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terça-feira, 18 de setembro de 2012

O Nordeste em fúria

Lançamento do livro ASSIM ERA LAMPIÃO E OUTRAS HISTÓRIAS

O Nordeste em fúria

18.09.2012

Historiador Ângelo Osmiro Barreto reconstitui episódios da história do cangaço, para além de Lampião.


Durante a pesquisa para a construção do livro, o autor foi alvo de críticas vindas tanto de amigos quanto de membros da academia: "A violência com certeza é inerente ao cangaço, naquele período a lei do mais forte imperava".

Nem só de Lampião se fez o cangaço. Foi dessa premissa que partiu o historiador Ângelo Osmiro Barreto para escrever o livro "Assim era Lampião e outras histórias", cujo lançamento acontece hoje à noite. A partir de pesquisa bibliográfica e de campo, Barreto percorre o rico universo do sertão nordestino entre meados do século 19 até os anos 1930 - período em que a região padeceu sob os conflitos entre coronéis e cangaceiros, alimentados pela ausência do poder público.

A delimitação temporal adotada por Barreto toma como referência, em parte, a morte de Lampião, assassinado junto com integrantes do seu bando em 1938, em uma fazenda no sertão de Sergipe. "Embora não tenha sido o único personagem do cangaço, é um dos principais, o que mais percorreu Estados e que, por isso, o que mais deixou miséria pelo que fez", justifica o historiador.

O raciocínio de Barreto vai na contramão da romantização empreendida por muitos dos produtos culturais sobre o cangaço - desde músicas até filmes, livros, cordéis e outros. "Lampião não foi um herói que lutou contra os coronéis, assim como nenhum outro cangaceiro", frisa ele.

No texto de abertura do livro, o autor complementa a argumentação: "A violência com certeza é inerente ao cangaço, naquele período a lei do mais forte imperava, onde o Estado pouco ou nada contribuía para a melhoria de vida das pessoas, o poder do coronel representado pelo tamanho de suas terras e o número de seus jagunços era de fato a lei".

Exatamente pelo fator da violência, Barreto acredita serem importantes as pesquisas sobre o cangaço - tema que precisou justificar repetidas vezes frente aos olhares e comentários de desmerecimento lançados por alguns amigos e até por colegas acadêmicos.

Para ele, no entanto, pesquisar o cangaço não significa endossar, mascarar ou romantizar a violência característica desse universo. "Deve-se estudar o cangaço assim como outros períodos e episódios de nossa história, que nos ajudam a entender o Nordeste e o Brasil. Ao mesmo tempo, as pesquisas permitem corrigir as distorções sobre as figuras desse universo, a exemplo do ´heroísmo´. Por fim, entender o cangaço ajuda a evitar que se cometam os mesmos erros", explica.

A paixão pelo cangaço vem desde a adolescência, graças, em parte, à coleção de livros formada em casa pelo pai professor - entre eles, alguns volumes sobre o tema. "Depois de me afastar por um tempo, retomei as leituras sobre o assunto e me interessei em conhecer os locais onde ocorreram os episódios", conta.

Foi essa paixão que levou Barreto à presidência do Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará (GECC); antes, também foi presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC).

Continuação

As pesquisas para "Assim era Lampião e outras histórias" são, na verdade, uma continuação daquela iniciada para o primeiro livro de Barreto, "Curiosidades do Cangaço" (2002). "Após um intervalo que se segue ao lançamento, volta-se a coletar informações e entrevistas, a viajar. É um trabalho contínuo", esclarece.

Entre essas viagens estão passagens por locais onde aconteceram episódios relevantes ou onde nasceram, morreram ou ainda residem personagens relacionados ao cangaço. "Fomos, por exemplo, em Angico, hoje uma fazenda no interior de Sergipe, onde ocorreu a chacina do bando de Lampião", cita Barreto.

"Lá conversamos com ex-policiais, inclusive com a pessoa que arrumou as cabeças degoladas dos integrantes do bando na escadaria da Prefeitura de Piranha, cidade alagoana localizada na divisa com Sergipe. À época, esse indivíduo contava com mais de noventa anos. Faleceu 2010", recorda o historiador.

A lista de entrevistados inclui ainda ex-cangaceiros, ex-soldados volantes (como se chamavam as tropas que combatiam cangaceiros) e sertanejos em geral, "os que mais sofriam pela situação, fosse com a polícia, fosse com os cangaceiros", lamenta. A variedade de personagens enfatiza a percepção sobre a pluralidade do cangaço, "que não é só Lampião. Para entender o tema é preciso explorar a religiosidade, a política e outros aspectos, a partir de personagens como Padre Cícero, coronéis e outros", ressalta Barreto.

Essa mesma pluralidade também garante o interesse do público geral pelo livro, não apenas de outros pesquisadores, historiadores e profissionais da área. "Embora seja um trabalho mais aprofundado que o primeiro, não chega a mergulhar fundo em todos os aspectos do cangaço, mesmo porque isso não caberia em um único livro", destaca o autor. Um exemplo de "personagem-satélite" é Zé Saturnino, inimigo de Lampião. "Nos anos 1990 conheci Luiz Cazuza, que morreu em 2011, quase com 101 anos, porém lúcido. Ele era sobrinho de Saturnino, no livro conto um pouco de sua trajetória no período do cangaço, de seu contato direto com Lampião", comenta Barreto.

No Ceará, o autor visitou Limoeiro do Norte e Juazeiro do Norte - foi nessa última que, em 1926, Lampião recebeu do batalhão patriótico a patente de capitão, além de armas e munição, sob pretexto de combater a Coluna Prestes. "Mas ele nunca fez isso", adverte o autor. "A partir desse momento ganhou a alcunha de capitão Virgulino Ferreira da Silva". Em Juazeiro, porém, as pesquisas foram feitas em livros e documentos no Arquivo Público, ou com pessoas quer conheceram outras que estiveram entre os conflitos. "Daqui para frente essa será a regra. Indivíduos que tenham vivido naquela época estão morrendo por conta da idade. Ficam os descendentes", observa Barreto.

Mais informações:

Lançamento do livro "Assim era Lampião e outras histórias" - hoje, às 19h30, no auditório da EngExata Engenharia (R. Joaquim Nabuco, 1950, Aldeota). Aberto ao público. Contato: (85) 3133.8855

LIVRO: Assim era Lampião e outras histórias

Autor: Ângelo Osmiro Barreto

LC Gráfica e Editora 2012. 238 páginas. Preço: R$ 30

ADRIANA MARTINS
REPÓRTER

  
Web site: diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1182406  Autor:   DIARIO DO NORDESTE / ADRIANA MARTINS

Enviado pelo Delegado de Polícia Civil no Estado de Sergipe, escritor e pesquisador do Cangaço: Dr. Archimedes Marques

http://www.cangacoemfoco.jex.com.br/literatura+cangaco/o+nordeste+em+furia

Relíquias do Cangaço

Por: Davi Roberto Bandeira da Silva, para a Revista Leituras da História, Edição 52 - Agosto de 2012.

Uma oferenda de apetrechos

Cobiçados por colecionadores, os objetos do grupo do cangaceiro Lampião foram disputados por autoridades políticas e intelectuais.

O hábito de organizar coleções de objetos de arte, raros ou exóticos, ou de amostras reunidas por curiosidade científica era comum na Grécia e Roma antigas, segundo referências que se estendem de Homero (século 9 a.C.) ao ano 125 da Era Cristã, quando morreu Plutarco. Logo, as coleções se formavam a partir da época helenística, e daí passaram à Roma do fim da República e do Império. Portanto, é bastante remoto o gosto de colecionar, especialmente com a preocupação de guardar o testemunho do passado, em que pudessem ser admiradas e estudadas as coleções de objetos históricos.

A morte do cangaceiro Lampião (1898-1938) é um assunto polêmico. Para alguns, revestido de grande complexidade, de inimagináveis controvérsias. Fato é que o ataque, em 28 de julho de 1938, da tropa do 2º Batalhão Policial Militar de Alagoas ao esconderijo Angico, sertão de Sergipe, onde descansavam Lampião, Maria Bonita (1910-1938) e toda a patota, liquidou 11 cangaceiros no confronto - se é que houve realmente confronto. Mas qual o destino dos objetos que estavam com os cangaceiros derrotados em Angico?

Após a refrega, o jornalista alagoano e redator do periódico carioca A Noite, Melchiades da Rocha (1899-1996), relata no livro Bandoleiros das Catingas as "verdadeiras obras de arte" que "a polícia alagoana arrecadou na Grota de Angicos". Tratava-se dos "apetrechos e material de guerra que se encontravam nas barracas do rústico acampamento do Rei do Cangaço". Algumas dessas peças se encontram, hoje, no Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, em Maceió, uma vez que seu acervo reúne objetos e documentos dos mais valiosos subsídios autênticos, de valor indefinível, dos acontecimentos que envolveram as volantes e os grupos de cangaceiros no sertão alagoano.

O referido acervo é constituído por óculos, punhal, cartucheira, chapéu, cantil, armaria, mochilas, alpercata, colchas, além de uma moldagem da cabeça de Lampião. Além disso, o acervo possui fotografias, processos jurídicos e diversos bilhetes redigidos por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seus livrinhos de oração.

A doação ao Instituto Histórico de Alagoas dos objetos recolhidos após o combate em Angico foi realizada por ordem do interventor Osman Loureiro (1895-1979), por meio do ofício nº 1521, datado de 29 de novembro de 1938, em Maceió, assinado por José Maria Correia das Neves (1886-1953), então secretário do Interior, Educação e Saúde do Estado de Alagoas. O aviso da oferenda dos "trophéos pertencentes ao celerado Virgulino" - palavras de Correia das Neves - mereceu espaço nas atas das reuniões da instituição cultural.

1. Artista plástico Lourenço Peixoto /2. Interior do museu do Instituto Histórico - ao fundo a representação de Lampião 3. Presidente Getúlio Vargas e Interventor Osman Loureiro em Maceió

Despojos do Cangaço

O jornalista Melchiades da Rocha teve influência direta no manejo dessas peças, inclusive, cabendo a ele a responsabilidade de "trazer os referidos objetos ao Rio e levá-los depois a Maceió". Inicialmente, após terem chegado a Maceió, trazidas do esconderijo Angico, as peças ficaram expostas no Rio de Janeiro em um esforço de "proporcionar à população carioca a excelente oportunidade de tão interessante exposição", salientou Melchiades. Até o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema (1900-1985), reforçou junto ao governo alagoano o pedido de envio dos "trophéos" para o Rio, justificando a aquisição dos "objetos encontrados entre os despojos do grupo do cangaceiro Lampião e que apresentam interesse do ponto de vista da Etnographia e da arte popular".

1. O Lampião do Instituto Histórico / 2. Santinho da primeira comunhão que pertencia a Lampião / 3. Vestido e chapéu que pertenceram a Maria Bonita / 4. Noticiário no Jornal de Alagoas em 1938.

Atendeu ao pedido do nobre ministro o interventor alagoano Osman Loureiro, no envio dos apetrechos, entretanto, a imprensa alagoana alertava em suas manchetes que "após a exposição, os troféus voltarão para Maceió, para que lhe seja dado o destino que se resolver". Seguindo no navio Itanagé, em 12 de agosto de 1938, com destino ao Rio de Janeiro, Melchiades da Rocha levou consigo os referidos "trophéos" para serem exibidos ao público carioca.

Por sua vez, em reunião no Instituto Histórico, em 11 de agosto de 1938, o presidente Orlando Araújo (1882-1953) agradeceu aos sócios Paulino Santiago, Ezechias da Rocha e Théo Brandão "pelo desempenho cabal da missão que lhes fora confiada, de conseguir para o Instituto a maquete da cabeça e a indumentária do famoso Lampião". Em encontro posterior, o secretário perpétuo Luiz Lavenère (1868-1966) informa que "pedira ao governo do Estado que entregasse ao Instituto a guarda dos objetos que pertenceram ao célebre cangaceiro, obtendo promessa favorável ao seu apelo, o que o levou a estranhar que tais objetos estejam sendo exibidos pelo jornal A Noite, do Rio". Mas o apelo do sócio foi atendido, conforme atesta em ofício dirigido ao instituto, no qual o interventor Osman Loureiro se manifestou "anunciando haver providenciado o retorno a esta Capital dos troféus do bando de Lampião".

Orlando Araújo - In: Capelense.com.br

Na capital Maceió, aliás, corriam as primeiras notícias a respeito da modelagem da cabeça de Lampião, pode-se dizer, executada com esmero pelo escultor Lourenço Peixoto (1897-1986). Na edição concernente ao dia 6 de agosto de 1938, o Jornal de Alagoas registraria aos leitores que "por solicitação do Instituto Histórico de Alagoas, o professor Lourenço Peixoto está modelando em gesso a máscara de Lampião". Segundo o noticiário, pretendia o "Instituto Histórico reconstituir a figura do 'Rei do Cangaço', nos mesmos moldes como se pratica nos museus antropológicos".


Entretanto, Lourenço Peixoto executou seu trabalho artístico bem antes que o professor Arnaldo Silveira, docente da renomada Faculdade de Medicina da Bahia, fizesse o traslado para Salvador apenas das cabeças de Lampião e Maria Bonita. Enquanto isso, Lavenère, em um resmungo descabido, quis apressar o regresso dos objetos dos cangaceiros a Alagoas, talvez receoso de que pudessem permanecer no Rio de Janeiro, por causa da prontidão com que o interventor atendia aos pedidos dos interessados.

E assim, o Diário Oficial do Estado publicou, em 1º de dezembro de 1938, o mencionado ofício nº 1.521 ofertando os objetos ao Instituto Histórico, discriminados em inventário conforme o script. Ao mesmo tempo em que as reuniões na entidade cultural aconteciam quase vazias, pelo diminuto número de sócios presentes, por outro lado, a exibição dos objetos capturados em Angico adornava as vitrinas do museu, atraindo os olhares de jornalistas, letrados e autoridades.

Objetos de Lampião: no detalhe os óculos e a maquete da cabeça.

Estado atual das peças de Lampião expostos no Museu do Instituto Histórico de Alagoas.

Espólio causou intriga estadual

Ao entardecer do longínquo maio de 1939, quando uma comitiva, encabeçada pelo secretário Luiz Lavenère, visitava o museu do Instituto Histórico, por um descuido, notou-se o sumiço de dois objetos pertencentes a Lampião. O desaparecimento logo provocou vozerio. A correria e um sentimento de urgência atingiram o esguio Lavenère. Diante desse incômodo, talvez rememorando o empenho em que pôde triunfar após a conquista na captura dos objetos - que tudo isso, decerto, seria a maior das vaidades -, fragilizou-se o destemido secretário.

Preocupado com o fato - ou melhor, o furto -, o próprio Lavenère, na sessão ordinária de 31 de maio de 1939, pedindo para constar na ata "ad perpetuam rei memoriam (para perpétua lembrança)", solicitou o registro do "desaparecimento de dois anéis que pertenceram a Lampião, fato ocorrido por ocasião da visita que o exmo. sr. interventor do Rio Grande do Norte e seu secretário fizeram ao instituto". Os objetos desaparecidos, provavelmente, seriam as seguintes peças: um anel de ouro com as iniciais na parte exterior C.V.L. e uma aliança de ouro com a inscrição "Capitão Lampião", na parte interna, conforme descreve o inventário.

Como em qualquer coleção, o que não faltam são vestígios dispersos e, recuperar a sua história é, no mínimo, revelador. Do rico acervo do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, uma peça se destaca, particularmente, pela cadente história de como ali fora identificada: o vestido de Maria Bonita. Consta nos arquivos do museu que "o vestido de Maria Bonita foi, de certa forma, 'esquecido' ao longo do tempo". Mas este "esquecimento" durou somente até o momento em que um pesquisador, aficionado pelo cangacismo, procurou a instituição. Ele indagou sobre ali se encontrar a peça pertencente à baiana Maria de Déa ou simplesmente Maria Gomes Oliveira - nome de nascimento de Maria Bonita (1910-1938) -, que "teria sido doada ao museu nos anos 70".


Segundo os registros, o pesquisador "tinha informações precisas e descreveu a peça em detalhes", desencadeando o "procura daqui, procura dali, [até que] o vestido foi identificado. Salvo do esquecimento, passou [finalmente] a constituir uma relíquia" do acervo, o vistoso objeto da mulher que perambulava sertão adentro. A doação do vestido foi feita pela atriz Nádia Maria, cujos familiares o receberam por meio do jornalista Melchiades da Rocha, o qual, por sua vez, foi agraciado pela oferta da vestimenta por intermédio do aspirante Francisco Ferreira Melo, da Polícia de Alagoas.

Com vistas à preservação da memória regional, essas peças que constituem um expressivo valor histórico, como resgate de uma época marcada pelo banditismo, continuam a provocar reflexões sobre as possibilidades e direções relativas aos estudos de nossa formação e identidade. São fragmentos de uma natureza simbólica num encontro imaginário, nos quais a memória preservada ocupa espaço nos dias atuais, em uma época em que as lições do passado são tragadas pelo esquecimento.

Destino inglório, na vitrina que atenua a luminosidade no Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, onde assentam vestígios materiais do cangaço, não para reverência, mas somente ressoando os ecos da história.


Cangaceiro Venerado

Na trajetória de vida de Lampião há muitas contradições e muita imaginação. Nem poderia ser diferente. De bandido e facínora a "herói" e defensor dos pobres, há de tudo nas definições populares dessa personagem histórica. Inclusive em setores da sociedade, a partir de tentativas de recuperar a memória de quem sacrificou apavoradas vítimas e empreendeu audaciosos assaltos.

Pode-se destacar que o interesse pelos embates entre perseguidos e perseguidores do ciclo do cangaço (como é denominado o banditismo no Nordeste brasileiro) ainda é intenso neste início do século 21. Há uma imensa quantidade de trabalhos literários, históricos e jornalísticos (artigos e livros) sendo produzidos. Da mesma forma, esforços constantes são realizados por diversos setores sociais, no sentido de se perpetuar a memória dos fatos históricos, envolvendo os impetuosos embates entre os cangaceiros e as forças volantes. Nesse caso, é possível dimensionar tais esforços por meio dos seguintes aspectos envolvidos nas suas representações, com referência, a Lampião: danças folclóricas lhe facultam homenagens em solenidades; exposições exibem fotos, vídeos, objetos e matérias jornalísticas a seu respeito; promovem-se encontros mobilizando acadêmicos, diletantes e estudiosos (constantemente homenageados e adulados) para debater seus feitos considerados audaciosos, enquanto missas campais lhe são endereçadas - tão convenientes à indisfarçável vaidade

Visite

Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas
Rua do Sol, 382. Centro - Maceió/AL - Tel.: (82) 3326-9719 E-mail: ihgal@hotmail.com

Saiba +

BONFIM, Luiz Ruben F. de A. Notícias sobre a morte de Lampião. Paulo Afonso: Graftech, 2010.
DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. Lampião entre a espada e a Lei: considerações biográficas e análise crítica. Natal: Cartgraf, 2008.
JASMIN, Élise. Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro. São Paulo: Edusp, 2006.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Estrelas de couro: a estética do cangaço. São Paulo: Escrituras Editora, 2010.
ROCHA, Melchiades da. Bandoleiros das caatingas. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1988.

(*) Davi Roberto Bandeira da Silva é pesquisador do Programa de Estudos de Administração Brasileira da Universidade Federal Fluminense 

Fontes:
http://lampiãoaceso.blogspot.com

CIPÓS DE FERRO DO CANGAÇO

Por: Clerisvaldo B. Chagas, Crônica Nº 866
Clerisvaldo B. Chagas

CIPÓS DE FERRO DO CANGAÇO

O sertanejo comum ingressava no bando lampiônico por diversos motivos. Entre eles estavam à admiração romântica pela aventura, a perseguição policial, a vingança e vários outros. Entre esses motivos, destacamos dois: o convite ─ dividido em moderado e pressionado ─ e o brutal. O convite moderado era feito a alguém, quando o momento estava tranquilo no bando, em uma passagem, uma festa, um pouso, nas ocasiões de menos bebida e bom humor.

Cangaço: grupo de Virgínio. (Foto: Wikimédia Commons).

A recusa, por alguma razão, não tinha consequência nenhuma. O convite pressionado acontecia quando era enxergado grande valor no convidado, muitas vezes pelo simples olhar avaliativo do cangaceiro. Recusado o convite, os do bando não se conformavam e ficavam pressionando onde reencontrasse a pessoa. O convidado dessa maneira tinha apenas três opções: mudar-se do sertão, ingressar nas forças policias ou partir com os bandidos. Caso não usasse uma delas, a morte era quase sempre questões de dias ou meses, dependendo da sorte. Já o convite brutal, acontecia mais quando o bando estava reduzido e precisava renovar as suas fileiras. Rapazes encontrados na caatinga, como vaqueiros, agricultores, boiadeiros, tiradores de mel, eram levados bruscamente de acordo com o que o povo chama de “ir na marra”.

Uma vez dentro do bando, muito difícil era abandoná-lo. Logo nos primeiros dias, Lampião ou os chefes de subgrupos jogavam o recém-chegado numa armadilha. Teria que aguentar com bravura um fogo cerrado e também matar friamente algum prisioneiro. Refugar seria morrer em lugar da vítima. Sendo aprovado nos testes, a notícia chegaria aos ouvidos do povo e da polícia, não deixando a alternativa de fuga do bando, pois assim o indivíduo já arranjara inimigo lá fora. Todos os assassinos dizem que o pior assassinato é o primeiro. Daí em diante, apaga-se a consciência de matar e vicia. Como deixar o bando marcado pela sociedade? Desertando, haveria o perigo de morrer lá fora pelos familiares das vítimas e pela polícia. Assim, nesse emaranhado de cipós de ferro, continuava o novato cangaceiro sua vida nômade, sem perspectiva alguma de liberdade. Não foi somente o cabra, o cangaceiro anônimo que enfrentou essa situação. Muita gente que chegou depois ao estado-maior também iniciou assim.

As quadrilhas de traficantes usam artifícios parecidos. Não é fácil para o sujeito deixar a facção aonde se meteu. E as drogas vão deixando os seus rastros de sangue como as hostes cangaceiras. Hoje como ontem, CIPÓS DE FERRO DO CANGAÇO.