Por Rangel Alves
da Costa*
Meu pai era, a
um só tempo, coiteiro e amigo de Lampião, confidente e conselheiro do Rei do
Cangaço, fornecedor de armas e mantimentos para o maior dos cangaceiros que já
trilharam os carrascais nordestinos. Mas também seu perseguidor, seu crítico
maior e até inimigo de muitas ocasiões. Porém sem jamais ter sido volante ou
delator.
Maria Bonita e Lampião
Meu pai era
isso tudo, mesmo só tendo nascido quase dois anos após a morte de Virgulino
Lampião. O episódio de Angico, com a morte do líder, sua Maria tão Bonita e
mais nove cangaceiros, se deu a 28 de julho de 38. E meu pai nasceu a 17 de
junho de 1940 em Poço Redondo, ali pertinho da beirada do São Francisco onde
dizem que o famoso casal tombou cravado de balas da volante de João Bezerra.
Tenente João Bezerra
Mas nada
implica que meu pai tenha tido tanta proximidade com o titã das caatingas. Ter
nascido quase dois após a morte do outro não interfere no relacionamento tão
cordial e amigueiro, tão intriguento e inimizado. E nada de espiritismo ou
coisa do outro mundo, mas apenas as linhas que o destino traça ou aquilo que a
história acaba unindo.
Alcino Alves da Costa - pai do escritor Rangel Alves da Costa
Verdade que
enquanto viveu, pois falecido aos 72 anos a 1º de novembro de 2012, meu pai
Alcino Alves Costa praticamente não fez outra coisa senão desencavar, remover,
lapidar e preservar os feitos e as andanças, a história e a memória, a saga nua
e crua, do Capitão Lampião. Este mesmo que até hoje é tido como o maior
estrategista das lutas sertanejas e o mais valente de todos aqueles que sob a
lua e o sol desafiaram as forças de opressão.
De tanto ir ao
seu encontro, procurar conhecer sua vida, suas bandeiras de luta, seu
pensamento e objetivos, acabou encontrando um amigo inseparável. De tanto
rebuscar seu passo e sua estrada, sua força e seu poder, sua mística e
indiscutível liderança, acabou na mesma senda de cangaceiro ou coiteiro que se
comprazia de sua encantadora companhia. Entrou no seu mundo e lá permaneceu.
Ora no coito, ora no meio da mataria, onde o Capitão estivesse.
Autor: Alcino Alves Costa
Mas também
acabou com conhecimento tamanho de sua vida que tinha vontade de dizer, e bem
na cara do próprio Lampião, algumas verdades que ele certamente não gostaria de
ouvir. Mas tinha de ouvir. Baixar mosquetão e punhal e ouvir. Não fez assim, o
tempo não permitiu que agisse como gostaria, chamando o cabra debaixo da
umburana para dizer umas duas. Mas registrou suas indignações nos seus escritos
lampiônicos.
O Capitão
precisava saber do erro em acreditar que sabia demais, de pensar que os
conchavos coronelistas eram garantia de segurança, de infantilmente pensar que
tinha o corpo fechado. Virgulino tinha de ouvir muita coisa e ficar calado.
Apenas pensar nos erros. Ora, e se fosse mesmo verdade aquela história de
amizade com seu algoz, o Tenente João Bezerra, merecia mesmo uma surra. Quem já
viu dizer que o caçador se aproximasse da presa com boas intenções?
Autor: Alcino Alves Costa
Era por
conhecer e procurar desvendar ainda mais a saga cangaceira e o seu líder maior,
que Alcino viveu aquele tempo mesmo estando noutro. Por isso escreveu a
história daqueles homens e suas lutas como se tivesse testemunhado os
acontecimentos. Pesquisando nos livros e nos campos de lutas, ouvindo
personagens daqueles idos, indo atrás onde houvesse um segredo cangaceirista a
ser revelado, eis que juntou retalhos e costurou a história no seu realismo
maior.
E por adentrar
na história com a sede dos sertanejos, por revisitar cada passo e cada ação do
grande do cangaço e suas afluências, é que Alcino se tornou tão amigo e tão
inimigo de Lampião. Amigo leal e sincero inimigo. Basta ler nos seus livros o
quanto venera quando tem de reconhecer méritos, e o quanto desancava ao apontar
ações dignas de um bandido comum, cruel e desumano.
Autor: Alcino Alves Costa
Para se ter
uma ideia, no seu livro “Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de
Angico”, Alcino logo separa o joio do trigo ao afirmar: A maioria de meus
leitores irá fazer um julgamento que considero injusto. Irá asseverar que
também sou tendencioso, por vezes colocando lá nos píncaros Lampião e alguns
lendários cangaceiros. Se o leitor ficar atento aos fatos e narrativas irá
perceber que procuro mostrar com isenção e imparcialidade todos os
acontecimentos, por mais bárbaros que porventura tenham ocorrido naquela quadra
da vida sertaneja, nos conflitos que duraram décadas, no meio da família
nordestina.
Sua
imparcialidade com os fatos impediu que tomasse partido contra ou favor de
Lampião. Em todos os livros que escreveu sobre o cangaço, ele sempre procurou
ser fiel aos episódios. Tal modo de historiar, desencavando os acontecimentos
para encontrar a verdade, fez com que chegasse a algumas conclusões não aceitas
por muitos. Ao tempo que reconhecia a valentia daqueles homens na sua luta
inglória, também distinguia a face cruel do banditismo.
Daí que separa
o Lampião do outro Lampião. Aquele de quem se tornou amigo pelo destemor e
liderança e aquele de quem se tornou inimigo pelo terror espalhado. Mas uma
coisa admirava demais no Capitão: a sua capacidade de iludir a tudo e a todos.
Os reais acontecimentos desmentem que tenha sido emboscado no Angico. Mas todo
mundo acredita que lá está sua cruz.
Poeta e
cronista
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