*Rangel Alves
da Costa
Não. Não culpo
a vida. A vida é bela. E viver não deixa de ser prazeroso a quem possa
compartilhar da felicidade. No entanto, a meus pés, sinto chão o chão
apunhalado duma estrada de espinhos.
Não. A culpa
não é da vida. A vida é maravilhosa. O que não se pode dizer o mesmo é sobre a
existência. Melhor existir entre lobos que em meio a homens. Melhor o instinto
da selvageria que a sordidez do homem.
Mas a culpa
talvez não seja do homem enquanto ser humano. Mas apenas minha. Sim. Talvez a
culpa seja toda minha pela descrença em quase tudo, seja no próprio homem, seja
nas relações que permeiam e conduzem a vida.
Por todo lugar
e tendo que caminhar por estradas de espinhos. Temo me acostumar às feridas na
pele e perder o dom de apreciar algumas plantinhas miúdas e floridas que ainda
restam pelas beiradas e nos escondidos das pedras.
Espinhos que
refletem o ódio, a vingança, a traição, a desconfiança, a vileza, a falsidade.
Pontas finas e vorazes que espelham os medos, as angústias, as aflições, os
sofrimentos do viver. E o sangue que nem mais escorre ante a anestesiada
sensibilidade.
O que dizer do
amor, então? Sem direito a amar, a sentir felicidade, a compartilhar, a
encontrar no afeto uma razão de viver. Amor que se falseia, que se dilui e se
dissolve, que está tão próximo e tão evaporado em névoa que dolorosamente se
dissipa ante o olhar.
Querer amar e
não poder. Pensar que ama e ser derrotado pela palavra, pela traição, pela
insensibilidade. Ser usado como folha morta, sem açoitado como poeira velha,
ser achincalhado como verme asqueroso. E depois do beijo, do abraço, da
confissão amorosa.
Amar num
instante e no seguinte já ser rasgado como um papel qualquer, descartado como
imprestável qualquer coisa, jogado fora como se faz com lixo. E ter de suportar
a tudo no silêncio do sofrimento, na dor sem voz e na agonia dos mártires
inocentes.
Nem para ser o
ferro que enferruja e se consome em si mesmo. Nem para ser a pedra que vira pó
e se deixa levar pela ventania. Nem para ser o fogo que se torna em chamas e dá
por satisfeita sua existência. Mas não. Ser apenas o fígado de Hércules.
Ser apenas o
fígado e as entranhas de Hércules em eterno sofrer e renascimento para a dor.
Não obstante o sofrimento, mas a junção contínua de dores, angústias,
insuportabilidades. Mas ter de suportar por que a águia sempre se aproxima para
devorar.
Impossível até
viver de recordações. Ora, se ontem houve um abraço, um beijo, uma promessa de
amor, e hoje apenas o avesso, então por que se imaginar ainda em falsa
felicidade, em falsa alegria, em falso amor? E o pior é a certeza da incerteza
em tudo.
Porta afora e
a estrada de espinhos. No caminho de chão ou por cima do asfalto e essa estrada
de espinhos. Por todo lugar e essa estrada de espinhos. E sei muito bem que na
mesma estrada existem árvores sombreadas, flores do campo, borboletas e
colibris. Por que fogem de mim?
Cadê o céu de
passarinhos, de revoadas, de nuvens festivas e pousos contentes? Cadê a brisa
perfumada, a boa aragem, o vento refrescante que esvoaça varais? Nada disso
parece acontecer mais. Adiante as aves agourentas, carnicentas. Adiante as
sombras e as tempestades.
Cansados e
doridos estão meus pés por essa estrada de espinhos. Meu olhar cansado,
perdido, vazio. Minha boca sedenta e áspera, minha rouquidão agonizante. Como
caminhando num deserto, apenas o sol abrasador da desvalia e da desesperança.
E eu não
queria viver assim. Eu não queria caminhar assim por essa estrada de espinhos.
Mereço viver minha dádiva de vida. Mereço ter qualquer instante de felicidade.
Ah como novamente eu queria seu rosto diante do meu!
Deus, meu
Deus, como novamente eu queria seu rosto diante do meu!
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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