição dessas é regra geral se recrutarem elementos perversos, maus,
desordeiros. Muitas vezes são temíveis criminosos de morte os que, nos sertões
do Nordeste, ostentam a farda dos homens da segurança pública. E, num momento
de paixões políticas, quando esses pretensos representantes da lei atravessam
as cidades, faz gerar em torno um ambiente carregadíssimo de apreensões. Daí,
muitas vezes, quando em luta com essas bárbaras falanges do desespero, serem os
bandidos bem acolhidos na cidade. É que esses somente atacam os inimigos. E os
soldados das polícias nordestinas, pelo contrário, parece que timbram em causar
terror a todos.
PARA ACABAR O
MAL
Esboçado esse
quadro inicial, sumamente verdadeiro, na aparência de paradoxal, o Sr. João
Pessoa concentra-se um pouco, e logo diz incisivamente:
- Para acabar o banditismo no Nordeste, bastavam quatro providências. Primeiro
que tudo, moralizar e elevar o nível social das polícias, excluindo dos
batalhões os conhecidos assassinos, os desordeiros, os cachaceiros, como
dizemos, com energia, lá no norte, dos que vivem sob a excitação alucinante, e
frequente da pinga. É preciso, com essa providência, seguida do exemplo da
maior moralização e respeito à ordem, nas fileiras – que essas polícias voltem
a ganhar a confiança das populações sertanejas. A segunda providência visa a
distribuição severa e serena da justiça aos que cometem impunemente crimes, no
interior. Assim, que se faça o primeiro julgamento do criminoso no próprio
local do crime, como é de justiça, mas que haja apelação obrigatória, quer seja
ou não absolvido o réu, para a Relação do Estado, que decidirá ou não sobre
novo julgamento. E havendo novo julgamento, seja o mesmo feito em outro
ambiente, onde não se exerça a influência do coronelato político, em amparo dos
seus “cabras”, ou de seus chefes assevandijados. Essa medida visa desarmar a
proteção do coronelato político à sua “polícia pessoal de bandidos”. A terceira
medida é complementar desta segunda. Visa o desarmamento real das populações do
interior, já amparadas realmente por uma polícia de ordem e de garantia
eficiente. Com essa medida, devem ser apreendidas e recolhidas toda qualidade
de armamento existente nos campos, sem distinção de pessoa. É a busca como
regra geral para todas as fazendas, tomando-se ao caboclo e ao coronel qualquer
arma de uso proibido. Finalmente, seria cumprir à risca o Código Penal. E, por
último, a quinta medida também se encadeando à quarta: proibir a venda de
armas, sob qualquer pretexto. Convenhamos que a medida, assim, seria rigorosa
demais, até dificultando ou proibindo a indústria da caça. Mas também há
momentos em que as providências só são eficientes, quando executadas em todo o
seu rigor.
UM APELO NOBRE
FEITO EM VÃO
O presidente
João Pessoa observa-nos que fora para o governo da Paraíba com essas ideias,
quanto ao problema da segurança pública. Compreendeu, porém, que esse problema
representa uma coordenada, no Nordeste, interessando igualmente, e dependendo a
sua solução radical, portanto, da ação conjuga de Alagoas, Pernambuco, Paraíba,
Rio Grande do Norte e Ceará. Nesse sentido, dirigiu um alvitre aos governos
desses Estados, sugerindo um acordo, para execução sistemática daquelas
medidas, que lhe pareceram tão intuitivas. O governo do Rio Grande do Norte não
se dignou mesmo a acusar o convite. Em todo caso, os governos do Ceará e de
Pernambuco aquiesceram na assinatura de um convênio, mas só visando a entrada
franca da polícia de um Estado em outro Estado, quando em perseguição de
cangaceiros e facínoras.
Acrescenta o Sr. João Pessoa que, entretanto, não deixou à margem as sugestões
de que vinha animado. Resolvera cumprir dentro do seu Estado, somente, o que
esboçara como a salvação do Nordeste. É assim que logo reformou completamente a
polícia. Dele excluiu todos os assassinos, os maus elementos, os desordeiros.
Deu mesmo instruções severas aos comandantes de corpos para expulsão imediata
dos que fossem surpreendidos entregues ao vício da embriaguez. Reformou a
organização judiciária do Estado, para tornar o julgamento dos criminosos, no
interior, uma cousa séria, livre da influência perniciosa da proteção do
coronelato político. É assim que alguns julgamentos famosos, de crimes do
interior, já foram feitos na capital do Estado. Quanto à terceira providência,
tem desarmado sistematicamente toda as populações do interior paraibano,
chegando, de tempos em tempos, à capital paraibana, caminhões carregados de
armas apreendidas.
O Sr. João Pessoa cita mesmo o exemplo de um antigo companheiro de turma, muito
seu amigo, residente no alto sertão paraibano, e que se foi queixar a S. Ex. de
que a polícia do Estado dera busca em suja casa, apreendendo-lhe um rifle. E o
Sr. João Pessoa respondeu-lhe que era muito amigo, mas não podia deixar de
cumprir o Código Penal.
Finalmente, quanto ao mercado de armas, no Estado, não podendo proibi-lo,
diretamente, elevou os impostos para esse negócio, de 1:000$000 para 10:000$000.
Feita essa exposição, o Sr. João Pessoa ainda observou que tomou mais outras
providências, para o combate ao banditismo. É assim que, não contando
absolutamente com a cooperação dos Estados fronteiriços, resolveu guarnecer,
quanto possível, a fronteira paraibana. Tem bastante força ali distribuída,
coordenando a sua ação por meio de estações radiotelegráficas. As linhas
telegráficas eram facilmente cortadas pelos cangaceiros. Mas esse obstáculo, na
perseguição, é removido facilmente pela comunicação dessas estações “rádio”.
DENTRO DAS
PRÓPRIAS FRONTEIRAS
O presidente
João Pessoa acentua bem que tem procurado defender a população paraibana contra
o banditismo, da melhor maneira possível, frisando que os Estados vizinhos, se
fizessem o mesmo, estaria o mal sanado. Diz que assinou o convênio policial com
Pernambuco e Ceará, mas não reconhece nele nenhum mérito real. A propósito,
lembra que não há muito, por força desse convênio, uma força pernambucana
entrou em Patos, e, sob pretexto de perseguir um criminoso, deu cerco em uma
casa, e fuzilou um pobre homem pacífico, arrastando-lhe, depois, o corpo, e
enterrando-o no cemitério, sem nenhuma formalidade legal. Inteirado da
ocorrência, formulou o seu protesto junto ao presidente Estácio Coimbra, e
mandou instaurar processo contra a força turbulenta do vizinho Estado. Conta
mais que, por força desse convênio, também uma força paraibana, em perseguição
de um cangaceiro, penetrou em Lavras, no Ceará, dando cerco à casa do coronel
Nogueira, onde se acoitara o bandido, oferecendo resistência. Travado o
tiroteio, o bandido logrou fugir, arrecadando a força três rifles, um chapéu de
couro, e muitas balas. Logo depois, recebeu S. Ex. um telegrama do presidente
Matos Peixoto, transmitindo-lhe acusação tremenda do Dr. José Nogueira, irmão
do coronel acima. Dizia o Dr. José Nogueira, que estava em Fortaleza, que a
força paraibana invadira violentamente a casa do seu irmão, desrespeitando-lhe
a família, e roubando-lhe joias. Em vista disso, o Sr. João Pessoa respondeu ao
doutor Matos Peixoto que ia mandar abrir um inquérito, e lhe pedia fizesse
outro tanto. E daí resultou, com o depoimento do próprio coronel Nogueira, que
a polícia paraibana lhe acatara a família, e somente arrecadara o que o bandido
deixara. Mas, nesse tempo, lhe chega um ofício do governo cearense, pedindo a
remessa dos rifles, do mosquetão e das balas. O Sr. João Pessoa resolveu,
então, escrever ao Sr. Matos Peixoto. E a carta que acompanhou o volume com as
armas apreendidas, lembrava ao presidente cearense que havia um Código Penal. O
senhor João Pessoa soube somente que aquelas armas foram novamente parar às
mãos do coronel Nogueira.
- Como vê – conclui – o atual convênio policial em nada adianta, enquanto os
demais governadores não encararem a questão com a honestidade e energia com que
vou agindo, na Paraíba.
"O
Globo" – 09/01/1930
COMBATE AO
BANDITISMO NO NORDESTE
Um telegrama
do Governador de Alagoas em resposta ao Presidente da Paraíba.
O Sr. Mario Alves recebeu do Sr. Álvaro Paes, Governador de Alagoas, o seguinte
telegrama:
“Dr. Mario Alves – Maceió, 17. – Presidente João Pessoa em entrevista concedida
“Globo’ e transcrita “Diário da Manhã” Recife afirmou que no intuito exterminar
cangaceirismo que infesta nordeste dirigiu-se Governo Estados dessa região
propondo um convênio que facilitasse ação respectivas forças policiais. Há
equivoco S. Ex. quanto a Alagoas. Posso afirmar nunca recebi telegrama
Presidente Paraíba sobre assunto motivo porque não lhe dei nenhuma resposta. De
resto não haveria motivo para telegrama Dr. Joao Pessoa uma vez que Governo
Alagoas nos dois últimos quatriênios tem cumprido seu dever de dar combate sem
tréguas ao cangaceirismo ao e outros males sociais que envergonham nossa
civilização. Há seis anos governo meu antecessor fez convênio com governos
Bahia Sergipe Pernambuco e Paraíba para fim dar livre trânsito respectivas
forças policiais por todos esses Estados sentido perseguir bandidos chefiados
Lampião. Mas a verdade é que antes desse convênio já vínhamos perseguindo tais
bandidos. Durante governo Costa Rego polícia paraibana teve necessidade entrar
nosso território como aliada nossas forças resistiu ataque cangaceiros que a
enfrentavam sendo nessa ocasião também recebida pelas nossas forças que pediu e
obteve que retrato Costa Rego fosse festivamente inaugurado seu quartel na
Paraíba. Ação nossa polícia tem continuado tão intensa contra Lampião e seu
grupo que nessas poucas vezes tem penetrado no Estado de onde é logo expulso.
Com convênio ou sem convênio temos cumprido nossos deveres defendendo população
sertaneja contra assaltos dos cangaceiros. Cordiais saudações – (a) Álvaro
Paes.”
“Jornal do
Brasil” – 19.01.1930
CARTAS DO RIO
O banditismo
no Nordeste – Revelações novas sobre o padre Cícero.
RIO, 15 (Pelo
correio) – O banditismo no Nordeste está outra vez em foco. Lampião, com o seu
bando, reiniciou as suas operações. O senhor João Pessoa, governador itinerante
da Paraíba, entrevistado aqui por um vespertino, disse que se o cangaceirismo
ainda existe naquelas paragens é devido tão somente à falta de ação conjunta
dos diversos governadores com jurisdição na zona e que vem a ser, além dele, os
da Bahia, Pernambuco, Alagoas, Ceará, R G Norte e Sergipe.
Fazendo gabolices, o sobrinho do sr. Epitácio acrescentou que tinha tido uma
iniciativa a tal respeito, resultando inútil o seu esforço em virtude da falta
de cooperação dos demais chefes das unidades federativas referidas.
O Rio Grande do Norte imediatamente contestou o Sr. João Pessoa, tendo o senhor
José Augusto, ex-governador do mesmo Estado, esclarecido que lá nunca os
bandidos conseguiram demorar e que o Rio Grande do Norte podia vangloriar-se de
ser um dos estados nordestinos em que menos havia o banditismo profissional.
O jornalista Matos Ibiapina, há pouco chegado do Ceará, por seu turno,
procurado por um matutino, esclareceu alguns pontos aos quais o Sr. João Pessoa
não se havia referido.
Ele disse, por exemplo, que os culpados exclusivos pela vergonha social do
banditismo, no Nordeste, eram os políticos, muitos dos quais tinham sociedade
com Lampião.
O senhor Ibiapina chegou mesmo a citar fatos e a precisar nomes.
Quanto à Paraíba, ele assegura que é o Estado da região onde há maior número de
criminosos, em que pesem as declarações do senhor Pessoa.
Quando o senhor Washington Luís visitou o Norte, teve ocasião de ir ao sertão
da Paraíba. O senhor Ibiapina foi na caravana, para ouvir, de viva voz, a
impressão do atual presidente sobre as famosas obras em que o Sr. Epitácio
consumiu fartos dinheiros da nação. Numa das localidades sertanejas daquela
terra, houve um almoço oferecido ao Sr. Washington e à sua comitiva. Sabem quem
se sentou em frente ao então candidato à sucessão do Sr. Bernardes? Sentou-se
um dos chefes do grupo de Lampião, já regenerado, segundo se diz no lugar.
A Paraíba sempre foi, realmente, um lugar preferido pelos criminosos. Toda
gente, no Norte sabe disso. O Sr. João Pessoa, entretanto, quer negá-lo.
Está no seu direito. Defende o seu Estado; mas, o estranhável é que, para
defendê-lo, ataque os vizinhos.
Sabemos, de fonte limpa, por exemplo, que o Ceará está neste momento livre dos
bandos de assassinos que infestavam aquelas paragens.
O presidente Matos Peixoto, que é de uma fraqueza lamentável para certas
cousas, nesse ponto tem revelado certa energia.
E a verdade é que a sua atuação, nesse particular, tem o apoio do próprio padre
Cícero, que é tido, aqui pelo Sul, como o maior protetor de bandidos existente
no Nordeste.
O padre Cícero, entretanto, tem uma explicação razoável para essa sua maneira
de proceder. Acha que os bandidos, inclusive Lampião, são um produto do meio e
quase sempre adotam a profissão do cangaço devido às injustiças que sofreram.
Ele os manda para Goiás e Mato Grosso, onde tem amigos e não raro consegue
transformá-los em fazendeiros honestos e exemplares pais de família.
Chamá-lo de protetor de bandidos e de criminosos é um exagero, positivamente.
Poderá ser protetor no bom sentido, isto é, um guia para a regeneração da
capangada. Juazeiro, porém, sua terra, não é um valhacouto de bandoleiros,
segundo declara o velho prelado, que é, conforme nos assegura o Sr. Matos
Ibiapina, um conversador admirável, possuidor de uma clara inteligência e cheio
de um bom humor magnífico.
ALL RIGHT
“A Gazeta” -
16/01/1930
O CANGAÇO,
FLAGELO DO NORDESTE
Pelo GLOBO, o
presidente paraibano, Dr. João Pessoa, responde à crítica despertada pelas suas
palavras a este jornal
Porque o Sr.
Matos Peixoto vai ficar sem resposta
A nossa primeira palestra com o presidente paraibano, ministro João Pessoa,
entrou a despertar vivo comentário e contestação, particularmente do presidente
Juvenal Lamartine, do Sr. José Augusto, senador norte-rio-grandense, do
presidente do Ceará e do presidente Álvaro Paes, de Alagoas. A questão do
cangaço foi ali exposta com rara sinceridade, e tanto bastou para se
encresparem os melindres. Demais, o telegrama do Sr. Matos Peixoto ao próprio
presidente João Pessoa, pelos termos em que foi redigido, e mesmo pelas
circunstâncias em que foi divulgado, criou uma nova situação, que nos levou
fatalmente à residência do presidente da Paraíba, à rua Paulino Fernandes. O
Sr. João Pessoa acolheu-nos com satisfação, lamentando falhas naturais numa
palestra, em que o repórter se baseia exclusivamente em sua memória,
reproduzindo, depois, a súmula do que ouviu em manifestação espontânea do vulto
procurado, versando quase sempre assuntos complexos e diversos. É uma situação
bem contrária da entrevista em que o entrevistado dita ou escreve as suas
declarações, ou as revê, tratando de assuntos determinados.
O presidente João Pessoa acentuou, então, as falhas da palestra que publicamos.
Assim se exprimiu S. Ex.ª:
- Desde que parti do meu Estado, que não tenho lido jornais, por absoluta falta
de tempo. Por isso mesmo, não revi antes, nem li depois, a palestra que tivemos
sobre vários assuntos, inclusive sobre o cangaceirismo do Nordeste, palestra
que o senhor se lembrou de publicar. Se tivesse revisto, não teria deixado
passar alguns senões, aliás sem importância capital, que nela se notam, e são
perfeitamente justificáveis, por isso que o senhor não conhece a região, as
cousas e os homens do nordeste brasileiro, nem tomou uma nota sequer no correr
da conversa, longa como foi, por várias vezes interrompida por uma outra das
pessoas que chegaram e assistiram-na. Se a tivesse revisto, certo não deixaria
passar a referência a Antonio Silvino, que todos nós sabemos achar-se há 16
anos recolhido à cadeia do Recife; não me escaparia a referência à passagem de
“Lampião” pelo território de estados do Nordeste, porque, perguntado sobre este
ponto, disse apenas que durante meu governo ele não estivera na Paraíba e que a
“imprensa anunciava encontrar-se o referido bandoleiro operando em território
de Sergipe e da Bahia; não me passaria o nome do coronel Nogueira, ao invés de
Pedro Maranhão, etc.
Disse-lhe resumidamente, se bem me recordo, que fui governar o meu Estado “com
a ideia de propor aos governos dos Estados nordestinos”, NOVO convênio
policial, para extinção do cangaceirismo, mediante as seguintes bases
principais: 1º - Fazer excluir das polícias estaduais todos os elementos maus,
de modo que cada um viesse constituir elemento de ordem, conseguindo assim nas
diligências conquistar a confiança das populações sertanejas; 2º - Praticar o
desarmamento geral, sem escolher amigos, adversários ou indiferentes, humildes,
fracos ou poderosos; 3º - Sugerir aos congressos estaduais a votação de um
projeto de lei com o intuito de extinguir a ação dos chefes locais dentro do
júri; 4º - Por fim, taxar proibitivamente a venda de armas e munições.
Justifiquei cada um desses itens, inclusive o segundo que agora se pretende
criticar com uma esdruxula interpretação ao art. 377 do Código Penal da
República, e com esta pasmosa ignorância de um professor de Direito o pretender
ampliar o referido código com o “Regulamento da Polícia do Estado do Ceará”!!!
Logo depois de assumir o governo, verificaram-se os dois fatos que relatei e
não foram contestados – um com uma força de Pernambuco e outro com um destacamento
da polícia da Paraíba, em diligência na propriedade do coronel Pedro Maranhão,
no Ceará, conhecido protetor de cangaceiros. Antes de prosseguir, convém notar
que a correção da polícia paraibana nessa diligência ficou apurada, tanto pelo
inquérito procedido por minha solicitação ao governo do Ceará, conforme
documento que me foi remetido pelo Dr. Matos Peixoto, e ainda se encontra
arquivado na Secretaria da Segurança do meu Estado, como pelo inquérito
procedido de minha ordem.
Conhecido o procedimento dos dois governos – o de Pernambuco não punindo os
desmandos de sua força, embora a gravidade das ocorrências legadas por mim ao
conhecimento do Dr. Estácio Coimbra, e o do Ceará, entregando as armas e
munições apreendidas pelo destacamento da Paraíba ao possuidor das mesmas,
antigo e conhecido protetor de cangaceiros, desiludi-me, e convenci-me de que
seria improfícua qualquer sugestão minha aos ditos governos para organização de
um novo convênio policial e resolvi nada lhes propor – nem a eles nem a outro
qualquer governo do Nordeste – e praticar, sozinho, no meu Estado, as medidas
que reputo necessárias, senão para a extinção do cangaceiro, pelo menos para o
seu afastamento do território paraibano. Isso, porém, não quer dizer que
estamos, nós paraibanos, livres de investidas dos bandoleiros. Suponho a minha
terra presentemente, com as suas duas companhias de polícia fazendo a cobertura
das fronteiras do Estado, as suas forças volantes em constante movimento dentro
do seu território, as suas estações portáteis de rádio, etc., etc. o Estado do
Nordeste mais aparelhado para conter as incursões dos bandidos, mas, ainda
assim, não acreditamos estar livres deles, nem nós nem qualquer outro Estado
daquela região. A extinção do cangaceirismo é mais difícil do que aqui se
pensa. Se “Lampião” e o seu grupo sinistro não se encontram atualmente ou não
estiveram recentemente nos territórios da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Pernambuco e Alagoas, por lá já operaram anos a fio e, apesar do esforço dos
seus governos, não foi possível captura-los ou extingui-los. Não se admire,
entretanto, se a extinção da horda sinistra vier a ser obra de puro acaso.
- Vai V. Ex. responder o telegrama que a imprensa hoje publicou, como lhe tendo
sido dirigido pelo Dr. Matos Peixoto? – interrompemos, afinal.
- Absolutamente não. Primeiro, porque dada a gratuidade e a insolência da
agressão, ele revela ter sido escrito por quem não estava no momento no uso
perfeito das suas faculdades. Se tivesse havido de minha parte na palestra que
tivemos, um engano, uma referência menos extada, a mais rudimentar educação,
aconselharia, isto mesmo depois de apurada seguramente e textualidade das
declarações que me eram atribuídas, que me fosse dirigido um pedido cortês de
retificação. Segundo, porque nós lá no Nordeste sabemos e os senhores sabem
aqui, que o Dr. Matos Peixoto não é quem está “de fato” governando o heroico
povo cearense. Terceiro, porque, como bom cristão que sou, perdoo aos pobres de
espírito.
O
"Globo" - 21/01/1930
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