Clerisvaldo
B. Chaga, 1º de dezembro de 2011 -Não tem o número da Crônica
07.08.1938. Santana/Piranhas
(AL) “Três ou quatro dias após a remessa das cabeças para Maceió, chegava a
Santana uma caravana da Faculdade de Direito do Recife, composta dos acadêmicos
Alfredo Pessoa de Lima, Haroldo Melo, Décio de Souza Valença, Elísio Caribé,
Plínio de Souza e Wandnkolk Wanderley, todos em excursão e desejando ir
diretamente a Angicos.Coincidiu que estavam chegando notícias de que os abutres
(urubus) viviam sobrevoando o local do combate, sinal de que os corpos não
haviam sido bem sepultados.
O
Tenente-Coronel Lucena resolveu então formar uma caravana com os acadêmicos e
me disse que eu teria de acompanhá-los, menos como sargento do Batalhão, do que
como correspondente do Jornal de Alagoas. Partimos, então para Angicos no dia 7
de agosto – (‘O Jornal nos Municípios’, Jornal de Alagoas de 188.38).
‘Com a chegada
dos acadêmicos do Recife, tivemos de ir com eles a Angicos, local do combate,
lá sepultar os corpos deixados à toa. Encontramo-los já meio
ressecados, amarelecidos, a pele agarrada no osso como se a carne houvesse
fugido. Já não tinham pelos e era difícil a identificação. À vista daqueles, em
plena caatinga, o acadêmico Alfredo Pessoa fez um discurso capaz de comover até
mocós e preás que andassem por ali. E só então tive uma pequena ideia da
atrocidade da decapitação. Um corpo sem cabeça, onze corpos sem cabeça e o
discurso do Pessoa: que coisa de arrepiar cabelos! (FRUTA DE PALMA, 168).’
Na realidade
os corpos não haviam sido sepultados. Ficaram ali mesmo no leito do córrego,
cheio de pedregulho. Amontoado os onze, a tropa havia simplesmente feito um
montão de pedras por cima. Além de ser difícil cavar sepultura ali, a gana de
Bezerra e de seus comandados pelos troféus dos cangaceiros lhes havia retirado
todo o restinho de senso humano que possuíssem.
Ficamos ali
quase um meio dia, a cavar uma vala comum no mesmo local, pois não havia
condições de conduzir aqueles pedaços de gente para parte alguma fora do
córrego.
O célebre
coiteiro Pedro Cândido era integrante da Caravana e, além de nos descrever as
principais fases do combate que ele engendrara, mostrou-nos o corpo de Lampião,
da mesma forma identificado por três ou quatro pessoas que integravam a
caravana e que também conheciam detalhes físicos do Rei do Cangaço.
Se não foi a
única (e não foi), foi uma das poucas vezes em que observei emoções no rosto do
Tenente-Coronel Lucena: ao ouvir o discurso do acadêmico, encarando os pedaços
de Lampião.
Olho d’Água das Flores é uma cidade do semi-árido alagoano. Pela fertilidade de
suas terras, era grande produtora de feijão, milho, mamona, algodão e mandioca.
Pertencente a Santana do Ipanema nos tempos de vila e possuindo pequeno
comércio regular, aquela urbe atraía a atenção de atravessadores e
caixeiros-viajantes. Situada ao pé da serra do Gavião, o lugar sempre foi “bom
chovedor” e de lençol freático à flor da terra.
Virgulino Ferreira da Silva, nas suas andanças incansáveis pelos sertões
nordestinos, sempre pensava em Alagoas como alvo das suas estripulias. Esta
afirmação é proveniente do fato de que a “Terra dos Marechais” era, no período
1920-40, o estado mais rico do Nordeste. Assim como Matinha de Água Branca e
Mata Grande tinham sido alvos de bandos de cangaceiros, Olho d’Água das Flores
também não iria ficar fora da sanha destruidora de Virgulino. Na era de 20,
após a frustração que teve em Juazeiro do Norte com o caso da pseuda patente de
capitão, o chefe do bando desceu com sua fúria para o território alagoano. Após
observar de longe a Coluna Prestes, desistir de persegui-la e recolher-se a sua
ira, o chefe ensandecido atropelou o estado das Alagoas, cujo governador era o
também famoso Costa Rego. Foi assim que Lampião invadiu a vila de Olho d’Água
cometendo atos severos e repugnantes. Mas antes Lampião não conhecia “Vinte e
Cinco”.
“Vinte e Cinco” era um doido que havia na vila de Olho d’Água das Flores,
segundo informações de um comerciante de bar daquele município. Lenda ou
Verdade ficou registrado o caso folclórico e pitoresco colhido pelo pesquisador
nos primeiros anos do século XXI naquele próspero núcleo urbano. “Vinte e
Cinco”, o maluco, perambulava livremente pelas ruas da vila de Olho d’Água num
dia de feriado. População recolhida em casa ou nos sítios na periferia, não
tinha conhecimento de que a vila corria perigo. Virgulino estava nas imediações
pronto para dar o bote. Amoitado, ansioso, arisco, o cabeça queria informações.
Lá longe, na curva da estrada, surgiu uma figura masculina que se aproximava do
bando. Faquinha de cabo preto deslizando na palha do cigarro, andar cambaio,
aió a tiracolo, o sujeito levou um susto desgraçado quando surgiram àqueles
homens de dentro do mato, armados até os dentes.
— Bom dia, vem da vila dos Ói d’Água?
A intuição do homem não falhou ao reconhecer o tal Lampião. Gaguejou mas
respondeu:
— Bom dia, venho sim senhor.
— Tem muitos macacos (soldados) na Rua?
E o pobre homem, tremendo de medo e sem malícia, falou timidamente:
— Não senhor, na rua só tem “Vinte e Cinco”.
Lampião que só contava no momento com doze homens olhou para os companheiros,
pensou e disse:
— Vamo simbora, pessoá! Outro dia nós invade os Ói d’Água das Fulô.
Um tiro sequer foi disparado. E foi assim que um doido chamado “Vinte e Cinco”
salvou a vila de Olho d’Água das Flores. Um doido não, um herói. Pelo menos
medalha de lata no peito merecia.
Dizem que jogo
de azar é coisa do demônio. É coisa do demônio porque vicia, porque defrauda,
porque desagrega, porque desmoraliza, porque induz ao suicídio. Quem avalia os
vícios da bebida, do fumo e do jogo, costuma colocar o último como o pior de
todos por causa dos motivos expostos acima. Entre as várias modalidades do
jogo, está o carteado. Neste sistema, o colorido das cartas, a tensão e o
silêncio impregnam o ambiente como se os jogadores fossem almas do outro mundo,
duendes, fantasmas, seres diáfanos num encontro de surdina enigmática. Os que
não apreciam a jogatina, dizem que o inimigo está ali presente comandando a
mesa.
No Nordeste
brasileiro existem aqueles que gostam de coisas prazerosas como ouvir programas
de repentistas. (Repentistas são encantadores de gente). A inteligência, a
métrica perfeita, o pensamento ágil, a diversidade criativa, o rebate
sensacional, cativam para sempre na cultura popular. Quando as cordas da viola
iniciam o baião cadenciado, sonoroso, arrebatador, provocam um êxtase e uma
perspectiva no ouvinte ávido por coisas novas, criadas na hora, saboreadas nas
rimas magistrais dos violeiros.
Entre os
apreciadores do jogo e do repente, estava o funcionário público federal,
aposentado, José Maximiliano, em Santana do Ipanema, Alagoas. Baixinho e de
gênio irascível, José também tinha veia poética, escrevia alguma coisa e
recitava versos aprendidos para os camaradas.
Duas ocasiões
de Maximiliano são contadas pelo charadista e enxadrista famoso Antonio
Honorato, conhecido simplesmente por Tonho de Macelon. Também de veia poética,
e dono de bar, Tonho mantinha o ponto de encontro da boêmia santanense e dos
fanáticos por futebol na era de 50. Tonho de Macelon também freqüentava as
mesas de jogo nos fundos do bar de sinuca de Manoel Barros no comércio
santanense.
Como primeira
observação do Tonho, José Maximiliano, ao perder bastante no baralho, deixou o
antro pela madrugada, machucado e desesperado por dentro, parou na calçada,
olhou o tempo e disse: “Eu só queria que um bicho me comesse antes de chegar em
casa”.
Havia um
programa radiofônico intitulado “Onde está o poeta?” Maximiliano era ouvinte
assíduo do programa. Certa feita, mais uma vez perdendo no jogo e mal humorado,
teve a surpresa de ouvir bem pertinho da orelha palavras macias de Tonho
Macelon que acabava de chegar: “onde está o poeta?” E José Maximiliano, doente
com o jogo, fulo com a intervenção, descontou de vez o acumulado da madrugada.
Aplicou dois murros bem criados na mesa velha de cedro, virou-se para o
interveniente, lançou dois olhares de fogo e raiva, e como resposta quente,
seca e rápida, atirou o rojão como resposta: “Está no rabo da mãe, seu filho de
uma puta!”
Tonho correu
para longe e descontou apenas com um riso catita, um riso amarelo, riso de
mangação dos desenhos animados.
Com o tema “O Sertão vai virar arte”, a I FLICAN - Feira Literária de Canudos celebra os 122 anos da Guerra de Canudos, um dos acontecimentos mais importantes da história do Brasil, quando homenageará , Antônio Conselheiro e Euclides da Cunha. O organizador da Feira, professor Luiz Paulo Neiva, destacou a importância da realização do evento para o movimento da economia e turismo, ainda pouco explorado na região. “Esse evento é fundamental para celebração do livro, da literatura, da cultura e da arte. Aqui o público vai encontrar uma programação rica, com forte compromisso de preservação da memória, da história desse lugar e da cultura regional”, ressaltou o organizador.
Bruno Paulino, Oleone Fontes, Zé Bezerra e Pedro Igor
Representam Oficialmente o Cariri Cangaço na I FLICAN
O Cariri Cangaço estará representado oficialmente pelos escritores Bruno Paulino, Oleone Coelho Fontes, José Bezerra Lima Irmão e ainda pelo produtor cultural Pedro Igor Pimentel, quando na oportunidade estarão entregando a curadoria do evento, Diploma do Cariri Cangaço celebrando a realização da I FLICAN.
A programação da FLICAN apresentará conferências, mesas de conversa e debates, apresentações artísticas , lançamento de livros, visitas técnicas, teatro, exposições, filmes e shows, que terão como pano de fundo a cultura sertaneja. Um dos destaques será a conferência “As sete faces de Antônio Conselheiro”, na abertura do encontro, com professor Leopoldo Bernucci, da Universidade da Califórnia (UC-Davis) no Espaço Edivaldo Boaventura.
Os públicos infantil e juvenil também sera contemplado pela programação; com a Flicanzinha, que reunirá música, encenação, contação de histórias, atividades lúdicas e educativas e ainda tendas culturais, oficinas de robótica, produção textual e audiovisual, além da participação de estudantes de seis escolas da região, que apresentarão repertório artístico e científico, inspirados em Canudos e no sertão.
A FLICAN tem o apoio do Centro de Estudos Euclydes da Cunha (CEEC) da UNEB, da Prefeitura Municipal de Canudos, das secretarias estaduais de Educação (SEC), da Cultura (Secult), da Justiça e Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), também apoiam a iniciativa a Fundação Pedro Calmon, a Universidade do Sudoeste da Bahia (Uesb), a Universidade Católica de Salvador (Ucsal) e do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC).
I FLICAN Feira Literária de Canudos 21 a 24 de Novembro de 2019
Pedro e Luana Barbosa, Manoel Severo e Ingrid Rebouças e Gabriel Barbosa
Aconteceu na noite desta terça-feira, dia 19 de novembro de 2019; no Plenário 13 de Maio; da Assembléia Legislativa do estado do Ceará, Sessão Solene celebrando o Dia da Literatura Cearense; a solenidade atendeu requerimento do deputado Heitor Férrer , subscrito pelos parlamentares Carlos Felipe e Manoel Duca da Silveira. O Dia da Literatura Cearense é celebrado em 17 de novembro, criado para festejar a data do nascimento da escritora e romancista cearense Rachel de Queiroz.
A Sessão Solene homenageou várias personalidades do universo literário cearense, dentre esses, o Curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo Barbosa, que ressaltou:"Realmente é uma noite memorável. Na verdade, representamos nesta Assembléia todos os valorosos pesquisadores e escritores que fazem nosso Cariri Cangaço de todo o Brasil; grandes responsáveis pelos incríveis lançamentos de 76 novas obras literárias sobre temáticas voltadas para a memoria, historia e tradições nordestinas, tornando o Cariri Cangaço uma das mais exitosas iniciativas do gênero no Brasil."
Em suas palavras o deputado Heitor Férrer lembrou que a literatura brasileira, como tudo mais na formação de nossa sociedade, surgiu como herança do mundo português. O parlamentar comentou ainda sua posterior emancipação literária, apontando seu crescimento no contexto das demais literaturas, sobretudo em termos de América Latina:“No seio desta assoma, sem dúvida, a literatura cearense, que desde os Outeiros – passando pela Padaria Espiritual e uma dezena mais de grupos e entidades literárias, como a pioneira Academia Cearense de Letras, de 1894 – tem legado ao presente uma produção literária de respeitabilidade, por intermédio de nomes que tanto ontem como hoje alcançaram legítima preeminência no contexto local e nacional”, destacou.
Público lotou o plenário 13 de Maio em Fortaleza
Bruno Paulino, Pedro Igor e Manoel Severo
Maria Ósia Carvalho ao lado de Manoel Severo e Ingrid Rebouças
Paulo Neves, Arnaldo Nogueira, Francisco Moura e Moreira Lopes
Entre os homenageados; além do curador do Cariri Cangaço Manoel Severo Barbosa; estavam: Os escritores Bruno Paulino, Ary Bezerra Leite, Juarez Leitão, Luiz Carlos Paulino, Lineu Jucá, Odaílson da Silva, as escritoras Rejane Costa, Maria Ósia, Oneida Pinheiro, dentre muitas outras personalidades da vida literária cearense.
Dr Herton Cabral, Professor Carlos Alberto Carneiro, Tomaz Cisne, Manoel Severo,
Joaquim Furtado e Arnaldo Nogueira
Professor Carlos Alberto Carneiro, Manoel Severo e Dr Herton Cabral
Barros Alves, Ósia Carvalho e Manoel Severo
O escritor e sócio efetivo da Academia Cearense de Médicos Escritores, Luiz Gonzaga de Moura Júnior, salientou a figura de Patativa do Assaré como uma das maiores expressões da literatura cearense, tendo sido inclusive estudado na Universidade de Sorbonne, em Paris. Luiz Gonzaga também frisou que os escritores “parecem ter seu cerne mais envolvido com as dores e os amores da população”, incluindo neste contexto os médicos e ressaltando a existência da Academia Cearense de Médicos Escritores.
Manoel Severo e Ingrid Rebouças
Luiz Carlos Paulino, Zé Wilson Paulino e Manoel Severo
Zé Wilson, Bruno Paulino, Heitor Ferrer e Luiz Carlos
Ary Bezerra Leite
Já o poeta Juarez Leitão, que falou em nome de todos os homenageados, enfatizou que a literatura acolhe os filhos da paixão. “Não apenas os tristes e os abandonados, mas todos os que têm como massa de trabalho as forças do afeto e a alma cheia de claridades”.
Silas Falcão , Bruno Paulino e Antônio Miranda
Francisco Almeida, Manoel Severo e Francisco Moura
Pedro Igor, Manoel Severo , Presidente da Câmara Municipal de Quixeramobim Idelbrando Rocha, Bruno Paulino, Vereador José Wilson Paulino e Silas Falcão.
Também estiveram presentes na solenidade o presidente da Sociedade Brasileira dos Médicos Escritores – Regional Ceará, Marcelo Gurgel; o presidente da Academia Cearense de Cinema, Régis Frota; o presidente da Academia Cearense Evangélica de Letras (Alace), Francisco Alves de Alencar; a presidente da Academia de Letras Juvenal Galeno, Maria Linda Lemos Bezerra; o presidente da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ), Reginaldo Vasconcelos, e o economista, professor e escritor Pedro Sisnando Leite, representando o Instituto do Ceará. Dia da Literatura Cearense Assembléia Legislativa do Ceara 19 de Novembro de 2019
Antigo
cemitério localizado na região da Serra Vermelha no município pernambucano de
Serra Talhada onde está enterrado José Alves de Barros o "Zé
Saturnino", primeiro inimigo de Lampião.
Esta foto
abaixo foi tirada em 1899, 11 anos após a abolição. Em 1920, Monteiro Lobato
publica o conto Negrinha, 32 anos após a abolição. O conto narra a estória de
Negrinha, uma menina órfã. Sua mãe era escrava de D. Inácia, a senhora que o
narrador ironicamente apresenta como "boa senhora católica". Como a
mãe de Negrinha era escrava, a criança nasce na senzala. O narrador descreve a
criança como "mulatinha escura, olhos assustados e cabelos ruços". Em
13 de maio de 1888 ocorre a abolição. Mas, como a mãe de Negrinha não tinha pra
onde ir, não havia outra saída a não ser ficar na fazenda da sinhá trabalhando
por um prato de comida. A criança se escondia da D. Inácia nos cantos sujos da
cozinha. A mãe de Negrinha falece e D. Inácia passa a cuidar da menina. Como a
senhora é viúva, nunca tolerou choro de criança. Em pleno 1920, D. Inácia ainda
não se conformava com a abolição, e permanecia com a menina apenas para
"matar a saudade dos velhos tempos", espancando a menina. A garota
tinha pelo corpo vergões, cicatrizes e sinais de maus tratos. Certa vez, uma
empregada de D. Inácia roubou a carne do prato de Negrinha. A criança, com
raiva, esbravejou todos os nomes com que era tratada: DIABA, LIXO, SUJEIRA,
CACHORRA... Após saber do ocorrido, a "boa senhora católica cidadã de
bem" para castigar a menina, obriga a criança engolir um ovo cozido,
pelando, tampando a boca da menina para que o padre, que a visitava, não
ouvesse os gritos. Ao chegar Dezembro e as festas de fim de ano, chega de
férias as sobrinhas de D. Inácia. Negrinha é convidada a se juntar para
participar das brincadeiras. Negrinha estava encantada com tantos brinquedos:
boneca loira que fala mamã, cavalo de pau... Mas, para o terror de Negrinha, D.
Inácia aparece. Surpreendentemente a "boa senhora católica" sorrir e
deixa a criança em paz. Nesse momento, Negrinha identifica um mundo diferente
onde é possível sorrir, brincar, sonhar. Por um momento, a criança passou a não
se preocupar com ovo pelando na boca, cascudos e beliscões. Mas as férias acabam,
passa-se o natal e o ano novo, e chega novamente as aulas. As sobrinhas de D.
Inácia vão embora. Negrinha cai em depressão. Depois de conhecer um mundo de
alegria, a criança percebe que aquele mundo de sonhos, não é pra ela. A menina
adoece e morre, sozinha na esteira, sonhando com bonecas loiras e anjos. Apenas
duas lembranças ficaram da menina: a recordação das sobrinhas que lembravam da
"menina boba que nunca viu uma boneca", e a saudade da velha senhora
que perdeu seu brinquedo para saciar seu sadismo.
Análise:
Através deste conto, podemos ver que a lei 3.353 de 13 de maio de 1888 que
tornou ilegal a escravidão não surtiu muito efeito. A abolição da escravatura
não veio acompanhada de políticas públicas para inserir essas pessoas na
sociedade. Aliás, a sociedade não queria integrar essas pessoas. E muito menos
o Estado que fortaleceu a desigualdade racial. É preciso esclarecer que o foco
principal da crítica de Monteiro Lobato neste conto, não é ao racismo, até
porque o escritor era racista. Monteiro Lobato estava criticando uma sociedade
que mesmo 32 anos após (1920) ainda não aceitava o fim da escravidão. Monteiro
Lobato criticava uma elite retrógrada, presa ao passado, e esta elite que é
contra o progresso é representada na pessoa da D. Inácia. 130 anos após a
abolição, o Brasil ainda possui a elite do atraso, uma elite que ainda tem
saudade da escravidão. Eu conheci senhoras que foram as ruas protestar contra o
governo por causa da PEC das Empregadas Domésticas. Ainda temos uma elite do
atraso, uma elite retrógrada que é contra o progresso, e ainda quer manter a
velha estrutura que é um entulho da escravidão: Sinhá X Escrava.
Obrigado, Devanier Lopes. João De
Sousa Lima é uma pessoa sensacional. Não só com a gente, familiares,
mas com todos. Esse é o tipo de visita que deixa saudades.
Hoje, provavelmente,
o historiador fará uma palestra na cidade de Itapetim, PE. Voltará para São
José do Egito, PE, e na sexta-feira pela manhã, seguirá para Campina Grande,
PB, aonde participará do grandioso evento sobre o tema cangaço na "Vila
Sítio João" que se realizará entre os dias 22 à 24 do corrente.
Ao estudar a "Literatura Lampiônica" a maior parte de estudantes principiantes no que diz respeito ao tema, fica com dúvidas quando encontra em determinada data, o cangaceiro tal já assassinado, e mais adianta, em outro texto encontra o cangaceiro em plena atividade de crime.
A razão disto é porque quando um cangaceiro valente era assassinado pelas volantes, para confundir a polícia, o capitão Lampião repassava o apelido daquele cangaceiro, ou para principiantes ou para algum que já fazia parte da sua "Empresa de Cangaceiros Lampiônica & Cia". É o caso dos cangaceiros como:
Jararaca que foi morto em Mossoró, mas antes dele já existia o Jararaca I, e com a morte deste foi colocado o apelido no cangaceiro José Leite de Santana. Quando este desapareceu do mundo e do grupo de Lampião, batizou um outro com o apelido de Jararaca.
Cangaceiro com o nome de Candeeiro existiram dois, muito embora tenha tido mais outro que eu não tomei conhecimento.
Segundo o pesquisador Manoel Belarmino existiram mais cangaceiros com o apelido de Azulão:
Palavras do Manoel Belarmino:
"Um deles era o Luiz de
Maurício como era conhecido antes de entrar no Cangaço, Luiz José da Silva,
natural de Poço Redondo, nascido e criado no quilombo Serra da Guia, foi o
Azulão do Bando de Lampião. Como no Cangaço de Lampião existiu mais de um
cangaceiro com o nome de Azulão, o Azulão da Guia foi o terceiro do bando de
Lampião.
Segundo alguns
pesquisadores Azulão da Guia entrou no cangaço em 1934, e atuou no grupo de Zé
Sereno. Estava naquela madrugada do dia 28 de julho de 1038, e escapou com vida.
Depois da
chacina de Angico Azulão da Guia entregou-se à polícia na cidade de Jeremoabo
no mês de outubro de 1938, sendo condenado a 30 anos de prisão. Cumpriu 19 anos, a pena foi indultada em 06 de novembro de 1957. Azulão da Guia saiu da cadeia com a idade avançada, aos 68 anos de idade".
Luiza Franco - @luizavmfDa BBC News Brasil em São Paulo
Dona de uma "personalidade espevitada", Maria Bonita - que, em vida, era conhecida como Maria de Déa - era uma mulher empoderada, transgressora, bem-humorada e "um tipo meio canalha". Mas apesar de estar "à frente do seu tempo", não se incomodava com a opressão em que viviam suas colegas de cangaço e apoiava que mulheres adúlteras fossem assassinadas.
É assim que a jornalista Adriana Negreiros retrata a cangaceira, que acaba de biografar em Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva). O livro conta a história do cangaço dando destaque às mulheres e aos relatos que fizeram sobre como era a vida no bando de Lampião. "Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema como as histórias delas eram desqualificadas", diz Negreiros.
Maria Gomes de Oliveira (1910 - 1938) era uma dona de casa casada quando começou a namorar Lampião, em 1929, e decidiu juntar-se ao bando no ano seguinte, tornando-se a primeira mulher do grupo. Seria uma das poucas a tornar-se cangaceira por vontade própria - muitas foram raptadas.
Ela acabou morta junto com Lampião e outros membros do bando num ataque das forças de segurança a um acampamento onde pernoitavam. Foi decapitada e, assim como os demais, sua cabeça foi exposta diante da Prefeitura de Piranhas (AL).
O livro também se esforça para desfazer a imagem de Lampião como o "Robin Hood do sertão", disseminada na mídia e por movimentos de esquerda da época. "Ele era aliado dos grandes latifundiários do Nordeste e era amigo de um interventor. O fato de ter passado impune tantos anos se deve à relação que tinha com o poder. Os grandes prejudicados eram os mais pobres."
Adriana é jornalista e trabalhou nas revistas Veja, Cláudia e Playboy. A seguir, veja trechos da entrevista com a autora:
BBC News Brasil - Como surgiu a ideia de escrever uma biografia de Maria Bonita?
Adriana Negreiros - Sempre tive muito interesse no cangaço. Sou nordestina, do Ceará. Minha família é de Mossoró, a única cidade que conseguiu expulsar Lampião. Isso foi um marco na história do cangaço e é lembrado até hoje.
Assim como muitas mulheres, eu estava vivendo a onda feminista. Minha geração está muito acostumada a ver homens no poder. Muita coisa foi naturalizada e agora estamos questionando. Quis contar a história do cangaço da perspectiva das mulheres. Lampião é uma figura exuberante, mas tinha um monte de mulheres que participaram do cangaço e que foram totalmente ignoradas.
BBC News Brasil - A imagem que tinha dela antes de escrever o livro mudou?
Negreiros - Sim. Tinha uma visão muito mitificada. Quando pensamos nela, imaginamos uma mulher guerreira, que pega em armas. Não sabia que as cangaceiras não pegavam em armas. Havia uma diferença entre o espaço das mulheres e dos homens. Elas tinham uma função doméstica, ainda que não tivessem casa. Quem brilhava no espaço público eram os cangaceiros. Elas eram coadjuvantes. A maioria nem sabia atirar.
BBC News Brasil - Em que sentido diria que ela foi uma mulher transgressora?
Negreiros - Diferentemente da maioria das cangaceiras, ela entrou para o bando porque quis. Era empoderada para seu tempo e para aquele lugar. Vivia no sertão, nos anos 1920. Era uma mulher casada, de quem se esperava obediência ao marido. O Código Civil da época previa isso - a mulher precisava de autorização do marido para trabalhar. No entanto, ela era muito infeliz no casamento. O marido era um fanfarrão, não era presente, nem muito viril. Ela se sentia sexualmente insatisfeita com ele. Há indícios de que ela tinha um amante.
Quando ficava de saco cheio do marido, não ia chorar pelos cantos, ia para o forró, dançar. Tinha uma personalidade mais espevitada mesmo. Ela era transgressora do ponto de vista do comportamento, era corajosa nesse aspecto. Era muito bem-humorada, não estava nem aí para o pensassem dela. Não se levava a sério. Se quisessem caçoar dela, ela estava pouco se lixando. (...) Ela falava alto, ria muito, era um tipo meio canalha, gosto disso nela.
Dadá (a cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva) também é muito interessante. Foi raptada (pelo cangaceiro Corisco), mas mais tarde disse que o amava. Acho que era uma estratégia de sobrevivência. Se adaptou à situação. Isso deu a ela um papel de protagonismo. Os homens a obedeciam, mas não achavam aquilo muito certo. Mas ela foi uma sobrevivente.
BBC News Brasil - Por um lado, Maria Bonita agiu a favor da própria liberdade. Por outro lado reproduzia o machismo violento dos homens. Dá para dizer que ela era feminista?
Negreiros - Não. Era transgressora, à frente do seu tempo, mas não tinha consciência política, de gênero. Não se mostrava incomodada com a situação de opressão contra as mulheres. O conceito de sororidade passava longe ali. As mulheres não protegiam umas às outras.
O código de conduta era totalmente machista. Uma mulher que cometesse um adultério era morta; o homem, não. As mulheres até incentivavam que as outras fossem punidas. Havia suspeita de que (a cangaceira) Cristina, por exemplo, tivesse um caso com outro cangaceiro. Maria foi uma das que mais apoiou que ela fosse morta, como ela de fato foi.
BBC News Brasil - A imagem que se tem dela é que entrou para o cangaço por amor a Lampião. Acha que foi isso mesmo que a motivou?
Negreiros - Amor é demais. Nem conhecia bem ele. Mas ele era a grande celebridade naquela época. Era um astro, um machão, tinha dinheiro, era um valentão. Do lado dele ela se sentiria segura. Isso tudo a atraiu.
(O escritor) Ariano Suassuna fala que eram figuras extraordinárias, almas grandes. Ele tem admiração especialmente pela Maria. Ele fala que acha que ela se apaixonou por um cara que era um rei, um homem que iria salvar ela daquela vidinha pequena, de um marido que não dava conta do recado, que não dava atenção a ela. Uma vida à mercê de uma série de violências. Viu a possibilidade de segurança e notoriedade ao lado dele. Isso foi virando um sentimento que podemos chamar de amor. Era uma relação afetuosa.
BBC News Brasil - Você diz no livro que, durante a pesquisa, viu que os relatos das mulheres sobre o cangaço eram constantemente questionados. Como era isso?
Negreiros - Isso me chocou muito. Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema que as histórias delas eram desqualificadas. Muitas delas entraram no cangaço não porque quiseram, mas porque foram obrigadas. Foram raptadas. Não foi uma opção. Eu comentava com as pessoas essas questões que muito me chocavam - de abandono dos filhos, por exemplo (após darem à luz, mulheres do cangaço eram obrigadas a entregar os filhos para outras famílias) - e ouvia as pessoas relativizando, dizendo "será que foi isso mesmo"?
Dadá, por exemplo, foi raptada pelo Corisco, mas as pessoas diziam que não era bem assim. Eu pensava "como uma menina de 12 anos vai escolher ser raptada, estuprada e ir morar no mato, passando fome e sede, sem nunca mais ver os pais?".
Quer dizer, mesmo quando elas têm voz (Dadá deu muitas entrevistas depois de deixar a prisão), a voz delas é silenciada, sobretudo quando diz respeito a violências que sofreram. Essa é uma lógica que persiste até hoje.
BBC News Brasil - E muitas delas eram ignoradas nas narrativas da época...
Negreiros - Sim. Li praticamente tudo que foi publicado sobre o cangaço. Tem muita coisa escrita por pessoas que viveram o cangaço. Nos relatos, as mulheres sempre são tratadas de uma forma meio escrota. Fui juntando tudo, um trabalho de garimpo, mesmo.
BBC News Brasil - Deve ter sido difícil juntar tudo e fazer um retrato da Maria. Fez uma interpretação própria?
Negreiros - Sim. As questões que me incomodaram acabaram conduzindo o trabalho, especialmente essa questão do descrédito. Resolvi assumir a versão delas.
BBC News Brasil - É isso que quer dizer quando fala que o livro é feminista?
Negreiros - Sim, quis olhar pelos olhos das mulheres, acreditar na versão delas. Também tentei deixar muito claro as estruturas de opressão que atuavam no cangaço.
BBC News Brasil - No imaginário coletivo, cangaceiros são vistos como Robin Hoods do sertão. O livro faz questão de desmontar isso.
Negreiros - Movimentos sociais tentaram vê-los como revolucionários, como se tivessem consciência da distribuição equivocada da propriedade privada, mas não tinham. Lampião queria ser coronel. Ele falava nas entrevistas "quero ser fazendeiro, governador". Não queria organizar um movimento de camponeses oprimidos. Essa é uma ideia equivocada.
Os pobres ficavam no meio do fogo cruzado. Eram vítimas dos cangaceiros e das forças volantes (polícia). Não tinham para onde correr. Uma pessoa que tivesse sua casa visitada por cangaceiros tinha que obedecer e depois passaria a sofrer represália da polícia porque era "amiga de cangaceiro". Não tinha isso de que distribuíam dinheiro. Eventualmente, Lampião fazia agrados porque era um gênio das relações públicas, mas era para ter simpatia de determinada região e ser protegido.
Nos filmes há imagens deles entrando nas cidades e jogando coisas para o alto. Eles podiam até fazer isso, entrar tirando coisas do corpo, mas era pra se livrar de peso. Lampião não tinha a menor consciência de classe. Não tenho dúvida de que, se tivesse um aliado que fosse um grande latifundiário e que tivesse um problema com um pequeno produtor, ficaria do lado do latifundiário. Não diria (vou ficar do lado dos) "meus colegas pobres, oprimidos". Além disso, era um cara racista. Odiava negros.
BBC News Brasil - Por que a esquerda não via isso?
Negreiros - Não é tão preto no branco. Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, de o cangaço ser um banditismo rural, é um movimento de insurreição.
Hoje, o sertão é região esquecida. Imagine naquela época. Ninguém tinha olhos para o sertão. A vida do sertanejo não era fácil. A perspectiva era ter uma plantação, torcer para que chovesse. Uma vida condenada àquilo. Ou (a pessoa) se conformava de que aquela era sua sina ou se rebelava contra isso. De alguma maneira, o cangaço tem na sua gênese certo componente de insurreição.
Frederico Pernambucano de Mello (pesquisador do cangaço) chama de "irredentismo". A coisa do "vou ser meu próprio rei, farei meu próprio destino". Isso não torna as coisas muito claras. Não é fácil perceber onde começa a questão social e termina a necessidade de ficar rico ou o desejo de ser maioral do sertão.
BBC News Brasil - No livro, você narra estupros, mulheres que eram marcadas como vacas só por usarem cabelos curtos, assassinatos por motivos fúteis, capação. O grau de violência que eles cometiam te surpreendeu?
Negreiros - Sim, surpreendeu. Era uma coisa patológica. A região é muito violenta e era uma coisa muito naturalizada. Em relação às mulheres, eram tratadas como propriedade, como se fossem vacas. Teve uma cangaceira que depois de morta teve a vagina arrancada. O soldado ficou carregando aquilo na bolsa.
BBC News Brasil - Viu paralelos com o Brasil de hoje?
Negreiros - Me parece ter certa semelhança com tráfico de drogas no Rio. A política do terror inspira confiança por meio do medo. Ao mesmo tempo, espalha o terror. E na ostentação também. Não faziam questão de se esconder. Traficantes também estão sempre muito armados, com ouro. É um poder paralelo. E as pessoas recorriam aos cangaceiros para resolver conflitos, às vezes até antes de procurar a polícia. A corrupção policial - os policiais vendiam armas para cangaceiros.