Por: Rostand Medeiros
“HOJE SÓ SE
SALVA QUEM AVÔA”
Em um dia de
agosto de 2006, uma sexta feira, na cidade pernambucana de Santa Cruz da Baixa
Verde, em Pernambuco, na companhia do escritor e pesquisador Sérgio Dantas,
tivemos a oportunidade de
conhecer um homem, nascido em 1912, que pela sua lucidez e saúde, foi como
encontrar um verdadeiro tesouro da história oral do cangaço.
Clementino
José Furtado, o Clementino Quelé.
Seu nome era
Antônio Ramos Moura, sua residência uma casa ampla no sitio Conceição e o
assunto foi os dois ataques perpetrados por Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, e seus cangaceiros, contra a casa do seu antigo parceiro, Clementino
José Furtado, o Clementino Quelé, que após estes embates se tornou um dos mais
esforçados perseguidores do “Rei do Cangaço”.
Antônio Ramos
Moura, então com doze anos, foi testemunha destes episódios e detalhou vários
aspectos de sua vida na época e rememorou inúmeros fatos.
O atual
município de Santa Cruz da Baixa Verde está localizado na região do Sertão do
Alto Pajeú, na fronteira com a Paraíba. Fica distante 455 quilômetros de
Recife, possui um agradável clima serrano e a cidade se caracteriza por
concentrar na atualidade a maior quantidade de engenhos de rapadura de
Pernambuco. Já as origens do local são oriundas do antigo “sítio Brocotó” e a
atual denominação tem origem na ação de um missionário nordestino que possui
uma história extraordinária.
Nascido em 5
de agosto de 1806, na Vila de Sobral, Ceará, José Antônio Pereira Ibiapina teve
uma origem confortável. Mas devido a participação do seu pai Francisco Miguel
Pereira na insurgência conhecida como Confederação do Equador, este foi
fuzilado em 1825, e o irmão Alexandre seguiu preso para a ilha de Fernando de
Noronha, onde morreu pouco tempo depois. Ibiapina teve que assumir e manter
financeiramente a família.
Padre
Ibiapina
Algum tempo
depois ingressou no Curso de Direito do Recife, concluindo em 1832. No ano
seguinte exerce o cargo de professor substituto de Direito Natural na Faculdade
de Olinda. Depois foi eleito Deputado Geral e nomeado, em dezembro, Juiz de
Direito da Comarca de Campo Maior, no Ceará. Concluídos os trabalhos
legislativos, em 1837, Ibiapina voltou para o Recife e resolve exercer a
advocacia. No entanto, ele passa a trabalhar efetivamente
na profissão no estado da Paraíba. Em 1840 volta ao Recife e continua sua luta
junto aos tribunais.
A partir de
1850 Ibiapina resolve abandonar seus trabalhos forenses e inicia um período
dedicado à meditação e exercícios de piedade. Após três anos de meditação e
reflexão, Ibiapina decide-se pelo sacerdócio. Nesse sentido, em 12 de julho de
1853, aos 47 anos de idade, ele se torna o Padre Ibiapina. Logo após sua
ordenação, o Bispo Dom João da Purificação o nomeia Vigário Geral e Provedor do
Bispado, além de professor de Eloquência do Seminário de Olinda.
Mas
contrariando seus superiores, opta pela vida missionária. Padre Ibiapina
começou então seu trabalho missionário pelo interior do Nordeste. Em diversas
vilas construiu casas de caridade, destinadas a moças pobres. Em cada lugar ele
pregava, orientava, promovia reconciliações, construía açudes, igrejas,
cemitérios, cacimbas e cruzeiros. Um destes cruzeiros foi erguido no sítio
Brocotó e ficou conhecido como Santa Cruz, sendo esta a denominação na época do
cangaço.
Região serrana
de Santa Cruz da Baixa Verde, Pernambuco.
Com o passar
do tempo, pelo fato da pequena urbe está no alto da Serra da Baixa Verde, o
lugar passou a denominar-se Santa Cruz da Baixa Verde e pertencia
administrativamente à bela cidade serrana de Triunfo.
O pai do nosso
entrevistado chamava-se Miguel Moura, tinha uma pequena bodega, além de
trabalhar como tropeiro, ou almocreve. Tinha uma tropa de animais e fazia a
linha entre as cidades de Triunfo, Serra Talhada e Arcoverde, na época
denominada Rio Branco, trazendo e levando cereais. Antônio Ramos comentou que
seu pai viajava para vários locais, transportando rapaduras. Inclusive o Rio
Grande do Norte foi um dos seus destinos, onde esteve em Mossoró para comprar
sal e também em Caicó.
O autor e o
memorioso Antônio Ramos Moura.
Para nosso
entrevistado Clementino Quelé, era chefe de sua família, tinha como irmãos
Pedro, Quintino, Antônio, José e Manuel (nezinho), todos considerados homens
dispostos, valentes e que “gostavam da espingarda”. Antônio Ramos comenta que
na sua infância tinha um enorme respeito por aquele homem. Pouco falou com ele,
mas obteve muitas informações sobre Quelé através de seu sogro Joaquim de
Fonte, sobrinho do chefe da família Furtado.
Clementino é
descrito como um homem forte, de tez acentuadamente branca, que realmente
ficava com a pele vermelha quando tinha raiva e esta teria sido a razão de
Lampião apelidá-lo pejorativamente como “Tamanduá Vermelho”.
Praça
principal da atual Santa Cruz da Baixa Verde, com a estátua do Padre Ibiapina
em destaque.
Já para o
pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (in “Guerreiros do Sol”, 2004,
págs. 220 a 225), Quelé era natural da ribeira do Navio, onde seguiu jovem para
Alagoas, afastando-se de Pernambuco por questões de disputa familiar. No
retorno a sua família vem para Triunfo, no sítio Santa Luzia. O antigo membro
de volante João Gomes de Lira (in “Lampião-Memórias de um soldado de volante”,
1990, págs. 123 e 124) comenta ser a Santa Luzia a morada do bravo
pernambucano.
Fachada da
igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em santa Cruz da Baixa Verde.
Para Antônio
Ramos, na época das grandes “brigadas” de Quelé contra Lampião, ele morava no
sítio Conceição.Independente desta questão consta para nosso entrevistado que
Quelé e seus irmãos eram analfabetos “-De tudo”. Do tipo que “-Não assinavam
nem o A” e nem faziam “-Garrancho” do nome. Dizia Quelé ao tio de Antônio Ramos
que ele era “careta”, outra denominação para seu analfabetismo. Pois quando
olhava para qualquer texto escrito, franzia a testa, mostrava o rosto
carregado, com uma careta, por não saber ler.
Mas se Quelé e
seus irmãos não sabiam ler, sabiam atirar e muito bem.
CONTINUA...
Escrito pelo historiógrafo e pesquisador do cangaço:
Rostand
Medeiros
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