Por Alfredo Bonessi
Publicado em 2010
A presente
postagem é resultado de espetacular entrevista feita pela pesquisadora Juliana
Pereira com o confrade capitão Alfredo Bonessi. (Foto).
Carissíma Juliana;
Todas as
respostas as suas perguntas serão de minha parte “possivelmente” – não temos
como afirmar com precisão o que realmente aconteceu na madrugada de 28 de julho
de 1938, na Grota de Angicos – Sergipe, onde foram mortos 11 cangaceiros pela
tropa volante comandada pelo Tenente João Bezerra da Força Alagoana. Quem
estava lá e quem esteve lá, deixou de esclarecer a pura verdade - aquilo que
hoje interessa a todos nós. Temos ainda um volante vivo e dois cangaceiros
vivos (acredito) – os cangaceiros somente contarão a versão deles, onde estavam
no momento do ataque, o que eles fizeram para escapar do tiroteio, depois aonde
aconteceu a reunião do grupo qual foi lugar, o rumo que cada um tomou depois
dessa reunião e nada mais.
Ainda sobre o bando do qual pertenciam, se lembrarem de alguma coisa, poderão
comentar. Mas Lampião nunca revelava, por questão de segurança interna do
grupo, os segredos que se foram com ele. Com a morte do chefe, aquela forma de
Cangaço se extinguiu. Restaram, na ocasião, os grupos de Corisco e Dada, que
não conseguiram levar a diante a forma de cangaço que Lampião manteve no sertão
por mais de 20 anos e outros. Com a morte de Corisco, Dada revelou muito pouco
a quem se interessou em saber alguma coisa sobre o grupo de cangaceiros, ou não
foi perguntada, escondeu verdades com receio de ser envolvida com a justiça ou
mesmo para não envolver as pessoas que estavam ligadas ao cangaço.
De igual forma Balão, Zé Sereno, Vinte e Cinco e muitos outros que sobreviveram
à Angicos, não contaram os seus crimes por receio de serem presos, ou mesmo de
serem mortos por aqueles que antes apoiavam de uma forma ou de outra os grupos
de cangaceiros. Hoje se analisa esses depoimentos e salta aos olhos as
contradições de ambas as partes, tanto de cangaceiros, como de volantes, bem
como daqueles que foram os responsáveis pelo sucesso do ataque policial a Grota
de Angicos.
1. Quais armas foram usadas em 28 de julho de 38 em Angico?
As armas que foram usadas foram o fuzil Mauser modelo 1898, 1908, Metralhadora
Bergman 24, 32, possivelmente a Winchester 44.40, facas, facões e punhais.
Ambas as partes em confronto portavam revólveres em calibres variando do 32 ao
44 e pistolas Luger 7,65, 9mm. As Armas que entraram em combate na Grota
naquela madrugada de 28 de julho de 1938, fizeram parte da listagem das armas
objeto da nossa palestra no Cariri Cangaço II. Por exclusão, possivelmente não
tomaram parte na luta, a metralhadora *Hotchkiss, o bacamarte, o fuzil
'chuchu', o Manlicher, a Conblain.
2. O primeiro tiro, partiu de que tipo de arma? Qual o alcance do projétil e em
que distancia se podia ouvir o estampido?
Possivelmente de um fuzil mauser, calibre 7 mm de um volante. Declino o ano da
arma. O soldado errou o tiro no Cangaceiro Amoroso, imaginamos ser em distância
de menos de 5 metros, e com certeza não deu somente um tiro, deu vários, de
igual maneira todo o grupo de soldados, depois do primeiro tiro, abriu fogo
nutrido em cima de Amoroso, que saiu em desabalada carreira. Amoroso morreu
anos depois de maneira trágica. O alcance do projétil dessa arma é para 2400
metros. Para atirar em um homem isolado seu alcance de precisão é de 600
metros. E para um grupo de homens é de 1200 metros. O tiro de combate em um
confronto bélico é de 300 metros. A velocidade da bala é de 700m/s e a força do
projétil na boca do cano é de 300 Kg ( seis sacos de cimento).
O som derivado do estampido da arma pode ser ouvido em variadas distâncias,
dependendo do fator local, aí incluindo temperatura, velocidade do vento,
pressão atmosférica e naturalmente o estado de concentração e de saúde do
ouvido de quem houve. Normalmente o som do estampido pode ser ouvido entre 1,5
Km até 3 Km de distancia.
3. Na sua opinião, independente de Amoroso ter sido atingido há 50 ou 100
metros do restante do grupo, daria para se ouvir o som do tiro?
Sim. Amoroso estava aproximadamente a 80 metros de distância de Lampião e a 60
metros de Maria Bonita. Ocorre que após este tiro a tropa (28 homens) atirou
nos alvos previamente estabelecidos. O soldado Noratinho estava com Lampião na
mira de sua arma e Maria Bonita estava correndo quando recebeu um tiro nas
costas, bala que saiu pela frente. Caiu, levantou e saiu correndo novamente
quando recebeu um outro tiro a curta distância, de lado, no ventre, indo cair
próximo a Lampião. Em um combate os estrategistas se utilizam destas
condicionantes para um ataque em que se visa alcançar sucesso, com menos perda
possíveis: cerco - surpresa - velocidade e força. Quem cai nessa armadilha
dificilmente vencerá uma luta. Nisso João Bezerra foi perfeito.
Além do mais o ataque foi ao amanhecer, quando os cangaceiros estavam se
levantando, se espreguiçando, ou fazendo suas necessidades, a sua higiene. Uma
pessoa nessas circunstâncias está sonolenta, sem reflexos, seus sentidos ainda
não estão alertas, tempo depois de acordar e levantar e aos poucos é vão
entrando na realidade da vida que o cercam, para bem depois tomar um café,
fumar um cigarro, bater um dedo de prosa com alguém ou com o grupo, tratar
sobre as atividades para aquele dia, quais sejam remendar o equipamento,
desmontar e lubrificar o armamento, afiar facas, tratar algum ferimento,
realizar o asseio corporal, tomar um banho, e até mesmo voltar a dormir por
debaixo de uma fresca ramada. Mas se ainda estiver dormindo e entrar na bala,
será um Deus-nos-acuda.
Juliana
Pereira
4. A volante levou muitas armas, me refiro ao peso das mesmas, dada a
circunstâncias, levando-se em consideração a distancia e as condições
geográficas, no caso muito íngreme?
A polícia levava o equipamento de costume que não era pesado, uma vez que o soldado
saía para uma operação e depois de poucos dias retornava para sede. Bem
diferente do Cangaceiro cujo equipamento necessário pesava bem mais que 24 Kg,
(no mínimo). No dia 27 de julho, a noitinha, os soldados não sabiam para onde
iam e nem quem iriam combater. Ficaram sabendo horas antes do combate quando já
deslocavam para a Grota que o ataque seria contra Lampião. Essa medida foi
adotada pelos oficiais como medida de segurança, para evitar que a operação
chegasse aos ouvidos de Lampião. Se o deslocamento da polícia fosse de dia e
nas vistas de pessoas de Piranhas e ao longo do rio, com certeza Lampião seria
avisado a tempo.
Após o combate João Bezerra foi conduzido ao porto por dois homens, uma vez que
estava ferido e mesmo por segurança uma vez que os Cangaceiros estavam
espalhados por todos os lados. O restante, 45 homens, trouxeram com folga e
certa vantagem o equipamento dos cangaceiros. Acredito que remar, e subir o rio
até Piranhas foi o maior transtorno encontrado pela tropa, que faminta, com sede
e muito cansada - estava a mais de dezoito horas sem repouso. Mas a alegria
pelos troféus que conduziam em suas canoas apagavam qualquer sinal de enfado,
pois os soldados orgulhosos e felizes não acreditavam que tinham matado o
Cangaceiro mais famoso e o homem mais valente do sertão.
5. Como militar, como o senhor pensa que foi a estratégia usada pelo Tenente
João Bezerra? Lampião morrera por falta de sorte ou atenção/descuido?
A morte de Lampião não foi por acaso. Lampião foi vítima de uma manobra policial
que deu certo entre tantas outras que não deram certo. Lampião não era fácil de
ser encontrado. Quem o ajudasse de alguma forma era sustentado a peso de muito
dinheiro e sabia muito bem que se o delatasse e fracassasse na tentativa,
pagaria bem caro com a vida sua e de seus familiares. Além do mais entre os
coiteros e informantes de Lampião cada um vigiava as atitudes dos outros. Pelo
lado de Lampião, ele mesmo mantinha um certo segredo em não revelar entre eles
quem era ou deixava de ser para que se fosse pego um coitero, não houvesse a
denúncia de todos. Mesmo dentro da polícia, com certeza, havia informantes que
poderiam avisar Lampião para que se cuidasse daquele ou outro coiteiro.
Dinheiro é tudo e tudo é por dinheiro. Assim como Lampião aliciava as
autoridades e policiais em seu favor, a policia também aliciava e fingia que
fazia corpo mole com alguns informantes seus. O objetivo da policia era Lampião
e não o coiteiro. Aquele coiteiro que a polícia sabia que era amigo de Lampião,
ficava de “molho” para troca de informações, estratégia utilizada pela própria
policia para descobrir o paradeiro do procurado, que era quem realmente
interessava.
Depois, em pressão, a coitero assumia o compromisso de cooperar com a policia –
fato esse que ficava somente com o comandante da tropa e não chegava aos
ouvidos dos soldados, uma vez que dentre os soldados havia aqueles que tinham
parentes Cangaceiros. O próprio vaqueiro Domingos dos Patos, que foi o canoeiro
que atravessou em canoa o bando de Lampião para Sergipe, trabalhava na fazenda
do pai da Dona Cyra, esposa de João Bezerra, o comandante que queria pegar
Lampião. Na volante que matou Lampião e Maria Bonita estava um soldado parente
dela.
Os coadjuvantes vitais...
Joca
Bernardes, ou Joca da Fazenda Capim, era um desse coiteiros, que descoberto,
tinha se comprometido com o Sargento Aniceto, a cooperar naquilo que soubesse
contra os cangaceiros. Joca era coiteiro de Corisco e ficou sabendo da chegada
de Lampião pela boca do cangaceiro 'Vila Nova' – só não sabia onde ele estava.
Joca
Bernardes
Com as compras de Pedro de Cândido de queijos fabricados por Joca e já
encomendados, em grandes quantidades, Joca denunciou Pedro ao sargento Aniceto.
Pedro era aquele coiteiro que estava na mira da polícia, tinha tido vários
encontros com o Tenente Bezerra, mas estava de “molho” para uma ocasião futura
e propícia e essa hora havia chegado.
Sgto.
Aniceto Rodrigues
Mesmo assim ao
receber o telegrama em Pedra do Delmiro o Tenente João Bezerra não alarmou o
pessoal e marcou um encontro com o Sargento na metade do caminho entre Piranhas
e Pedra do Delmiro, onde os comandantes das frações fizeram conferência dentro
do mato, quatro horas depois da saída de Pedra e três horas depois da saída do
caminhão com o Sargento Aniceto de Piranhas.
Era aproximadamente 16 para 17 horas da tarde. Mas ainda faltavam as
confirmações que o Tenente tanto esperava. Antes da saída de Pedra passou um
telegrama para ele mesmo, dizendo que alguém avisara ele que Lampião estava
para os lados de Moxotó.
Mas alguém de Moxotó enviara de fato um telegrama a ele sobre o aparecimento de
cangaceiros na região de Moxotó, só que não eram cangaceiros, mas a tropa do
próprio Sargento Aniceto.
O Tenente antes de seguir destino para o encontro com o Sargento e de telegrama
na mão gritou a pleno pulmões no meio do pessoal civil aglomerado, entre eles
estavam alguns suspeitos de serem coiteiros de Lampião: vou combater o cego no
Inhapi. Essa informação que a força tinha ido para o Moxotó chegou ao
entardecer a Lampião no coito de Angicos, tendo Lampião brincado e dado
risadas, pilherando afirmou: então pode dormir de cueca.
A força ainda se encontrou com Joca que relatou tudo ao Tenente, depois ainda
na incerteza se deslocou até um ponto com segurança para então mandar buscar
Pedro que relatou tudo o que sabia, e sabia até demais, sabia onde o pessoal
dormia e por onde estavam os sentinelas, se é que haviam. Mesmo assim o Tenente
ainda desconfiava de tudo aquilo, porque Lampião não era fácil de ser pego
assim tão facilmente. Avaliando o tamanho do efetivo de cangaceiros e se
deixando levar pelos desconhecidos chegou a querer desistir da operação – só um
temerário atacaria Lampião naquelas circunstâncias – e mesmo porque já sabia
que Lampião o tinha ameaçado de morte - aquilo tudo poderia ser uma armadilha.
Mas no momento de indecisão entra em cena a figura do Aspirante Ferreira de
Melo, que contestou a ideia de atacar os cangaceiros somente pela manhã, de dia
e com seus 16 homens iria mesmo assim atacar Lampião. Se tivesse ido, ele
mataria Lampião somente com esses homens, uma vez que Pedro conduziu a Policia
até a menos de dez metros da barraca de Lampião e ainda apontou Lampião que
estava em pé, fora da barraca.
No mais a sorte de Lampião se acabara naquele dia, o destino pôs ponto final em
sua vida naquela manhã. Na hora do início do tiroteio se ele estivesse deitado
dentro da barraca ou mesmo a alguns metros por detrás das pedras teria
escapado, mas veria a sua mulher ser morta a vinte metros de distância. Dado o
primeiro tiro naquela manhã, Lampião não teve tempo para raciocinar, para saber
o que poderia ser - uma arma disparou por acidente ? – alguém deu um aviso ? –
tudo isso e mais poderia pensar que despertava no interior das toldas, não
imaginavam que estavam cercados pela polícia e fugir daquele local era a
salvação de suas cabeças.
Quem cercou Lampião naquela manhã sabia o que estava fazendo e era assim que
sempre procedia: o quadrado mortífero. Só não conseguiu a exterminação total
dos cangaceiros porque o alvo era Lampião e além do mais a mata espinhenta ao
redor da grota e a hora do ataque, o amanhecer, sem os raios do sol,
dificultava em muito quem precisava enxergar alvos e necessitava da claridade
para ajustar a mira das armas e abrir fogo. Depois outro fator que contribuiu
para a fuga dos cangaceiros foi a fumaça originada pela queima da pólvora por
ocasião dos disparos das armas em conflito, que cobriu a grota como um manto de
morte.
Negligência???
Negligência ? sim. Descuido ? sim, a começar pela escolha do local. Nada de
lugar com uma só boca, como falaram depois quem escapou para contar história.
Não foi isso que matou Lampião. Lampião foi morto por uma estratégia militar,
num jogo de informação e contrainformação utilizado até hoje nos meios
policiais. Aquele lugar, aquela gruta não é local para defesa, mas as
cercanias, no cimo dos morros sim. Homens bem distribuídos , em locais
previamente marcados, acordados, vigilantes, e sóbrios, impedem qualquer
efetivo que se aventure a abater quem estiver no interior da furna.
Quem estiver no interior da furna terá tempo suficiente para escapar ileso de
qualquer ataque que venha a sofrer, desde que a força atacante se encontre
previamente com sentinelas postados a mais de cem metros de distância da furna.
Além do mais o local não serve para esconderijo porque do meio do rio se
enxerga com relativa facilidade o rolo de fumaça que sobe das fogueiras onde
eram cozinhadas as comidas, e deveria haver mais de uma. Não é crível que 45
homens comam de um mesmo fogo.
Quanto maior a fogueira, maior é o rolo de fumaça, maiores serão os odores que
exalam das carnes assadas, do café requentado, do fumo dos cigarros de palha. E
o som dos vozerios compartilhados, das músicas, das toadas, das gargalhadas,
dos casos contados, dos acontecidos, das boas empreitadas com ganhos fáceis, e
aquele cabra que implorou para não morrer ?, aquele rosto desfigurado pelo
assombro da morte, quando a ponta do punhal sangrador foi afundando devagarinho
na base do pescoço ? – motivos de comemorações e de alegrias para aquele bando
de gente impiedosa não faltavam.
Não se pode culpar Lampião por isso ou aquilo, ou pelo que deixou de fazer,
mesmo porque o bando não era uma milícia organizada, com estratégia de defesa e
ataque, as manobras de guerra a bastante tempo não eram postas em práticas
depois que Antonio Ferreira e Sabino haviam desaparecidos. As orientações do
chefe eram quase sempre as mesmas: não enfrente os macacos – fuja ! A policia,
sabendo desse proceder dos cangaceiros, se sentia motivada a se aproximar dos
grupos e de abrir fogo sobre eles, com a certeza que correriam abandonando o
campo da luta.
Fugiam não por medo, mas por economia da munição, cara e escassa, pela
preservação da própria vida, além do mais o que se ganharia em matar uns poucos
macacos – depois desses viriam mais e mais numa sequência de mortandade que
nunca terminaria. Por isso a melhor defesa residia simplesmente na grande
mobilidade, nas andanças, percorrer grandes distâncias em poucas horas, e
nessas poucas horas estarem em vários lugares diferentes – assim a informação
dos delatores não chegaria aos ouvidos da polícia com tempo suficiente para ser
transformada em uma ação planejada a ponto de surpreender o grupo.
Outro fundamento do grupo era sumir sem deixar rastros, ou deixar vestígios bem
visíveis que conduziriam os soldados a um lugar determinado, culminando em uma
emboscada. Outras vezes os rastros não levavam a lugar nenhum e a volante
ficava bobando no meio da catinga. Na maioria das vezes os grupos de
cangaceiros sumiam por meses e ninguém sabia por onde andavam, até que um
caçador informava a pista deles, na maioria das vezes falsa e sem sentido, às
vezes a mando dos próprios cangaceiros para despistar uma ação de assalto a
alguma localidade.
Portanto, a escolha de Angicos como ponto de reunião, mesmo que seja para
passar uma semana, foi um erro mortal, mesmo com a desculpa do tratamento de
Maria Bonita em Própria, ou para tratar operações futuras, ou pela necessidade
de aproximação com a água devido presença de mulheres, nada justifica a
desatenção para com o fator segurança do chefe em particular e do grupo em
geral. Caso fosse irremediavelmente necessário a permanência na área - isso até
não seria considerado um problema desde que os homens fossem dispostos
estrategicamente ao redor, no cimo dos morros, no leito do riacho, em
vigilância constante e protegendo quem estava no fundo daquele buraco.
6. Levando-se em condição ao que já leu, Lampião morreu conforme a literatura
oficial contou e conta?
Ninguém sabe ao certo como Lampião morreu. Um repórter do Rio de Janeiro chegou
a falar com os soldados que atiraram no rumo de Lampião, mas esse repórter não
aprofundou o assunto, mesmo porque o momento era de festa, de alegria e a
segurança era necessária, ou mesmo talvez como precaução, cautela com receio de
uma vingança posterior por algum grupo de cangaceiros. Naquela ocasião ninguém
poderia supor que o cangaço terminaria pois outros grupos ainda operavam como o
grupo de Zé Sereno, Corisco, Labareda e Pancada. Em minha opinião a ocasião
mais propicia de se saber a verdade era aquela em que os homens estavam
eufóricos, comemorando e não tinham tempo de enfeitar a história, aumenta-la,
diminuí-la, ou fantasia-la.
Por isso que eu fico com as declarações do Comandante da volante proferidas
três dias depois do ocorrido em Santana de Ipanema – sede da volante- quando
ainda ferido deu declarações a esse repórter do Rio de Janeiro, em uma página
de 25 linhas, como tudo aconteceu, em Angico - depois o Tenente baixou ao
hospital para ser tratado.
7. Terá havido envenenamento ou alguma substancia capaz de deixar o bando
sonolento ou mesmo sem reflexo?
Muita bebida alcoólica ingerida e a despreocupação que tudo estava bem. Essa
ideia do envenenamento, creio eu, foi proferida por alguém do grupo para
diminuir o feito da polícia e com a certeza de que mais tarde seria essa a
verdade definitiva que deveria perdurar, a de que os cangaceiros foram mortos
por uma procedimento vil por parte da policia, que não teve coragem de
enfrentar os cangaceiros em uma combate leal - mas não foi nada disso - foi
bobeira mesmo, e bala, muita bala para cima do pessoal dorminhoco e descuidado.
8. Porque escapou tantos cangaceiros, se estavam em total desatenção quando
atacados? Porque só um policial foi atingido, posto que os cangaceiros já
houvessem sido surpreendidos em ataques anteriores e mesmo assim saíram ilesos
ou mesmo deixaram uma baixa maior na volante?
Porque o alvo do ataque era Lampião e a volante cercou a gruta. Quem estava
espalhado pelas encostas dos morros e mesmo nos cimos, de lá mesmo escapou,
alguns passando por cima da própria polícia. Não houve retaguarda porque a
desorganização foi geral e não houve um líder de coragem para voltar e atacar
os policiais que faziam festa no fundo do buraco. Mesmo porque muitos estavam
desequipados, desarmados, a maioria feridos, arranhados pelos espinhos,
desmuniciados, chocados ao saberem que Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro
haviam havia morrido - noticias levadas por Zé Sereno que assistiu a morte do
pessoal que estava na gruta ao redor de Lampião.
Quanto ao soldado que morreu até hoje não se sabe como. Foi fogo amigo ? – foi
fogo de algum inimigo dentro da polícia ? foi fogo de algum cangaceiro ? –
dizem que foi Elétrico que baleou aquele soldado, sendo em seguida metralhado
por João Bezerra – Elétrico não morreu de tiro, foi esfaqueado por um soldado
da volante, procedimento esse que muito contrariou o Chefe que determinara a
morte do cangaceiro a tiros e não a faca.
"Não houve um líder de coragem para voltar e atacar os policiais que
faziam festa no fundo do buraco"
Há uma versão que foi o soldado 'Mané Véio' que viu o soldado sofrendo por ter
levado um tiro no quadril e aí aliviou as dores do mesmo matando-o com um tiro.
Note que o soldado foi imediatamente sepultado naquela mesma tarde, sem
autópsia – ninguém deu importância ao fato – entretanto levaram para exame a
cabeça dos cangaceiros. Isso por si só demonstra que alguém queria que a morte
do soldado passasse despercebida pelas autoridades. Morto em combate o corpo do
soldado deveria ser examinado por um legista.
Mas mesmo assim, nesse caso se o mesmo tivesse levado tiros pela frente ou por
detrás, se por acaso fossem encontrados em seu corpo os projéteis como se iria
descobrir o autor ou autores dos disparos ? As únicas armas de calibres
diferentes que atiraram foram as metralhadoras de João Bezerra e do Aspirante
Ferreira de Melo, em calibres 7,63 ou de 9 mm. Teriam que ser examinados os
projéteis encontrados no corpo do soldado pela balística – trabalho esse que
naquele tempo ainda não tinha chegado ao interior do sertão.
O cangaceiro Balão assumiu publicamente a morte do soldado em declarações ao Dr
Amaury, (Assim Morreu Lampião) afirmando que o soldado tinha acabado de matar o
cangaceiro Mergulhão e estava dando coronhadas na cabeça do mesmo, e em ato
subsequente encostaram o cano das armas e que disparam ao mesmo tempo, sendo
que nele, Balão, não acontecera nada e que o soldado caíra morto. Com relação a
escapar de ataques, vai depender muito como estava o dispositivo do grupo no
terreno e a forma de como foram atacados. Em se tratando da Gruta de Angico
quem estava lá embaixo não tinha como escapar – a policia estava perto demais –
para uma bala de fuzil, em tão pouca distância, não há mandinga que sustente o
corpo fechado.
9. Por que Lampião não usou a sua estratégia, já bastante conhecida e testada
quando ouviu o primeiro tiro, se é que ouviu?
Não a usou porque ali naquele momento não deu tempo para nada, foi tudo muito
rápido, além do mais depois que se aperta o gatilho de uma arma daquela e ela
estiver apontada para alguém, não há tempo para mais nada. Quem leva tiro um
tiro de fuzil, não escuta o som do tiro que o mata.
10. Qual seu parecer sobre o episódio Angico?
Angico é um mistério – o combate de Angicos é o resultado de um belíssimo
trabalho policial – Angicos serve para reflexão para quem vive da lida das
armas, que mais hoje, mais amanhã a lei baterá as portas de quem vive as
margens da lei, quem quiser ser vitorioso sempre permaneça ao lado da lei,
porque o crime de uma forma ou de outra não compensa - é uma ação incerta e a
lei, vitoriosa contra o crime - é sempre certa.
Entrevista publicada pelo www.cariricangaco.com sítio
do Coroné Severo
*ADENDO
Como não tenho
autoridade nem conhecimento necessário para maiores contestações faço apenas
uma simples observação que inclusive já foi destacada em outro artigo por nosso
amigo e colaborador Fábio Costa e que se faz novamente necessária. É
quanto à grafia correta para a temível metralhadora: O correto é HOTCHKISS e
não "HOTKISS". Prova rápida e interessante é que se você
procurar no Google ocorrências para "Hotkiss" vai encontrar somente
referencias à sex shops e sobre a tradução literalmente.
Os leitores
que desejarem opinar fiquem a vontade para assinalar outros pontos.
ATT. Kiko
Monteiro