Lampião, em 26
de novembro de 1926, com seu bando, em números de 116 cangaceiros, trava uma
luta ferrenha contra a Força Pública de Pernambuco, na ocasião composta por
sete volantes somando mais de 300 Praças, em parte da encosta da Serra Grande,
município de Calumbi, PE. Tendo arquitetado o plano e preparado o local,
saiu-se vencedor desse embate que se iniciou por volta das 08h00min horas da
manhã e teve seu epílogo já próximo da ‘boca da noite’, lá pelas 17h00min horas
da tarde, daquele dia.
Após os militares
recuarem, o “Rei dos Cangaceiros” deixa seu abrigo para averiguar o campo da
batalha. Encontrando soldados feridos, impossibilitados de locomoverem-se e,
logicamente, que não foram retirados pelos companheiros, ordena que seus
‘cabras’ os matem sangrados. Rapidamente isso é feito. A cabroeira consegue
apossar-se de algumas armas e munição que encontram no campo da morte, mas,
como as primeiras sombras da noite já envolviam a serra, não recolheram todas.
Os soldados
sobreviventes estavam estafados. Desde o dia 24 que estavam em campo
‘rastejando’ os sinais na trilha dos cangaceiros. Pegam alguns dos baleados e
os leva para a casa sede da fazenda Tamboril, propriedade do senhor Francisco
Braz. Os feridos recolhidos e levados para o sítio, fazenda, eram em torno de
14 homens. Os comandantes das volantes enviam um mensageiro para que fosse à
cidade de Vila Bela a fim de que transmitisse ao Comandante Geral das Forças
Contra o Banditismo, major Theófhanes Ferraz Torres, a solicitação de um
transporte para os feridos. Nessa ‘casa hospital’, também ficaram os
comandantes de volante sargento Arlindo Rocha, ferido na altura da mandíbula,
que se deitou em um banco de madeira e o cabo Manoel de Souza Neto, ferido nas
pernas, que se deitou no chão junto ao banco. Já era a hora da Ave Maria
sertaneja quando o próprio comandante geral chega à sede da fazenda Tamboril
com um comboio de cinco caminhões para transportar a tropa de volta para Vila
Bela. Ao chegar, vislumbra de imediato a bagaceira, estrago, que o bando de Lampião
tinha feito no contingente de seus comandados.
Com a certeza
de ter realizado uma grande vitória, Lampião chama seus ‘cabras’ e descem a
serra em direção a Roças Velhas. Nesse local, na propriedade rural de um
parente, Lampião tinha ‘alojado’ uma moça alagoana e, de quando em vez, dava
uma passadinha para namorar ela. No percurso, resolveu caminhar até o sítio
Barreiros, propriedade de seu colaborar Serafim. Quando chega à casa do
coiteiro, já eram mais ou menos 20h00min horas da noite daqueles 26 de novembro
de 1926. Chegou nessa noite, junto ao chefe, uma parte da cabroeira, pois
estando em locais dispersos, não poderiam se juntar todos de uma só vez. O
restante do bando só chegam 12h00min horas depois, na manhã do dia 27 de
novembro, por volta das 08h00min horas da manhã.
Dois cidadãos
que moravam na localidade Roças Velhas, logo cedinho, amanhecer do dia 27 de
novembro, decidem irem ao local do tiroteio do dia anterior para ver se
conseguiam alguma arma e/ou munição no campo da luta. Chegando próximo ao
boqueirão da serra, os dois se veem cercados por alguns cangaceiros
retardatários que imediatamente perguntam se eram da Força. Os dois roceiros,
‘Antônio Bernardino e Pociano’, apressam-se em dizer que não eram policiais. Os
cangaceiros dizem para os dois que um ficaria vivo e o outro seria abatido.
Cada um deles ao ouviram aquilo, recuam e nesse momento escutam um disparo.
Antônio Bernardino, mais alto, saiu levando jurema preta, catingueira,
xique-xique e outras nativas da região no peito. Seu compadre, Pociano, era um
homem de estatura baixa, mais correu mais do que o outro. Antônio Bernardino
correu até chegar a sua casa e, de tão cansado, desmorona no meio da sala. Sua
esposa, dona Maria, pergunta o que está acontecendo, ele com palavras entrecortadas
devido ao cansaço, diz que se encontrou com alguns cangaceiros no pé da Serra
Grande e eles haviam matado seu compadre Pociano. Nesse momento Maria grita
relatando a sua irmã Dorinha, que morava numa casa próximo a sua, esposa de
Pociano, que seu esposo tinha sido assassinado pelos cangaceiros. Respondeu a
irmã que seu esposo estava ali, ao seu lado dentro de casa. O medo foi tanto,
que os dois compadres, na carreira que empregaram, não conseguiram se avistar
durante o percurso por cima de pau e pedra.
Nesse
local, onde o amigo pesquisador/historiador Louro Teles encontra-se, é onde
foram enterrados sete soldados, mortos no combate da Serra Grande, em uma cova
coletiva.
As ordens de
Lampião eram para que se fizesse bastante comida para seus homens e a
encarregada da cozinha era a esposa do dono da propriedade Barreiros, dona
Francelina, a qual comandava suas duas filhas, Francisca e Joaquina, nos
preparativos da ‘boia’. Cassiano Serafim, filho do proprietário, relatou em
várias oportunidades que, quando a ‘cabroeira’ estava toda junta, no terreiro
da casa de seu pai, comendo, contou 115 ‘cabras’. Portanto, só ocorreu uma
baixa no bando de Virgolino quando da Batalha da Serra Grande, que fora o
cangaceiro Mané Preto quando desertou.
O major
Theófhanes Ferraz Torres, Comandante Geral da Força Contra o Banditismo, no
interior do Estado pernambucano, no Sertão do Pajeú das Flores, ao chegar com
seu comboio de cinco caminhões na fazenda Tamboril, fica inconformado com a
quantidade de soldados feridos e, mais ainda, com a quantidade que fora abatido
pelos cangaceiros, um pouco incorreto, pois não sabiam os comandantes das
volantes que vários soldados lá não estavam por terem desertado, e não por
terem sido abatidos no embate. Imediatamente o comandante geral chega junto de
um dos comandados, comandante da volante de Flores, que não estava ferido, o
soldado comandante Durcarmo, e inquere ao mesmo sobre o que se passou para provocar
tão grande tragédia em sua tropa. O soldado Ducarmo, responde ao superior com
outra pergunta, querendo saber se o comandante queria saber de quem errou ou de
quem seria a culpa. Logicamente que o oficial queria o relatório completo, no
que é atendido pelo soldado comandante de volante da cidade de Flores.
“(...)
Percebendo o tamanho da tragédia, pergunta ao soldado Ducarmo que vinha
chegando da Serra Grande, do campo de luta:
- O que foi que houve, soldado?
Ducarmo falou ao major:
- O senhor quer saber de quem é a culpa ou de quem foi o erro?
O major respondeu:
- Os dois!
- O erro foi de Manoel Neto e Arlindo Rocha que são tão valentes que não viram
que era uma armadilha, mas a culpa foi do tenente Higino que não segurou os
dois (...).” (A Maior Batalha de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª
Edição. Paulo Afonso, BA. 2017)
Depois dessa
prosa com seu comandado, o major ordena para que voltassem para Vila Bela, pois
os feridos já haviam sido colocados nos caminhões.
No fim da
tarde do dia 27 de novembro, já em São Serafim, hoje Calumbi, PE, Lampião solta
o prisioneiro representante da ESSO. A ele entrega uma carta para que a mesma
fosse enviada para o governador do Estado de Pernambuco, onde rezava à missiva,
uma proposta do “Rei dos Cangaceiros”, propondo dividir o Estado em dois, onde,
do fim dos trilhos na cidade de Rio Branco, hoje Arcoverde, até onde as ondas
do mar quebravam, na Capital, seria governado pelo governador, e a outra parte,
governaria “Ele”. Essa carta já estava pronta, pois Lampião a tinha escrito no
topo da Serra Grande. Após dar as ‘coordenadas’ ao prisioneiro, Lampião liberta
Pedro Paulo Mineiro Dias, o homem da “ESSO”, que ficou conhecido nas hastes da
história do cangaço como ‘mineirinho’, o enviando a casa de uma pessoa no município
de Betânia, major José Miguel, pois era o único que possuía um automóvel
naquela ribeira. Virgolino envia, também, um pedido ao major, que o mesmo
providenciasse a ida daquela pessoa para Vila Bela ou Rio Branco.
Aqui abrimos
um parêntese para explicar quem governava o Estado de Pernambuco na época da
Batalha da Serra Grande e que, logicamente, recebeu a carta de Virgolino
Ferreira: Em 18 de outubro de 1922, assume o governo, o governador eleito
Sérgio Teixeira Lins de Barros Loreto, que governou até 18 de outubro de 1926.
No dia 18 de outubro de 1926 toma posse como governador o Presidente da
Assembleia Legislativa de Pernambuco, deputado Júlio de Melo. Que governou até
12 de dezembro de 1926, quando, nessa data, o governador eleito Estácio de Albuquerque
Coimbra assume o governo até ser deposto pela Revolução de 1930.
O local da
batalha é citado como sendo na Serra Grande. O que é verdade, porém, a extensão
da serra é muito grande, sendo vários proprietários donos de alguma das glebas
compondo o total de seu tamanho. Uma parte da serra, onde ocorreu o combate,
era de propriedade de dona Isabel Teles de Siqueira e seu esposo Manoel Lorde,
e ainda hoje seus descendentes são possuidores do terreno. Pois bem, havia um
cidadão, Sebastião Valeriano Mangueira, possuidor de uma extensão de terra
limítrofe com a de dona Isabel, o qual criava animais soltos na serra e que ia
de quando em vez dar uma olhada para ver como estava seu ‘patrimônio’. No dia
28 de novembro, chama um de seus filhos, Antônio Lorde, e vão fazer a
verificação dos animais na Serra Grande. Ao chegarem ao pé da serra, dão de
cara com uma patrulha que, naquele dia, 28 de novembro de 1926, estavam ali
para sepultarem os corpos dos soldados tombados no confronto. A tropa pega os
dois, e obriga pai e filho a irem buscar os corpos no Boqueirão da Serra,
trazerem para determinado local e os enterrarem. A coisa não fora fácil, pois,
já havia vários dias que os soldados tinham sido abatidos, portanto, estavam em
fase avançada de decomposição. Os soldados encarregados de enterrarem os corpos
dos companheiros mortos na batalha da Serra Grande encontraram, no dia 28 de
novembro, quatro fuzis e farta munição, não achados e recolhidos pelos
cangaceiros.
“(...) Antônio
Lorde contava que quando foi pegar em alguns, as peles ficava grudadas em suas
mãos, falava também que cavaram três covas e depois, por conta do mau cheiro, o
comandante mandou cavarem uma cova coletiva onde foram colocados sete soldados
e só depois que todos foram enterrados foi que eles foram liberados (...).”
(Ob. Ct.)
Após essas
providências, o “Rei do Cangaço” divide seu bando e segue entrecortando serras
e serrotes, indo e voltando para que seus perseguidores ‘perdessem’ sua pista,
até se posicionar em um coito por trás da Serra Grande, local da grande
batalha. Sabia ele que depois daquele combate, mais o conteúdo da
carta/proposta, os militares seriam acionados e todos sairiam a sua caça fosse
onde fosse, estivesse onde estivesse para dar cabo dele. Porém, nunca
imaginariam de procura-lo tão próximo ao campo da luta.
No pé da Serra
do Enjeitado, local escolhido por Lampião para esperar a poeira da batalha
baixar, havia um ‘lote’ de coiteiros em derredor. Entre eles citaremos:
“Silvino
Cariri, Joaquim de Ursa, Henrique Cândido da Silva, vulgo Henrique Quelé, Mané
Pato, Santo de Basto”, mais afastado um pouco, ainda encontrava-se, no sítio
Saco dos Campos, havia o coiteiro Baião Mangabeira. Lampião sempre fora
esperto, então não dava todas as obrigações a um só colaborador. Silvino Cariri
tratou de conseguir a comida que abastecia o bando. Já Joaquim de Ursa ficou
encarregado do transporte, de levar, a ‘boia’ até eles em cima da serra. Como
tinha que levar muita coisa, era muita gente pra comer, Joaquim pedia sempre a
ajuda de sua cunhada Angelina, a qual Virgolino lhe presenteia com um “vestido
de seda e um anel de ouro acompanhado com uma corrente com um coração
pendurado”. (Ob. Ct.)
No período que
teve que permanecer isolado, acoitado com muito segredo na Serra do Enjeitado,
Lampião descia a serra para mudar um pouco a comida. ‘Visitava’ a fazenda do
amigo Silvino para ‘comer cuscuz com leite’. Assim, até o dia em que agradeceu
ao coiteiro, se despediu e entrou de caatinga a dentro.
O “Rei dos
Cangaceiros” fica no acampamento até o dia oito de dezembro de 1926, esperando
as coisas acalmarem-se um pouco e, quando a poeira começa a baixar, ele e sua
cabroeira saem rumo a outro coito há vários quilômetros de distância de onde
estavam... nas quebradas do sertão do Pajeú das Flores.
Fonte/foto Ob.
Ct.
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