Do
livro: Lampião, nem herói nem bandido, a história
De: Anildomá Willans de Souza
Essa é uma
daquelas histórias que prende o leitor do começo ao fim e demonstra com
exatidão de detalhes o verdadeiro universo cangaceiro. Leiam.
DAVID GOMES
JURUBEBA “DAVID JURUBEBA”.
Um dos mais
tenazes perseguidores/inimigos de Lampião. David Jurubeba durante muitos anos
fez parte da Força Volante oriunda do então povoado de Nazaré, cujos
integrantes eram conhecidos como Nazarenos ou ainda como os “Cabras de Nazaré”.
Os Nazarenos sem sombra de dúvidas formavam a mais temível e implacável força
de combate e repressão ao cangaceirismo/banditismo e em especial à Lampião e
seus comandados.
David Jurubeba
teve seu irmão Olímpio Gomes Jurubeba morto no dia 20 de novembro de 1924,
durante um tiroteio entre os Nazarenos e o bando de Lampião na Fazenda Baixas,
localizada no município de Floresta/PE. A partir de então David Jurubeba passou
a ter uma dívida de sangue para ser cobrada a Lampião. A morte de Olímpio
Jurubeba contribuiu para o aumento ódio e da sede de vingança por parte da
população da pequena Nazaré de onde saíram os maiores perseguidores e inimigos
de Lampião. Tendo inclusive o próprio Lampião reconhecido a bravura e valentia
por parte dessa gente.
A caça ao
chefe supremo do cangaço e ao seu bando apenas encerrou no dia 28 de julho de
1938 quando a tropa comandada pelo então Tenente João Bezerra da Força Policial
Volante alagoana encerrou definitivamente a trajetória do maior cangaceiro de
todos os tempos.
A morte de
Lampião foi recebida com certo contentamento e ao mesmo tempo com indignação
por parte dos Nazarenos por não terem conseguido alcançar tal proeza, apesar
dos esforços empreendidos nos vários anos em que caçaram Lampião e seus
comandados por vários estados do Nordeste.
David Gomes
Jurubeba e os Nazarenos entram para a história do cangaço com méritos por terem
combatido exaustivamente o cangaceirismo e o banditismo de um modo geral que
naquela época, além da seca e dos desmandos dos detentores do poder, eram
algumas das mazelas que assolavam os sertões do Nordeste.
David Gomes
Jurubeba faleceu no dia 07 de janeiro de 2001 vítima de AVC (Acidente Vascular
Cerebral) no Hospital da Policia Militar na capital pernambucana. Na ocasião
Davi Jurubeba contava com a idade de 99 anos e 45 dias. Seu corpo está sepultado
no Cemitério Público Municipal de Serra Talhada/PE. (Geraldo Antônio de Souza
Júnior)
O TIROTEIO DAS
BAIXAS
Perguntado
sobre qual teria sido o momento mais marcante e difícil pelo qual passou em
confrontos contra Lampião. David Jurubeba respondeu:
"- Foi no
tiroteio das Baixas - onde morreu meu irmão Olímpio - e o de um lugar
denominado Jacaré, onde constatei a bravura e resistência de Lampião, vendo a
hora eu e minha gente partir desse mundo pelas balas dos cangaceiros. Mas que
mesmo assim, botamos os bandidos para correrem".
Continua David
Jurubeba:
" - Fazia
um tempão que ninguém ouvia falar de Lampião. As noticias eram as mais
desencontradas possíveis. Falar se falava, mas ver o homem mesmo, pra peitar,
isso não.
Até que um dia
ele apareceu de supetão, próximo a Nazaré, na fazenda Paus dos Leite, onde, no
momento, um parente meu, Pedro Tomáz, estava dando uns mergulhos no açude. O
coitado saiu na maior carreira, nu, debaixo de pilherias e galhofas dos
cangaceiros, em direção à Nazaré.
Aí se juntou
um punhado de homens armados, inclusive eu, Tomáz e seu pai, Tomáz Gregório.
Seguimos os rastros. Constatamos pelas pegadas serem quinze homens que rumaram
em direção da fazenda Baixas, uns doze quilômetros do povoado. Chegamos na
frente da casa da fazenda, nos posicionamos nos currais que ficavam depois do
grande terreiro.
Esperei um
pouco, nenhum movimento ou voz, aí gritei:
" -
Lampião, filho da puta!".
Aí foi tiro
pra todos os lados. Nós eramos apenas cinco. Mas mostramos que nazareno que se
preza, um vale por dez.
Enquanto a
gente amolegava o dedo no gatilho, gritava impropérios. Aí comecei a puxar um
assunto que apoquentava Lampião:
" -
Lampião, bem que Zé Saturnino dizia que você não é homem bosta nenhuma".
Menino, o
cabra ficou mais azedo ainda! Aí gritava mais alto:
" - Num
fale daquele cabra safado. Aquele sim, é um ladrão de bode, desordeiro e
mentiroso".
E tome bala.
Tome gritos. Desaforos. Já eram duas horas da tarde quando resolvemos cair fora
do local da luta. Estávamos com muita sede, pouca munição, os olhos ardendo com
o fedor e o fumaceiro da pólvora, e a vantagem era dos cangaceiros.
Eles, dentro
de casa, com mais homens. Nós, protegidos pela cerca do curral e com apenas
cinco nazarenos. Saímos de fininho. Um a um.
A certa
distância nos encontramos todos os companheiros no ponto previamente combinado
e íamos em direção a Nazaré, com muita fome e sede, mas com vontade de brigar.
De repente vimos chegando ao nosso encontro sete homens, eram eles: meu tio
Gomes Jurubeba, Manoel Flor, Manuel Jurubeba, Euclides Flor, Inocêncio, meu
irmão Olímpio e outro parente. Meu tio foi logo dizendo:
" - Vamos
brigar! "
Comemos uns
pedaços de queijos e rapadura. Tomamos bastante água. Reabastecemos as armas.
Criamos alma nova e partimos mais uma vez pro palco das brigas. Já havia se
passado quase duas horas do primeiro fogo. Agora éramos doze nazarenos.
Ninguém
percebia nossa presença se arrastando rente ao chão, tomando as posições no
mesmo curral para liquidarmos com os cangaceiros que continuavam ocupando a
mesma casa como se nada tivesse acontecido.
De cara vi
logo Lampião.
Estava
meditativo, encostado na janela, alheio ao tempo, com a cabeça nas nuvens.
Fiquei olhando
pra ele e vi, não apenas o cangaceiro meu inimigo, mas o cabra macho que ele
era, altivo, jamais dobrou o lombo pra quem quer que seja.
Tinha palavra.
O que falava era lei.
Cumpria o prometido.
Acima de tudo, era valente.
Ele continuava
vagando nos pensamentos. Aí me organizei pra atirar. Pus a cabeça dele bem
dentro da alça da mira do meu rifle.
Era o fim de
Lampião.
Quando espremi
o dedo no gatilho, vi que estava travada.
Mentalmente
soltei um palavrão.
Fui destravar
a arma silenciosamente, mas teve o " clic "inevitável.
Nesse exato
momento Lampião deu uma cambalhota pra trás, correu ziguezagueando, e nós
atirando no homem que mais parecia um gato acuado fazendo todo tipo de pirueta,
quando chegou no pé da porta da casa, pulou pra dentro numa velocidade
impressionante.
A estas
alturas, os cangaceiros respondiam o tiroteio.
Por um
instante pensei ter eliminado com Lampião. Perdi a ilusão quando escutei sua
voz:
" - Tá
vendo David, todos os homens de Nazaré não vale um só de minha marca".
Aí respondi:
" - Mas
ainda hoje mando você roubar bode no inferno".
Era tanto
palavrão com a gente e com nossas mulheres, que muitas vezes não vale a pena
repetir.
Mas o tiro
corria frouxo. Era uma barafunda infernal.
Os cangaceiros
tanto atiravam como gritavam arremedando os animais, cantando, parecia até que
não tinham medo e a coragem pra brigar ia às bordas da insanidade.
De repente
Pedro Tomáz me puxou pelo braço e mostrou-me meu irmão Olímpio, ferido, com um
tiro na espinha, mesmo no meio das costas. Foi um banho gelado em mim, fiquei
mudo, com medo do pior acontecer.
Sentei-me ao
seu lado, pus sua cabeça na minha perna. Nunca pensei na minha vida vê um irmão
meu naquele estado, deitado no chão, se esvaindo em sangue, dizendo coisa por
coisa. Cada vez mais pálido e gelando. Para desfechar com mais dor este
momento, uma bala lhe atingiu a cabeça, quase me ferindo também.
Fiquei louco.
Não enxerguei mais nada.
Cego de dor e ódio, gritei:
"- Lampião, Olímpio morreu! "
Todo mundo
parou de atirar. Tanto os cangaceiros como nós.
Saltei de
peito aberto pro meio do terreiro, gritando pra o sertão inteiro escutar:
" - Lote
de cangaceiros filhos da puta! Lampião, seus tiros acabou com a vida do meu
irmão. Vamos agora, nós dois, decidir nossas vidas na ponta do punhal. Venha
Lampião, vamos disputar num duelo".
Lampião
calmamente respondeu:
" - Sinto
muito pela vida de Olímpio. Conheci bem de muito tempo. Era um menino, noivo,
trabalhador. Eu, David, comecei a lutar mais novo do que ele, mas nunca disse
que era novinho e bonzinho. Quando mataram meu pai eu tinha a idade do
Olímpio... Quem sai pra chuva vai se molhar. Quem parte pra briga, corre o
risco de morrer".
Voltei a
insistir:
" - Vamos
decidir na faca, só nós dois".
Mais uma vez
recuou:
" -
David, não brigo com quem está querendo morrer.
Você está
desesperado.
Se está
querendo morrer, empurre a faca na sua barriga.
Agora mesmo
estou com dois refles apontados pra você. Se mandar os meninos atirar, eles
atiram. Volte para seu lugar e recomeçaremos a briga".
Sair andando
para minha posição, cada passo que dava era um tiro que disparava em direção a
porta que Lampião estava. Ao chegar no local que me entrincheirava, recomeçou o
tiroteio.
Pouco mais de vinte minutos depois, tomba morto outro dos nossos, foi
Inocêncio. Jovem como Olímpio.
A partir daqui
estávamos com gosto de derrota na boca.
Os tiros não
tinham piedade.
A tarde estava
cedendo lugar pra noite, quando saímos das Baixas levando os dois corpos dos
companheiros, mais do que isso, um irmão e um primo.
Foi luto em
Nazaré e na minha alma, até hoje. Isso foi no ano de 1924, o mês não me recordo
direito, tenho anotado, no óbito e nos documentos, mas não me lembro assim de
cor, só sei que era tempo de safra de umbu.
Do livro:
Lampião, nem herói nem bandido, a história
De: Anildomá Willans de Souza
Geraldo
Antônio de Souza Júnior
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