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terça-feira, 12 de maio de 2020

ESCRITOR RAIMUNDO SOARES DE BRITO ENTREVISTANDO HOMERO COUTO O HOMEM QUE TRANSPORTOU O CANGACEIRO jARARACA ATÉ AO CEMITÉRIO sÃO SEBASTIÃO EM MOSSORÓ



Esta foto para mim, é emblemática. Do lado esquerdo, Homero Couto e do lado direito, Raimundo Soares de Brito. Para quem não conhece os personagens retratados, Homero Couto foi o motorista do carro Willys Night, de capota de lona, bastante espaçoso. Dentro do carro estava o temível José Leite de Santana conhecidamente por Jararaca. Homero foi o motorista responsável por conduzir Jararaca para a fatídica noite em que o cangaceiro citado morreu. A viagem estava tramada para o dia 21 de junho (de 1927), mas que fora antecipada, alegando falta de segurança na cidade. 

Conta-se que Jararaca foi convencido a embarcar no carro para uma viagem até Natal. Na escolta do cangaceiro estavam os tenentes Laurentino de Morais, Abdon Nunes e João Antunes; os sargentos Pedro Silvio, Eugênio Rodrigues da Costa; o cabo José Trajano; os soldados José de Abreu, João Arcanjo e Militão de Tal. Na verdade, foram dois carros. O outro, conduzido pelo motorista Joaquim Relaxado com os militares distribuídos nos dois veículos. A narrativa ainda tem alguns mistérios, mas, nada como uma fonte confiável de pesquisa para desvendar os mistérios. 

O certo é que Jararaca foi golpeado e enterrado vivo numa cova, já cavada no cemitério de Mossoró. Hoje, o túmulo de Jararaca é bastante visitado por questões de devoção e/ou curiosos da história cangaceirista. O tema cangaço, acontecido principalmente no início do século 20, é bastante contado pelos mais diversos autores. 

Raimundo Soares de Brito é um dos autores que buscou contar esta história através de fontes confiáveis. E assim como ele, outros autores tem a primazia de contar esta mesma história pela ótima testemunhal de quem viveu o momento. 

Na imagem, vemos exatamente o momento em que Raimundo Soares de Brito entrevistava o motorista Homero Couto para que algumas dúvidas pudessem ser dissipadas. Se fosse vivo, Raimundo Soares de Brito também conhecido como Raibrito, estaria fazendo 100 de nascimento. 

Para relembrar o momento importante que ele foi para a historiografia brasileira, foi criado e lançado um memorial digital que pode ser acessado pelo site www.raibrito.com.br pelas mãos do seu sobrinho e atual curador de todo acervo histórico.

O crédito da imagem é de Luciano Lellys que registrou o momento em que Raimundo Soares de Brito colhia o depoimento de Homero Couto a respeito da invasão de Mossoró pelo bando de cangaceiros, comandado pelo temível Lampião e informações sobre a "viagem" de Jararaca para Natal, que tomou outro rumo, indo para o cemitério de Mossoró.


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CEEC APRESENTA: SEMINÁRIO ONLINE "CORISCO NÃO SE RENDEU"!


É com grande prazer que te convidamos para participar do Seminário Online "CORISCO NÃO SE RENDEU: 80 Anos da morte do Diabo Loiro e da Prisão de Dadá" que acontecerá na Fanpage do evento no Facebook.

Para fazer sua inscrição basta curtir a página e aguardar até o dia 25 de maio de 2020, quando postaremos os vídeos com as falas de nossos convidados.




O seminário é uma iniciativa do Centro de Estudos Euclydes da Cunha - CEEC da Universidade do Estado da Bahia - UNEB e conta com o apoio do Arquivo Liandro Antiques - História e Genealogia de Barra do Mendes - BA, da Coordenadoria de Documentação e Memória da Polícia Militar da Bahia - PM/BA e da Diretoria de Audiovisual - DIMAS da Fundação Cultural do Estado da Bahia - FUNCEB.


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O RIO É DELAS

*Rangel Alves da Costa

O RIO É DELAS... Nas manhãs de cores singelas. O rio é delas... Perante as paisagens com suas aquarelas. O São Francisco é delas... Relembrando as canoas, os barcos e as velas. O Velho Chico é delas... No remanso das águas de antigas procelas. O Opará é delas... Lavando, quarando, limpando roupas e panelas. O rio é delas... Mais adiante os olhares apreciam das portas e janelas. O rio que é delas... Nada tenho. As águas, o rio, a beiradeira vida. É tudo delas...
O Velho Chico é delas... Aquelas mulheres ribeirinhas, mulheres nascidas nas águas, beiradeiras, guerreiras. O Velho Chico é delas... Descem os beirais tão faceiras, levando panos e rebolando as cadeiras. O Velho Chico é delas... Levando bacias nas mãos tão arteiras, lanhadas e mesmo assim altaneiras. O Velho Chico é delas. Pedir ao rio a permissão e a benção, em ritual de preces tão certeiras. No Velho Chico que é delas... E então adentrar nas águas, molhando as roupas compradas nas feiras, e começar o ofício pelas mãos aguadeiras. No Velho Chico delas...
O São Francisco é delas... Um rio antigo como a própria história, de bela pujança em toda sua glória. O São Francisco é delas... E elas que trazem consigo a mais velha memória, que nasceram e vivem em singela vitória. O São Francisco é delas... Vencendo a pobreza na luta tão inglória, tecendo o destino em singela trajetória. O São Francisco é delas... E é delas porque são as donas do rio, seus nomes estão nas águas e em toda sua história.


O Opará é delas... O rio-mar é delas. São as donas das águas, dos cantos, das ondas, remansos, das alegrias e mágoas. O Opará é delas... Donas de um rio com nome de santo, São Francisco de ondulados e fráguas. O Opará é delas... As roupas lançadas ao azul, camisas e anáguas. O Opará é delas... Águas e mágoas, cantos em fráguas, no Opará que é delas...
As donas do rio são pessoas simples, são mulheres humildes, são ribeirinhas que fazem do instante da lavagem de roupas um motivo para o reencontro consigo mesmas, com suas memórias e seu passado. Ali dentro das águas, cantando, proseando, dizendo palavras molhadas, são como estivessem numa magia sem fim.
Enquanto esfregam, passam sabão, betem e estendem roupas nas beiradas, elas passam a representar a mesma moldura numa paisagem antiga, de distante passado. Suas mães, suas bisavós, suas tataravós, todas um dia estiveram ali e também fizeram assim. Por isso que seus cantos são ainda os mesmos cantos que novamente ecoam para retornar no futuro, perante os filhos e netos, perante as gerações vindouras.
O rio é delas e elas sabem disso. Por isso amam o seu rio. Por isso têm suas águas como o próprio sangue que corre e escorre em suas veias.

Escritor
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MARIA BONITA: SEXO, VIOLÊNCIA E MULHERES NO CANGAÇO


Segundo o livro 1909/15 da paróquia de São João Batista de Jeremoabo, Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida como Maria Bonita, nasceu no dia 17 de janeiro de 1910, no município hoje conhecido como Paulo Afonso, na Bahia. Mas, a partir da década de 1990, Maria Bonita passaria a ser lembrada todo dia 8 de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Ainda jovem, Maria se casou com o sapateiro Zé de Neném, mas ele era infiel, e Maria queria uma outra vida para ela. Quando Lampião ganhou fama, ela ansiava por encontrá-lo, o que realmente aconteceu, e eles começaram a namorar. Um ano após, aos 18 anos, ela foi embora com ele na garupa de um cavalo, e isso quebrou a tradição do cangaço e iniciou a fase em que os cangaceiros podiam levar suas mulheres junto.
A presença de mulheres tornou os bandos menos violentos, as ações passaram a ser mais seletivas e centradas na coleta de dinheiro. Nenhuma mulher podia entrar no bando sem já estar casada com um cangaceiro. Não era permitida traição, e se houvesse, a mulher era executada. Se o marido morresse, algumas viúvas foram mortas para não se tornarem um fardo para o grupo ou presas pela polícia. MARIA BONITA: SEXO, VIOLÊNCIA E MULHERES NO CANGAÇO é um compilado sobre como era a vida dos bandos, com destaque para dois casais: Maria Bonita e Lampião; Dadá e Corisco.
Os jornais de 1930, época maior das crueldades e ações espetaculares de Lampião, deram pouca importância para a esposa do cangaceiro. Maria Bonita começou a ganhar ares de mito depois de sua morte. Ao contrário de Dadá, esposa do cangaceiro Corisco, que morreria em 1994 e deixaria sua vida registrada em livros, filmes e entrevistas, a história de Maria Bonita é contada apenas pela palavra falada e passada.
Lampião abandonou os estudos aos 12 anos de idade para ser vaqueiro. Tornou-se conhecido por ser “amansador de cavalos e burros bravios” e pela familiaridade com os caminhos da região. Embora de pouco estudo, era exímio estrategista. Segundo ele próprio, entrou no cangaço em 1917 para vingar o pai, José, Ferreira, assassinado na cidade de Água Branca, Alagoas. O crime tinha sido encomendado pelas famílias Nogueira e Saturnino, do município pernambucano de Vila Bela, sua terra natal. Mas há contradições nessa versão, uma vez que seu pai faleceu em 1921 em decorrência de atividade criminosa. Ele estava escondido em uma fazenda, quando a esposa, dona Maria, faleceu vítima de infarto. Logo em seguida, José foi cercado pela polícia e fuzilado a queima-roupa.
As mulheres da época eram tratadas com violência, vítimas de estupro e mortes bárbaras. Entretanto, Maria era tratada com carinho e respeito por Lampião. Dadá, a esposa de Corisco, e Maria Bonita, não se davam.Dadá dizia que Maria era uma mulher muito chata. Considerava-a abusada, ranzinza, orgulhosa, metida a besta e barulhenta. Maria estava sempre ornada com algumas das melhores jóias que já tinham circulado pelo sertão. Ao contrário de Maria, Dadá não morreu quando o bando foi capturado, mas presa. Após cumprir sua pena, ela ficou conhecida por algumas músicas que gravou, além dos livros e filmes.
A obra relata de forma direta e sem qualquer censura, o que essas pessoas passavam, como elas deviam pensar, e os atos que praticavam. Principalmente como era a vida das mulheres e como a valentia destas mudou o cangaço. Algumas partes são terríveis, reviram o estômago. Como o fato de que elas ficavam grávidas com frequência, porque não usavam métodos contraceptivos e precisavam ficar disponíveis para seus homens. Assim que os filhos nasciam, eles eram dados a fazendeiros ou casais em cidades por onde os bandos passavam.
Em vida, Maria nunca foi conhecida como Maria Bonita, mas apenas como Maria de Déa, uma jovem de 28 anos que teve a cabeça decepada em 28 de julho de 1938 e que morreu sem saber que seria tão famosa como é hoje. Quando Maria Gomes de Oliveira morreu, nasceu Maria Bonita.
MARIA BONITA: SEXO, VIOLÊNCIA E MULHERES NO CANGAÇO é uma obra importante para se compreender, sem qualquer romantismo, a selvageria do ser humano quando em um ambiente tão cruel quanto ele próprio. Não há limites, apenas o instinto animal de sobrevivência e liderança. A edição traz algumas fotos da época, o que a torna ainda mais interessante.
AVALIAÇÃO: 
AUTORA: Adriana NEGREIROS
EDITORA: Objetiva
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 296
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PIRANHAS, ROTA DO CANGAÇO, DESDE ONTEM!

Por Kiko Monteiro


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( LAMPIÃO E DONA GENEROSA ).



A antiga Macapá (Jati - Ce). Situada no extremo sul Cariri, limite geográfico com o vizinho Estado de Pernambuco, o centro do vilarejo era cortado pela então Estrada do Romeiro, a referida Estrada. Era fluxo permanente de: Viagantes, Comerciantes, Beatos, Romeiros, Volantes (polícia) e Cangaceiros. Em 02 de Março do ano de 1926, pacificamente Macapá, é visitado por Lampião e um numeroso grupo de 49 Cangaceiros. A casa de Dona Generosa Leôncio, foi ponto de apoio a Lampião e seu Estado Maior. Antônio Ferreira, Sabino Gomes e Luiz Pedro. A um almoço por ela convidada, juntamente ao tenente Francisco das Chagas Azevedo, e outros componentes da Polícia Militar cearense, para uma conversa informal, amistosa e animada, servida de galinha assada, regada a vinho e cerveja. Lá fora, Cangaceiros, Soldados e o povo de Macapá, em perfeita harmonia viviam horas inesquecíveis de alegria e festa, as que Lampião veio trazer aquele pedaço de sertão pertinho do Cariri. Antes de confraternizar a visita de Lampião a Macapá, os habitantes locais eram testemunhos dos acontecimentos.



Fato curioso. Lampião, a caminho de Juazeiro, convocado para fazer parte do Batalhão Patriota do Padim Padre Cícero, a adentrar no araudo de Macapá, a população local entrou em pânico, por não entender tal situação, Cangaceiros e Volantes juntos. Aos poucos a situação foi contornada, as casas, o comércio do aruado, mesmo de baixo de total desconfiança, aos poucos abriam suas portas e davam boas vindas aos visitantes.

" A história nunca morre, se suas lembranças não forem apagadas".

CASA DA CULTURA
Diretor, Luís Bento de Sousa
Luís Carolino.
APOIO.
Rota Cangaço,
Lampião, Governador do Sertão
Odisseia Cangaço canal YouTube.
Cangaçologia, canal YouTube
Prefeitura Municipal de Jati
( JATI em Boas Mãos )
ADM. Maria de Jesus Diniz Nogueira
( Neta ).



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"LUCAS DA FEIRA" SOB A ÓTICA DO HISTORIADOR HÉLDER ALENCAR



Desde o seu enforcamento há 168 anos, na primavera de 1849, Lucas Evangelista dos Santos, o Lucas da Feira, tem dividido a opinião dos estudiosos. Ladrão sanguinário para uns, para outros um defensor da justiça social. Há 40 anos, em 1977, o jornal A Tarde brindou seus anunciantes, assinantes e leitores com um texto assinado pelo advogado, historiador e jornalista Hélder Alencar sobre o escravo que se tornou um dos personagens mais conhecidos da história de Feira de Santana. Vale a pena relembrar.

Mitos e lendas: estórias que falam sobre Lucas da Feira

Hélder Alencar

Na manhã de 25 de setembro de 1849, conta a estória, uma nuvem de gafanhotos caiu sobre a Feira de Santana, sobre esta Feira de Santana de tantas coisas. Naquela manhã, era enforcado Lucas Evangelista dos Santos, Lucas da Feira.

Mas Lucas não é estória. É história. Incorporou-se, definitivamente, à História da Feira de Santana, cidade onde nasceu, viveu, sofreu e empreendeu toda sua luta, na defesa de sua raça, da raça negra, então oprimida, vilipendiada e escravizada.

Era contra a opressão da raça que se levantava Lucas Evangelista, nascido de dois escravos gêges, Inácio e Maria, ele próprio escravo, de três senhores, primeiro da rica proprietária de terra, Antônia Pereira de Lago, depois por morte desta, de um seu sobrinho, o padre José Alves Franco e, finalmente, do alferes José Alves Franco.

Inconformado com sua condição de escravo, Lucas conseguiu fugir aos 20 anos, fugir, não se libertar, pois não viu a abolição da escravatura, ocorrida anos depois do seu enforcamento, em patíbulo armado no fim da Avenida Senhor dos Passos, onde hoje se ergue o Cine Iris.


Para lutar contra a escravatura, Lucas forma um grupo de 30 homens, onde despontava Nicolau, Flaviano, Bernardino, Januário, José e Joaquim. Grupo inclusive que, segundo um estudo recente, de um teólogo português, no livro “Formação do Catolicismo Brasileiro”, influenciou para que a religião católica fosse praticada pelos negros. O seu quilombo é, hoje, considerado fundamental para a disseminação do catolicismo entre os negros.

Foi intensa a luta do bravo negro. Nascido em 18 de julho de 1807, Lucas saiu para a vida de lutas vinte anos depois, em 1827, quando conseguiu romper os grilões que o prendiam aos senhores donos de escravos.

E durante vinte e um anos, até a sua prisão, nas matas de Santana da Feira, em janeiro de 1848, Lucas Evangelista dos Santos lutou, combateu, enfrentou, desconheceu o medo e covardia, na defesa de sua raça.

“Negro superior com qualidades de chefe”, como bem afirmou Nina Rodrigues. Lucas tornou-se um homem diferente da maioria. Não se amoldou as circunstâncias, nem se adaptou ao regime escravocrata. Reagiu e lutou, liderando companheiros de raça.

A sua revolta não nasceu de um ato individual. A sua luta teve um sentido coletivo e social na defesa de uma raça, a sua raça, na redenção dos negros.

E justamente por isso Lucas não morreu. Está aí, desafiando mais um século, cantado pelos poetas do povo, analisado em tantas obras.

Claro que sua luta, destemida e incessante, passou a incomodar os senhores de terras, os ricos portugueses, donos dos escravos, que tratavam de unir-se contra ele, com uma palavra de ordem, violenta e definitiva: Lucas tinha que morrer.


E assim, nos fins do ano de 1847, a caçada intermitente começou, com crueldade, subornos e traições que jamais fizeram parte do humilde e modesto vocabulário de Lucas da Feira.

O cerco foi se formando nas redondezas de Santana da Feira. Um a um foram prendendo os seus companheiros. O primeiro foi Nicolau.

A prisão de Lucas estava eminente naquele janeiro de 1848. Lucas resiste enquanto pode. A polícia atirava para todos os lados e em todas as direções, até que uma bala o fere, quebrando-lhe o braço, minando-lhe as forças. Foi a luta desesperado de um só contra milhares.

Enfim, na manhã de 28 de janeiro de 1848, Lucas é preso e conduzido ao centro da cidade, em meio a festa dos escravocratas.

Bailes foram organizados. Os sinos das igrejas repicaram festivamente. Fogos de artifícios cruzaram os céus. Manifestações intensas se faziam. Eram os escravocratas comemorando a prisão de um grande homem negro.

Do outro lado, entretanto, lágrimas eram derramadas. Choravam os que tinham sido protegidos por Lucas. E quanta gente ele protegeu.

Lucas Evangelista dos Santos, real e lendário, herói de uma época de trevas, personagem de uma noite sem estrelas. Figura legendária de tempos de opressão e horror permanece vivo. Vemo-lo em cada ser humano que ele, com sua luta ajudou a libertar. 

Bravo como ele só, valente como poucos, corajoso como quase ninguém, Lucas da Feira é o símbolo de uma era apavorante e estúpida, cruel e miserável.


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54 ANOS DA ENTREVISTA DO CORONEL FRANCISCO FERREIRA DE MELO


Por Antônio Corrêa Sobrinho

AMIGOS,

54 ANOS, neste maio de 2020, da publicação, pelo jornal de Brasília, o CORREIO BRASILIENSE, da histórica entrevista do Coronel FRANCISCO FERREIRA DE MELO, concedida ao jornalista Antônio Sapucaia. Francisco Ferreira de Melo que, como sabemos, foi um dos comandantes das forças militares alagoanas que cercaram e mataram Lampião, em 1938, e se não escreveu livro para dizer deste impressionante e inesquecível acontecimento, como o fez o seu comandante, o Coronel João Bezerra, neste seu depoimento aos Jornais Associados, Francisco Ferreira de Melo apresenta suas impressões e diz sobre a sua participação em Angicos.

Registro que o amigo José Vanderli Silva é o maior responsável por esta postagem, a quem aqui agradeço, visto que foi ele que me consultou sobre esta entrevista, que me levou a buscá-la nos periódicos. E como sempre faço com o que leio e acho interessante, sobre cangaço, trago para os grupos, devidamente digitalizado, para conhecimento e deleite da gente.

LAMPIÃO EM VERSÃO DEFINITIVA
PUNHAL CRAVADO NO PEITO LEVOU COITEIRO A DENUNCIAR LAMPIÃO
Texto de Antônio Sapucaia

Novas controvérsias sobre a figura lendária e quixotesca de Virgulino Ferreira da Silva – Lampião – levaram dois repórteres associados a percorrer o interior de Alagoas na busca do homem que comandou o ataque decisivo na destruição do bando que durante mais de 20 anos levou a intranquilidade e o pânico a toda região nordestina. Antonio Sapucaia e José Ronaldo localizaram o tenente-coronel da Polícia Militar de Alagoas Francisco Ferreira de Melo, numa fazenda do município litorâneo de Coruripe.

Imagem de Francisco Ferreira de Melo Foto de José Ronaldo

Pela primeira vez, desde o fatídico 28 de julho de 1938, o coronel Ferreira fala com franqueza e conta tudo sobre o morticínio do bando terrível que matou e saqueou sem piedade em sete Estados da Federação.

Esta, e a história inédita que o coronel Ferreira reteve por 18 anos.

Durante mais de dois decênios, os sertões nordestinos viveram sobressaltados pelas truculências de Virgulino Ferreira da Silva, o famigerado Lampião, ao lado de outros cangaceiros que lhe obedeciam severamente às ordens recebidas.

Decorridos quase 30 anos do desaparecimento do mais perverso bandido que o Brasil conheceu, vemo-lo transformado em motivo inspirador da nossa música popular, romances, filmes, painéis, enquanto seus familiares vêm travando uma longa batalha: levar ao cemitério a cabeça dele e de Maria Bonita, que se acham insepultas no Museu Estácio de Lima, na Bahia. Ao lado de tudo isto, vem de surgir um fato curioso, envolvendo a “ressurreição” do “Rei do Cangaço” um velhinho paraibano radicado em Fortaleza, que conviveu, conheceu muito bem e até combateu Lampião nas caatingas”, divulgou recentemente que o desalmado cangaceiro não havia morrido e que a existência de maria bonita não passava de um mito, porquanto a mesma nunca existira a não ser na imaginação de trovadores e romancistas de feira. Disse ainda que Lampião “está mais vivo do que nunca, negociando gado em Campina Grande e vivendo como um nababo”. Chega a desafiar a qualquer “doutor” a provar o contrário.

Tais afirmações, bem como alguns pontos obscuros e controversos, que existem em torno do “Capitão” Lampião, levaram-nos a uma figura das mais autorizadas sobre o assunto, de vez que assistiu de perto o seu extermínio, lutando e comandando. Trata-se do tenente-coronel reformado, Francisco Ferreira de Melo, aspirante de então que comandara uma das volantes e que, em atenção ao tenente João Bezerra, seu compadre e amigo, e já na pista de Lampião, chegara a orientar o movimento das tropas que cercariam o cangaceiro e seus asseclas. Além disto, foi a sua tripa que primeiro se defrontou com os bandidos, abrindo fogo e os destruindo, na maioria.

A PALAVRA DO CORONEL

Fomos localizá-lo no Poxim, povoado pertencente ao município de Coruripe, estado de Alagoas, onde vive inteiramente voltado para o coqueiral que se estende ao longo dos fundos da sua residência, uma espécie de casa-grande. Durante aproximadamente 13 anos, em pleno vigor da sua mocidade, perseguiu Lampião, tornando-se um dos militares de grande confiança, o que é confirmado pelo fato de ter sido escolhido para comandar uma das volantes, as quais eram subordinas ao comando geral sob a responsabilidade do então coronel Lucena, um homem de fibra, bastante enérgico e vocacionado para a missão.

Homem de 61 anos, em cuja voz e traços fisionômicos percebem-se as pinceladas da velhice, o coronel Ferreira não se faz de rogado. Começa dizendo que retroceder a esse período da nossa história é nos deparar com uma série de atrocidades, lutas, fome, miséria, toda espécie de sofrimento. Fala com entusiasmo, gesticula e procura ser o mais fiel possível.

- “Para muita gente, que se mantinha distante dos acontecimentos, Lampião agia exclusivamente ao lado dos seus cabras, constituindo, todos, apenas um grupo. É puro engano dos que assim pensam. Do mesmo modo que a Polícia tinha as suas volantes, agindo em pontos diferentes, Lampião comandava também vários grupos, que se dispersavam pelas caatingas nordestinas, cometendo as piores misérias. Eu mesmo – prossegue o Coronel – cheguei a travar alguns combates com vários desses malfeitores, sem nunca ter me defrontado com o grupo em que se encontrava o perverso bandido. Com ele, travei apenas um combate – o primeiro e único – que foi o de Angicos, e que culminou com a sua morte. O certo é que todos eram de uma perversidade extrema e, por onde quer que passassem, deixavam o rastro da sua periculosidade. Só mesmo com disposição, sangue frio e muito espírito de luta é que se poderia enfrentar e dar fim aqueles infelizes malfeitores.

HOMENS SELECIONADOS

- “Os nossos homens eram todos selecionados, escolhidos a dedo, e aquele que demonstrava sinal de fraqueza, não poderia figurar ao nosso lado. Muitos deles, bravos e destemidos, ainda estão por aí, relembrando os dias negros que vivemos, para vermos terminado um verdadeiro período de calamidade, que colocava em pânico todo o Nordeste. Afastados dos nossos lares – continua o Coronel – passamos muitas noites de olhos abertos, em meio à caatinga brava, e era comum passarmos muitos dias de estômago vazio. Se por vezes tínhamos as criações, bodes, carneiros, etc., às vezes nada tínhamos, a não ser a fome que nos deixava assustados. Incrível que pareça, eu mesmo, certa vez, cheguei a comer pedrinhas, cuidadosamente catadas, tamanha era a fome que de mim se apoderava.

Em 1938, o aspirante Ferreira de Melo tinha o comando da sua tropa sediada em Pedra de Delmiro, a do tenente Bezerra em Piranhas e a do cabo Aniceto, em Mata Grande, enquanto o comando-geral situava-se em Santana do Ipanema.

No dia 27 de julho de 1938, uma quarta-feira, as tropas do aspirante Ferreira e do tenente Bezerra encontravam-se em Pedra de Delmiro, juntas, ocasião em que os seus comandantes traçavam planos para uma batida que julgavam de importância vital para o extermínio ou captura do adversário. Enquanto o tenente Bezerra deixara Piranhas para encontrar-se com o aspirantes Ferreira, na Vila de Pedra, o cabo Aniceto, deixava Mata Grande, sob a alegação de que teria faltado mantimentos que garantissem a permanência do seu pessoal ali, e demandara Piranhas, onde morava sua noiva, por sinal, filha do prefeito daquele Município.

Foi justamente nessa ocasião que, inesperadamente, segundo narra o coronel Ferreira, chegara a Piranhas um caboclo, meio assustado e tímido à procura do tenente Bezerra, manifestando o desejo de com ele se avistar. Interrogado sobre o que desejava, relutou em responder, posto que o sertanejo comumente é desconfiado. Depois de muita insistência, resolveu confessar então que, horas atrás, vira um grupo de cangaceiros em Entremontes, distante dali umas duas léguas. Detalhadamente, dissera que, no momento em que tangia alguns bodes, observou que alguns bandidos se encontravam em um roçado, quebrando milho e roubando melancias. Reconheceu que pertenciam ao grupo de Lampião. Diante do que vira, estava desejando falar com o tenente Bezerra, a fim de que o oficial rumasse para aquele povoado. Inteirado do fato, sem perder tempo o cabo Aniceto não teve outro caminho, senão telegrafar ao Tenente Bezerra: “Venha urgente boi curral”.

Tão logo a mensagem chegou ao poder do seu destinatário, este acusara o recebimento do telegrama, ao mesmo tempo em que solicitava do seu subordinado que providenciasse uma condução, e os viesse apanhar, pois em Pedra não havia nenhuma condução motorizada naquele momento. Apesar disto, as duas tropas, de Bezerra e Ferreira, partiram com destino a Piranhas, a pé, porque não se poderia perder tempo. Afinal de contas, a condução poderia vir ou não! Depois de enfrentarem, durante algumas horas, as terras comburidas e o solo causticante, encontraram um caminhão, procedente de Mata Grande, conduzindo alguns feirantes e suas mercadorias. O Tenente Bezerra determinou, assim, que fosse descarregado o caminhão, fizesse a volta e os conduzisse até Piranhas, o que foi feito incontinenti, enquanto os passageiros ficaram aguardando o retorno da condução.

NO ENCALÇO DE LAMPIÃO

Em Piranhas, trataram de providenciar uma canoa, a fim de que, através do rio São Francisco, eles pudessem alcançar a localidade onde se encontravam os bandidos. Depois de grande esforço, resolveram ajoujar três canoas – diz o coronel –, única solução viável naquele momento, uma vez que, eram aproximadamente 45 homens e se tornava necessária a presença de todos. O percurso dessa arriscada viagem foi feito à noite, sob forte aguaceiro, tendo os policiais chegado em Entremontes, cerca das 22 horas.

- “Quando alcançamos aquele povoado, ficamos à margem do rio, tendo o tenente Bezerra, comandante das tropas, determinado que o cabo Bida fosse à casa de Pedro de Cândida, bem próximo dali, e o trouxesse preso. Pedro de Cândida – esclarece o coronel – era um dos inúmeros coiteiros de Lampião, vivendo exclusivamente às expensas deste e sempre afirmava que botaria a policial em cima de todos os grupos, menos no de Virgulino Ferreira. Retornando sem haver cumprido a missão, o cabo Bida informou que Pedro de Cândida havia dito que por obséquio, o tenente fosse falar com ele em sua própria casa. O pior de tudo, é que não trouxe o homem. Ficamos tomados de grande revolta e o único pensamento que me veio à cabeça era de que o Pedro havia fugido e ninguém mais o encontraria. Mas, graças a Deus e à sua ousadia, que era demais, o homem não se arredara de casa e dois soldados foram buscá-lo, dessa vez com fortes recomendações. E o trouxeram, sem muito esforço. Diante do tenente Bezerra – continua o coronel – a despeito dos apertos que levou, o coiteiro-mor nada confessou, afirmando sempre não saber onde esse encontrava Lampião. Persistindo no intento de arrancar a confissão verdadeira, fosse de que maneira fosse, uma vez que ninguém tinha mais dúvida de que ele poderia tudo esclarecer, o comandante das nossas tropas resolveu encaminhá-lo para mim, no sentido de que eu desse um “jeitinho” para desvendar o mistério em torno do paradeiro dos bandidos.

PEDRO DE CÂNDIDA CONFESSA

- “Chamei-o para um lugarzinho afastado, já tomado de forte cólera, e conclui que a única solução do assunto dependia de uma medida rigorosa que, de fato, pudesse assustar ao maldito coiteiro. Saquei de um punhal que conduzia e encostei ao peito esquerdo dele, e disse com voz firme: “você tem dois caminhos a seguir: ou confessa ou morre. Por duas vezes, encostei-lhe o punhal, furando-o sem grande profundidade. Na terceira vez, quando ele percebeu que eu estava realmente disposto a mandá-lo para o outro mundo, resolveu falar, insistindo para que eu não o matasse.

- “Eu vou contar tudo – disse Pedro de Cândida ao aspirante – mas vai morrer muita gente...”

- Cientifiquei o ocorrido ao compadre Bezerra e mandei que ele próprio ouvisse a confissão. Sem muita demora, foi logo dizendo que os cangaceiros de fato estiveram em Entremontes, porém já haviam atravessado o rio, estando em Sergipe, e que um seu irmão, que residia a margem do rio, no outro lado, sabia esclarecer detalhadamente sobre o paradeiro dos bandidos, principalmente porque, no dia anterior, havia levado um bode assado para o “capitão” Lampião e sua gente. Não é necessário dizer que custamos a acreditar naquela conversa. Mesmo assim, atravessamos o São Francisco, conduzindo entre nós Pedro da Cândida, ocasião em que nos dissera que, se porventura não fosse verdadeiro o que ele acaba de confessar, pudéssemos matá-lo. A partir daquele momento, criamos alma nova e ficamos na certeza de que estávamos nos calcanhares de Lampião. A chuva não cessava e era cada vez maior a nossa esperança de vermos terminada aquela jornada, que havia começado há vários anos, sem ninguém saber quando terminaria!
CORONEL CONFESSA: DEGOLA DOS BANDIDOS FOI LIDERADA POR MIM
Após a confissão de Pedro de Cândida, os “macacos” perceberam que estavam no começo do fim. Ouçamos o coronel Ferreira:

- “ Quando atravessamos o São Francisco, encostamos as canoas em um lajedo e rumamos para a casa do irmão de Pedro de Cândida, cujo nome não consegui gravar. Deixamos o coiteiro em poder de alguns soldados, e procuramos falar com seu irmão, sem dizermos que Pedro se encontrava conosco. Insistimos bastante e ele nada queria nos confessar, sempre negando, até que a nossa paciência se esgotou. Daí, procuramos fazer a acareação dele com o irmão, tendo este, tão logo se avistaram, pedido que confessasse tudo, pois já havia descoberto o que sabia e estava tudo perdido. Seria inútil qualquer tentativa em sentido contrário. Nada mais restava fazer. E o rapazote despejou tudo com facilidade, inclusive confirmou que no dia anterior havia levado um bode assado para Lampião. E acrescentou que ele havia dito que, se não partissem naquela tarde, partiriam no dia seguinte, cedinho.

O Coronel Ferreira respira fundo, esfrega as mãos e diz que a partir daquele instante estava iniciada uma verdadeira via crucis. Estávamos cansados, molhados como patos n’água, mas tínhamos uma missão a cumprir – confessou-nos calmamente.

- “As tropas foram divididas. Cada grupo seguiu o seu rumo e coube à minha volante conduzir Pedro de Cândida, que nos mostraria o local onde se achava o assassino. Andamos de quatro pés, de joelhos, rastejamos, e quanto mais nos aproximávamos, em meio à escuridão, falávamos aos cochichos, evitando, assim, que algum barulho viesse a denunciar a nossa presença. Vivemos momentos de intensa apreensão. Ficou convencionado que o tenente Bezerra, tão logo se aproximasse do esconderijo, daria o primeiro tiro, no que seria seguido por todos nós. O correu, no entanto, que a minha tropa tanto se aproximou dos miseráveis, ao ponto de vermos, a poucos metros da nossa frente, um cangaceiro de cócoras, apanhando água, com uma cabaça, ou cantil. Mais tarde, viemos a saber que se tratava de Zé Sereno. Ouvimos o chocalho dos animais, fortes gargalhadas, e naquele momento, entre o clarear do dia e a penumbra da noite, o soldado Abdon, viu-se tão perto de um cangaceiro, conhecido por “Quinta Feira” que, sem a menor demora, deu-lhe um tiro. Estava iniciado o tiroteio. Um minuto de indecisão, e naturalmente teríamos levado chumbo. Iniciada a batalha, confesso que nunca vi quadro tão horroroso, principalmente pelos gritos horripilantes que os cangaceiros davam. Eram gritos horríveis, que assustariam a qualquer cristão, mesmo preparado para o difícil momento. O tiroteio durou uns 20 minutos, aproximadamente, em meio a uma fumaceira terrível, onde se misturavam a neblina da manhã com a fumaça vomitada pelas armas, enquanto espirrava cangaceiro por todos os lados. Quando já havíamos derrubado seus bandidos, já a tropa do tenente Bezerra se aproximava, dando prosseguimento ao tiroteio, derrubando os que iam aparecendo.

LAMPIÃO E MARIA BONITA BALEADOS

- “Cessado o fogo, fomos dar balanço das vítimas. Dos nossos companheiros, o soldado Adrião fora baleado mortalmente. Lampião recebera apenas uma bala, atingindo-o no lado esquerdo da região umbilical. Ainda agonizava, quando um dos nossos soldados aproximou-se dele, e, apontando o fuzil em direção da sua cabeça, ia puxando o gatilho, no que foi obstado por um outro soldado, Sebastião Vieira Sandes, conhecido por Santos, meu compadre e um dos mais corajosos milicianos que conheci. Mesmo assim, a bala que se destinaria diretamente à sua testa, ainda o atingiu, embora de raspão. Ao seu lado, Maria Bonita, com o fato todo de fora, pronunciava palavras incompreensíveis, arrancadas com esforço de moribundo. Luís Pedro, lugar-tenente de Lampião, ainda correu, tendo sido baleado a umas 10 ou 15 braças do local, acompanhado de um seu afilhado, o bandido “Vilanova”. Atingido por balas mortais, insistia com Vilanova para que este o acabasse de matar e que, como lembrança, ficasse com o seu mosquetão. Não resistiu, e o afilhado ficou com o mosquetão e o chapéu de como lembrança. No local – conclui o Coronel Ferreira – além de dois animais que eles conduziam, encontramos duas máquinas de costuras, manuais, comida de várias espécies, principalmente carne de conserva, jornais, medalhas, anéis de todo tipo, além de um verdadeiro arsenal.

DEGOLA: INICIATIVA DO CORONEL

Como se sabe, as vítimas da chacina de Angicos, excluindo o soldado Adrião, perfizeram um total de onze: Lampião, Luís Pedro, Quinta Feira, Mergulhão, Elétrico, Caixa de Fósforo, Cajarana, Diferente, Maria Bonita e Enedina, além de outro cujo nome não conseguimos reter. Cessada a batalha, jaziam alguns cangaceiros, enquanto outros ainda agonizavam.
Tomado de ingente revolta, o aspirante Ferreira chegou a sangrar um dos bandidos, que, num gesto de represália involuntária, jogou-lhe algumas golfadas de sangue, em meio aos horríveis gritos que antecedem aos instantes finais da vida.

- “Qualquer homem de bem, por mais pacato que seja – justifica o coronel – faria o que eu fiz. Bastaria que conhecesse de perto, colocando diante dos olhos os quadros de misérias que as terras sertanejas estavam cansadas de nos expor tendo com responsáveis aqueles perversos e miseráveis bandidos. Certa vez, não pude me controlar e cheguei a chorar, quando cheguei a uma casa e vi toda família, inclusive alguns menores, todos amarrados e queimados, vítimas de Lampião e seus comandados. Em plena caatinga, era hábito encontrarmos esqueletos dependurados em árvores, iniciativa do terrível Virgulino Ferreira. Seria ocioso mencionar as suas perversidades, por demais conhecidas, embora não na sua totalidade.

MARIA ERA MESMO BONITA E O “REI DO CANGAÇO” NÃO MORREU DORMINDO

Dizíamos, no meio desta série de reportagem, que existiam muitos pontos obscuros e controversos sobre Lampião, sua gente, suas façanhas. Um deles, por exemplo, prende-se ao coiteiro-mor Pedro da Cândida, o homem que conduziu o Tenente Bezerra e os seus comandados até ao esconderijo em que se achava o perverso cangaceiro, de conluio com algumas dezenas de divorciados da lei.

Numa série de entrevistas concedias aos Associados, o ex-cangaceiro “Volta Seca”, atualmente Antônio dos Santos, pai de sete filhos, funcionário da Leopoldina, no Rio, dissera entre outras coisas que, após a degola dos cangaceiros, as tropas da polícia alagoana deram cabo de Pedro da Cândida.

- “Nada mais inverídico e falso – refuta o Coronel. Na realidade, quando o conduzíamos em demanda de Angicos, levando-o com certa cautela, eu havia autorizado a dois soldados que, tão logo fosse iniciado o tiroteio, acabasse com a vida dele. Entretanto, apesar de não ser lá nenhum bom coração, resolvi pensar de modo diferente, atendendo aos seus clamorosos apelos, sobretudo com referência à família, que ia ficar desamparada. Assim sendo, através de gestos, eu transmiti aos soldados que nada fizessem, deixassem-no ir embora. E assim foi feito. Não posso esclarecer como ele escapuliu e foi bater em casa, mas uma coisa posso afirmar: um mês depois da chacina, Pedro de Cândida ainda tirava espinhos do corpo, um tanto inchado, em consequência da carreira que dera, enfrentando os mandacarus, xique-xiques e todos os tipos de plantas bravas.

Para desfazer totalmente as informações de Volta Seca, o coronel diz que os governos de Bahia e Alagoas (o interventor de Alagoas era o Dr. Osman Loureiro), juntos, ofertaram cem mil cruzeiros, a serem distribuídos com os participantes da luta, tendo ele e o Tenente Bezerra recebido maiores parcelas, enquanto o restante recebeu quantias iguais, inclusive o próprio Pedro de Cândida. Diz, ainda, que o referido coiteiro ingressara na polícia alagoana, na qualidade de cabo, tendo ido destacar em Entremontes, local em que residia.

ASSASSINADO ANOS DEPOIS
E o coronel revela:

- “Destacando em Entremontes, Pedro de Cândida, que era muito mulherengo, habitualmente deixava aquele distrito, conduzido em uma canoa por ele mesmo remada, em demanda de Piranhas. Naquela cidade, Pedro tinha as suas aventurazinhas amorosas. Nessa época, começou a aparecer um boato de que existia “bicho” naquelas redondezas, chegando a ser “visto” por muitas pessoas. Certa noite, quando um rapazinho de 15 a 16 anos transitava nas imediações do rio São Francisco, e tendo que passar por um caminho que se localizava bem a sua margem, inesperadamente deparou-se com um vulto, braços abertos, dando a ideia de que iria abraçá-lo. Já ciente do boato que circulava em Piranhas, ficou na certeza de que estava fielmente diante do lobisomem. Deste modo, talvez impulsionado pelo próprio medo, puxou do bolso uma “faquinha de cabo preto”, que conduzia, e a cravou no peito esquerdo do suposto fantasma, saindo a gritar dizendo que havia morto o “bicho”. Com grande surpresa para os habitantes dali, verificaram, depois, que se tratava de Pedro de Cândida, trajando um capote escuro, na época distribuído pela polícia de Alagoas.

LAMPIAO NÃO MORREU DORMINDO

Outra inverdade divulgada pelo ex-integrante do grupo de Lampião, refere-se à morte do seu ex-chefe, quando afirma que o “rei do cangaço” morreu dormindo, sem tempo para acordar. E acrescenta que “foi encontrado no chão, mas já caiu da rede morto e ensanguentado, com o corpo crivado de balas”.

- “Lampião, diz o coronel Ferreira, sem dúvida alguma foi tomado de surpresa e longe estava ele de acreditar que àquelas horas, naquele seu infeliz amanhecer de 28 de julho de 1938, nossas tropas estivessem, ali, ao seu redor. A bem da verdade, torna-se necessário esclarecer que o fato de termos o agarrado inesperadamente, ajudou-nos bastante, visto que, bastaria uma simples falha nossa, ou até mesmo uma simples indecisão ao abrir fogo, e talvez poucos soldados das nossas volantes viessem a descrever aqueles instante de ferocidade e agonia. Apesar de o termos cercado de surpresa, afirmo categoricamente que Lampião não morreu dormindo, nem foi crivado por várias balas. Todos os cangaceiros já se encontravam de pé, naturalmente se aprontando para a partida, pois o dia já estava amanhecendo e Lampião, conforme é sabido por todos, não era homem de dormir até tarde, principalmente com os seus subordinados acordados. Isto não passa de conversa mole, que não tem nenhuma razão de ser. Lampião já estava de pé e recebeu apenas uma bala, conforme eu já disse, empunhada pelo cabo Honorato, conhecido por Honoratinho. Todavia, ninguém poderia precisar, em meio ao fumaceiro, às apreensões e a balbúrdia do momento, que esse ou aquele policial tivesse atingido ao nosso terrível adversário. O verdadeiro, no duro, é que foi a minha tropa que exterminou Lampião. Esta é que é a verdade – diz energicamente o Coronel Ferreira.

ANTÔNIO FERREIRA É UM PSICOPATA

A entrevista está no fim. “Seu Antônio Ferreira, declarou que Lampião não havia morrido e que Maria nunca existiu, de vez que ele participava também do bando e nunca viu mulher ou mulheres entre eles. Lemos para o Coronel as ousadas declarações do velhinho paraibano, ouvidas sobre forte gargalhada.

- “Só mesmo um psicopata, poderia fazer tão imbecil afirmativa, sem pé nem cabeça, decerto procurando um início de levar o nome às páginas dos jornais. Se Lampião não morreu, como é que os membros da sua família vêm lutando para sepultar a cabeça dele e de Maria Bonita? Se Lampião não morreu, como é que os próprios sequazes seus, que lado a lado viviam com ele, constantemente se referem ao seu desparecimento, muito embora nem sempre historiando a verdade dos fatos? Existira prova mais fiel do que a existência da sua cabeça, já mumificada, no museu Estácio de Lima, na Bahia?

- “Não consigo entender como é que uma pessoa afirma que não existiam mulheres no bando de Lampião. Eu mesmo fiquei com algumas fotografias, pertencentes ao desgraçado cangaceiro, retiradas de uma lata que se achava em seu poder, onde se constata a existência das mulheres.

Folheia um álbum, que nos deu para examinar, no qual, dentre várias fotos, encontra-se uma do bandido “Pancada”, ao lado a sua companheira, cujo nome desconhece. Mais adiante, lá estão Lampião e Maria Bonita, esta sentada, entre dois cachorros, e aquele de pé, ao lado, em um jornal. Da fotografia, vê-se que Maria Bonita era bonita mesmo e dona de umas lindas pernas.

HOMEM DE CONSCIÊNCIA TRANQUILA

Aos 61 anos de idade, o tenente coronel Ferreira de Melo é um homem que diz viver de consciência tranquila, não obstante algumas malvadezas que teve de praticar, forçado pelos ossos do ofício, nem sempre ossos bons de roer. Respeitado e admirado, vive sob a glória de haver concorrido bravamente para o extermínio do maior bandido que o Brasil conheceu e reconhece que o triunfo coube a todos que participaram da chacina e outros que direta ou indiretamente, deram a sua parcela de sacrifício, em defesa da tranquilidade da nação. Cita os nomes do coronel Lucena Maranhão, do Tenente Bezerra, do ex-cabo Aniceto, que morreu baleado em Santana do Mundaú, no de 1959, e não esquece, entre vários outros, o Dr. Osman Loureiro que, na qualidade de Interventor, muito fez para a extinção daquela praga social.

Ainda hoje, na tranquilidade em que vive, fala de Lampião com ares de revolta e ódio.
Correio Brasiliense (DF) – 12, 13 e 14 de maio de 1966


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