Por: cabo Francisco Carlos Jorge de Oliveira
“Algumas hipóteses”
Nordeste brasileiro 06 de janeiro de
1918 14: 30h, como sempre o sol apresentava-se
luzindo ardente e implacável
num céu
azul sem nuvens, e um
mormaço cálido sufocante pairava sobre a mesorregião do São Francisco
pernambucano, tarde de verão estava
findando o dia de Santos Reis, era época da colheita do algodão. Virgulino
Ferreira da Silva, seu primo Domingos
Paulo e mais dois rapazes
parentes por parte de seu pai, vinham de Poço do Negro fazenda próxima a Nazaré do Pico, pois estavam na casa de seu
genitor onde participavam de uma festa em comemoração ao dia de Reis.
Virgulino já vivia foragido, pois o
mesmo ainda era parcialmente um cangaceiro, ele já havia participado de vários
confrontos com a polícia devido ás
constantes contendas em represália ao clã de Zé Saturnino inimigo número um de
sua família. O grupo encontrava-se bem
armado e equipado, também traziam consigo três cestos repletos de
alimentos que sobraram do farto festejo religioso, eles conduziam uma carroça de rodas de madeira
puxada por um burrão preto com destino a Floresta, trafegavam por um carreador
estreito que tangenciava uma grande roça de algodão. Ah! Que maravilha! Parecia
ter nevado no sertão, pois a alvura das caxetas abertas assemelhavam-se a um enorme lençol de casal cobrindo um
imenso leito de amor, Virguluno
fascinado diante de tanta beleza ainda repleto de inspiração fez até fez uma modesta e significativa poesia em
forma de repente, mais ou menos assim:
Meu querido
Pernambuco, meu adorado sertão.
Quero eu quando morrer, numa rede ou num caixão.
Ser enterrado
na roça, no meio da plantação.
De feijão,
milho e arroz, ou na lavoura de algodão.
Cor do véu da
Virgem Maria, do mais puro coração.
Isto foi concomitante, quando Virgulino
acabou o último verso surge numa curva um velho magricelo de chapéu preto trajando uma túnica negra
surrada, seus cabelos e barbas eram brancos
e longos misturando-se com a brancura do algodoal, trazia no pescoço um
colar com vários patuás e nos ombros dois bornais cruzados a tiracolo, estava
calçado com sandálias de couro e
segurava na mão esquerda um cajado com muitos
adornos coloridos e na outra mão, uma cruz com a imagem de São Sebastião
e assim num gesto brusco; ele saltou e
se posicionou bem na frente da carroça, erguendo as mãos num brado em voz autoritária disse:
- Bem aventurados são os filhos de Deus!
De susto o
burro quase tomba a carroça e por pouco Virgulino não alveja o velho com seu rifle papo amarelo
mais depois de passar o susto o velho se aproxima e com voz meiga diz:
- Sou o
beato Geromim, e assim como o vento não tenho morada, vivo peregrinando por
estes sertões de dia e de noite, vagando e rezando nos cemitérios e também
pelas almas dos infelizes das cruzes que
encontro à beira das estradas, é minha sina meus filhos; agora dê-me o que comer e beber em nome do Santo São Sebastião.
Virgulino ainda lívido pelo
sobressalto, diz ao velho beato solitário:
- Pra onde o sinhô vai Santo homem
di Deus?
E o beato respondeu:
- Vou pra onde o destino mi leva, meu filho.
Daí
então o futuro “Rei do Cangaço” tira o alimento dos cestos e lhe dá uma paleta de cabrito já assada com um pedaço de pão, o velho errante se sacia
com avidez e ao mesmo tempo abençoa o
grupo; Virgulino convida o homem devoto a seguir com eles até mais uma quarta de légua adiante
bem próximo a um olho d’água, pois lá
eles iriam se alimentar e pernoitar. O velho aceita; e esboçando
um sorriso sobe na carroça, seguindo faustos ambos ouvindo as profecias do santo viandante até
chegarem ao local predestinado.
Quando o grupo chegou ao
supracitado lugar, o sol escarlate num moroso declínio, já se
desprendia purpúreo no horizonte
rubro das caatingas, Virgulino pegou o facão e foi atrás de madeira para uma
fogueira, seu primo Domingos desarreou os animais e os levou para beber água,
enquanto um dos rapazes armava as redes,
o outro foi preparar a alimentação. O velho tirou os embornais e os pendurou num
galho de umbu, e deixando o cajado encostado na mesma árvore, seguiu subindo até o alto de uma elevação rochosa,
onde fincando a cruz em seu cume rezou,
e rezou até a noite chegar.
No momento em que estavam se
alimentando sentados ao redor da fogueira, o velho beato aproximou-se
assentando bem defronte a Virgulino, e ali comeu calado e todos permaneceram calados. Domingos pegando seu
rifle quebrou o silêncio dizendo:
- Vão todos dormir que eu fico com o primeiro
turno de guarda.
E no átimo velho retrucou:
- Não! Não é preciso, todos podem
descansar tranquilos que nesta noite não vai acontecer nada, e assim foi feito.
O tempo passava e Virgulino sem sono permanecia acordado junto à fogueira, mas
quando se aproximava a hora zero, de repente o velho se levanta e diz em alta
voz acordando a todos:
- Virgulino Ferreira da Silva filho de José Ferreira da
Silva e dona Maria Lopes de Oliveira, você é um homem bom e justo, você vai ter
muitas tristezas e também passará por muitos perigos e dificuldades, mas Deus
vai lhe guardar até seu dia chegar, e ate lá você vai fazer infinita justiça
neste sertão sem lei, você será a luz do povo sertanejo, você brilhará como a
luz de um “lampião’’ pelas caatingas desta terra que é sua!
Neste instante
todos contemplam um inesperado relâmpago que corta o horizonte de ponta a ponta
num céu límpido e estrelado. em seguida no silêncio da noite escura ouve-se o
fragor de um imenso trovão que ecoa pelo vale afora, no mesmo momento uma rasga
mortalha assustada cruza o acampamento crocitando seu canto soturno e
intimidador. Todos permanecem perplexos e calados, e após a tal profecia, o
velho se aconchega sobre a relva macia e adormece, e nas redes todos os jovens,
exceto Virgulino; vencidos pelo cansaço ferram no sono.
No alvorecer do dia seguinte antes
da juriti despertar o sertão, Virgulino ateia as brasas do borralho da extinta
fogueira e faz um delicioso café, Domingos e os outros dois companheiros também
chegam ali para o desjejum. O dia começa a clarear quando um dos rapazes diz:
- Olhem todos, o velho sumiu! Sim ele foi embora sem deixar vestígios.
Virgolino ficou encafifado com a
revelação do beato, e matutava consigo mesmo:
- Mas como pode se ele não me
conhecia, como é que sabia o nome dos meus pais?
Nisso seu primo Domingos que
já havia preparado tudo para a viagem, disse:
- Tá tudo pronto! Vamos embora
“Lampião.
Os dois rapazes sorriram, mas Virgulino não respondeu, só fechou a
cara e carrancudo subiu na carroça.
CONTINUA...
Enviado
pelo autor
Francisco
Carlos Jorge de Oliveira é pesquisador e cabo da Polícia Militar no Estado do
Paraná.
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