Cadastrado por Diogo Guedes
Em 'Apagando o
Lampião', o historiador traz dados novos sobre quem teria matado o mais famoso
cangaceiro.
Em alguns de
seus campos, a história pode se parecer bastante com uma investigação. Desde
1970, o historiador Frederico Pernambucano de Mello tentava arranjar meios de
averiguar uma informação que tinha chegado até ele – a de que Antônio Honorato
da Silva, o Honoratinho, não era o verdadeiro responsável por matar o
cangaceiro Lampião durante um tiroteio em 1938. O autor do disparo fatal,
segundo testemunhas, teria sido um outro guarda-costa do aspirante Francisco
Ferreira da Silva, que teria ficado oculto. Então, a partir de 1978, Frederico
começou a tentar entrevistar um companheiro dele, Sebastião Vieira Sandes, o
Santo, que se recusava a falar sobre o assunto.
Quando
visitava Alagoas, o historiador deixava sempre um recado, com esperança de uma
resposta. O máximo que recebeu, através de um parente de Sandes, foi uma recusa
educada e uma garantia de que, se um dia o ex-soldado aceitasse falar sobre o
assunto, o procuraria. Esse dia só veio 25 anos depois, quando Frederico já
quase não alimentava expectativas. A paciência, ainda mais na história, é muita
vezes recompensadora, e a conversa com Sandes gerou uma das principais
revelações do novo livro do autor, Apagando o Lampião: Vida e Morte do Rei do
Cangaço (Global), que vai ser apresentado na próxima segunda (26), com uma
palestra, às 15h, e o lançamento do livro, às 17h, na Academia Pernambucana de
Letras.
Uma das
principais autoridades no cangaço no Brasil, Frederico é autor de títulos como
Guerreiros do Sol e A Estética do Cangaço. Em Apagando o Lampião, o foco é na
morte do principal líder do banditismo no Nordeste, que, na prática, começou a
decretar o fim definitivo do cangaço na região. Mais do que analisar e narrar o
assassinato de Virgulino Ferreira da Silva, o historiador traz novas hipóteses
e dados, defendendo que foi outro o autor do disparo fatal que vitimou o
companheiro de Maria Bonita.
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Quando recebeu
uma ligação de São Paulo, em 2003, com um homem com voz grossa dizendo que se
chamava Sebastião Vieira Sandes, Frederico tinha a certeza que se tratava de um
trote feito por um amigo que conhecia a sua busca. Não era. “Ele dizia que
tinha um aneurisma inoperável, que ia para Alagoas se despedir de parte da sua
família e que estava finalmente disponível para falar. Fui encontrá-lo e gravei
com ele de 8 a 12 de dezembro”, conta o autor.
Na conversa,
Sandes confirmou que, quando tinha 22 anos, foi o responsável por desferir o
tiro que matou Lampião. Não assumiu a responsabilidade por ordem de seu
superior, que sabia dos amigos poderosos do cangaceiro e do risco de vinganças
e não queria um rapaz novo na mira de assassinos. O temor era real:
Honoratinho, que assumiu o feito e chegou a dar entrevistas anos depois sobre o
assunto, terminou assassinado em 1968 quando saía de casa.
Se a conversa
com Sandes aconteceu em 2003, porque o livro só é publicado agora? Frederico
explica: “Sou um historiador muito cauteloso. Tiro até o relógio para
trabalhar, porque não gosto da pressão do tempo. Tento investigar tudo. Para o
historiador, como para a polícia, a confissão não é tudo. Esperei para escrever
porque fui atrás de outros elementos – só concluí o livro quando pude
escrevê-lo com toda segurança”, afirma o autor.
Um dos
elementos foi uma perícia balística. Segundo o relato de Honoratinho, o tiro
que matou Lampião teria vindo de baixo para cima. No testemunho de Sandes,
colhido por Frederico, o disparo havia sido feito no sentido oposto,
descendente. Para comparar as versões, o historiador mandou as fotos do punhal
do cangaceiro, que foi atingido pelo tiro, para o perito Eduardo Makoto Sato,
da Polícia Federal. “Ele aplicou o escaner digital que eles têm e chegou à
conclusão que o tiro foi dado em sentido descendente entre 30 e 38 graus de
inclinação”, revela. A avaliação ajudava a comprovar o relato de Sandes.
Outros
elementos também foram investigados, ajudando Frederico a formar sua convicção
de que a narrativa do guarda-costa mais novo. O historiador conta que, desde a
publicação do livro, surgiram alguns textos que discordam da sua conclusão.
“Mas não houve uma confrontação direta dos dados, porque o estudo é muito
denso”, pondera. “O trabalho do historiador não difere muito do de um delegado
de polícia: se há algo incoerente, você não avança. Avancei porque não havia.
Se alguém quiser impugnar mais adiante, será preciso apresentar também fatos.”
INÍCIO E FIM
Apagando o
Lampião também traz outros avanços relevantes para quem estuda o cangaço.
Frederico aborda, por exemplo, o fato que teria levado Lampião a abraçar o
banditismo, também alvo de controvérsia. “Em 1970, eu gravei em Serra Talhada
com o indivíduo que era declarado por Lampião como seu maior inimigo, José
Saturnino. Eu tive que me cercar de pessoas conhecidas dele, porque ele já
havia mandado muitos pesquisadores voltarem. Ele me revelou que foi a partir do
seu primeiro conflito com Lampião e os irmãos que a aventura de Virgulino com o
cangaço começou. O irmão saiu baleado nas nádegas do encontro. Outros
pesquisadores apontam outros fatos inaugurais que levaram Lampião para esse
caminho, mas as versões não coincidem com o relato de Saturnino”, indica.
O livro também
revela ainda mais sobre a relação de Lampião com o estado e os poderosos. “A
razão, secreta até hoje, para a ida de Lampião para a Bahia, atravessando o São
Francisco, foi um acordo feito com a polícia pernambucana através de um primo
legítimo seu”, aponta Frederico. Chefe de polícia local, Eurico de Souza Leão
mandou pelo parente do cangaceiro o recado para que ele se rendesse ou
atravessasse a fronteira e não voltasse. Após uma derrota mais grave em
Mossoró, Lampião resolveu ganhar uma sobrevida no banditismo partindo para
Bahia em 1928, levando todo dinheiro e ouro que acumulou ao longo de anos.
Outro dado que
o livro – também recheado da poesia popular e da cantoria, fonte importante
sobre os eventos do período – atesta é o plano de Virgulino de partir para
Minas Gerais. O projeto, não realizado, havia surgido de um convite de Farnese
Dias Maciel, irmão do então governador do estado, que queria que o cangaceiro
combatesse a família Borges, sua inimiga. “Ao morrer, ele morre sonhando com
Minas Gerais”, conta Frederico.
https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2019/08/24/a-morte-de-lampiao-dissecada-por-frederico-pernambucano-de-mello--386439.php
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