Publicado em 17/07/2013 por Rostand Medeiros
E UMA PEQUENA HISTÓRIA ENVOLVENDO O CANGAÇO
Entrada do
Museu do Homem do Curimataú
Recentemente
tive a oportunidade de seguir
viagem através da Microrregião do Curimataú Ocidental, no Estado da Paraíba,
onde passei pelo município de Cuité. Com uma população que atualmente supera os
26.000 habitantes Cuité tem muita história, tendo sido fundado a 245 anos, onde
sempre possuiu uma ligação muito forte e intensa com o Seridó Potiguar.
Não tinha
intenção de parar, mas, ao tomar o caminho que segue para a cidade de Campina
Grande, me deparei com uma interessante edificação pintada de verde, que me
lembrou a fachada de um cinema antigo. No alto do frontão da entrada estava
escrito na vertical “Cuité Clube”, em um padrão de letras típicos da década de
1930. Ao lado da porta principal vi uma placa igual as existentes em obras
inauguradas por políticos, onde estava escrito “Museu do Homem do
Curimataú”. Aquilo me chamou atenção e, como estava com o dia livre,
decidi conhecer o local.
Salão
principal
Fui muito bem
recepcionado por José André Santos, que além de trabalhar no local se
dedica a poesia. Ele me contou que o Museu foi inaugurado em 11 de março de
2010 e ali funcionou um clube social que marcou época na cidade. Infelizmente
este se encontrava abandonado, depois que os sócios fundadores faleceram e os
seus herdeiros não continuaram com o clube. Foi então que a Universidade
Federal de Campina Grande-UFCG decidiu recuperar o imóvel. Depois da
recuperação foi feita a pesquisa e busca de objetos para a sua composição.
Consta que o Museu do Homem do Curimataú é um órgão ligado ao Centro de
Educação e Saúde da UFCG e é fruto de um projeto aprovado pelo IPHAN,
disponibilizando um acervo material que retrata e preserva a memória da região.
Material do
Boi de Reis de Manoel Birico. Hoje esta manifestação folclórica não é mais
executada em Cuitá, mas vale pela preservação dos materiais utilizados
O acervo ocupa
grande parte do salão principal do antigo Cuité Clube, com biombos dividindo as
peças apresentadas através de áreas temáticas distintas. André me comentou que o
Museu é focado principalmente na preservação da memória dos hábitos e fazeres
do povo de Cuité. Ali os estudantes realizam muitas aulas de campo voltadas ao
resgate das origens com uma verdadeira volta ao passado e uma reflexão da
atualidade. Para André o Museu se tornou um ponto de cultura, com apresentação
de palestras, cantorias de violas, apresentações de outros ritmos musicais.
Um “chincho”,
ou engenho, de fazer queijos
Em meio ao
deleite de conhecer peças que eram utilizadas nas antigas fazendas da região,
perguntei a André sobre o ocorrência de fatos ligados ao fenômeno do cangaço em
Cuité. Ele me respondeu que neste aspecto, para sorte dos antigos moradores da
cidade, o cangaço não foi muito ativo em sua região. Informou que na década de
1940 o ex-cangaceiro Antônio Silvino passou pela cidade e se encontrou com o
poeta popular Zé de Luzia, este ainda vivo e lúcido, que poderia narrar
detalhes deste encontro. Entretanto André me comentou que sabia da
história de um parente que se tornou cangaceiro.
Artigos de
caça. A arma de fogo de percussão é a famosa Lazarina, o arco é um Bodoque. Já
a pele na extrema
esquerda da foto é de um gato maracajá e a longa pele estirada na parede, com
2,73 metros, é de uma jiboia morta no Sítio Alegre, zona rural de Cuité, na
década de 1940.
André, que
também é trombonista e vocalista de uma orquestra criada no Museu, é sobrinho
neto de Joaquim Taveira, que era natural da cidade paraibana de Araruna, tendo
nascido em terras pertencentes a José Gomes Maranhão e Maria Júlia Maranhão,
que depois passaram a serem administradas pelo filho Benjamim Gomes Maranhão,
mais conhecido como ”Beja Maranhão”. Este último é o pai de José
Maranhão, ex-governador da Paraíba.
O primeiro
rádio da cidade de Cuité. André me comentou que a chegada deste aparelho
movimentou de tal maneira a região, que pessoas pagavam para escutar o serviço
em português da rádio BBC de Londres
Dando uma
passada rápida em antigos documentos da região de Araruna, consta que em
1920 José Gomes Maranhão era proprietário do Sítio Baixio, ou
Baixios, mas não tivemos como comprovar se Joaquim Taveira nasceu neste local.
Mas voltando
ao relato de André, ele comentou que a memória de sua família aponta que
Taveira entrou no cangaço apenas pelo desejo de se aventurar, de sair pelo
mundo vestido e armado como um cangaceiro. Infelizmente sua família perdeu todo
o contato com Joaquim Taveira durante este tempo e nada soube de suas aventuras
e desventuras no cangaço, nem onde esteve, nem com quem andou ou combateu e
ninguém sabia o seu destino.
Mas na década
de 1950, uma irmã de Joaquim, avó de André, chamada Veneranda Taveira, mais
conhecida como Neranda, casualmente se encontrou com o desaparecido irmão em
uma feira. Sobre a cidade onde ficava localizada esta feira, Neranda fez
questão de se calar para preservar o irmão. Em meio a alegria do
reencontro, Joaquim informou que no cangaço era conhecido pelo apelido de
“Jurubeba” e que esteve principalmente nos sertões da Bahia, onde afirmou que
fez parte do bando de Ângelo Roque.
Ângelo Roque
na década de 1970. Homem livre e exemplar funcionário público em Salvador
Este era
Ângelo Roque da Costa, conhecido como Anjo Roque, ou Labareda. Nasceu em 1910
no lugar Jatobá, depois pertencente ao município de Tacaratu, em Pernambuco.
Consta que entrou para o cangaço após matar um soldado de polícia que se meteu
a conquistador com uma irmã sua. Entrou para o cangaço em 1928, quando ocorreu
seu primeiro encontro com Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Tinha bando
próprio, mas frequentemente reunia seu grupo ao do grande chefe cangaceiro, era
considerado valente e foi figura importante dentro da história do
cangaceirismo. Se entregou a polícia quase dois anos após a morte de Lampião e
passou algum tempo na cadeia em Salvador. Ao sair passou a trabalhar como um
pacato funcionário público do Conselho Penitenciário, graças ao apoio do
advogado, escritor e pesquisador Estácio Lima.
Notícia do
jornal carioca A Noite, reproduzida na imprensa potiguar, apontando a detenção
de Ângelo Roque e seus bando, em abril de 1940
Se realmente
Joaquim Taveira fez parte do bando de Ângelo Roque, certamente deixou a vida de
cangaceiro antes de abril de 1940, pois não estava entre os cangaceiros que se
entregaram as autoridades policiais baianas. Além do chefe Ângelo Roque
foram detidas quatro mulheres que estavam no grupo, bem como Benício
Alves dos Santos, o cangaceiro Saracura, Manoel Raimundo da Silva, o Jandaia,
Antônio Pedro da Silva, Patativa e o cangaceiro conhecido pela alcunha de Deus
Te Guie, cujo nome verdadeiro era Domingos Gregório.
André e a
moeda que teria estado presa ao chapéu de couro do cangaceiro “Jurubeba”
Em relação ao
encontro de Joaquim Taveira e a sua irmã Neranda, este não quis entrar em
detalhes de sua vida. Mas lhe entregou três objetos desta época; uma pequena
arma branca, um breviário de Santo Antônio de Lisboa, presente do próprio
Ângelo Roque e uma moeda vazada, que o pretenso cangaceiro “Jurubeba” utilizava
no seu chapéu. Estes objetos foram doados pelo próprio André e se encontram em
exposição no Museu do Homem do Curimataú.
André comentou
que a narrativa sobre a história deste cangaceiro é parte da tradição oral de
seus familiares. Que durante muitos anos eles tinham vergonha e medo de narrar
esta situação. Para André, mesmo que não existam meios de confirmação da
informações aqui narradas, agora os tempos são outros e ele narra esta tradição
oral com desenvoltura e tranquilidade. Não tenho certeza, mas talvez isso
ocorra devido a existência deste museu.
Saí do Museu
do Homem do Curimataú com a convicção que a existência de outros museus em
cidades nordestinas é algo extremamente importante para que as novas gerações
conheçam mais sobre o seu passado e com isso elevem a auto estima de serem
naturais de seus locais. Entretanto estes possíveis museus não podem ser apenas
um local de guarda de objetos antigos, de “coisas velhas”. Eles devem existir
com a perspectiva de se tornarem locais de desenvolvimento e manutenção da
cultura local e de troca de informações históricas.
Seguindo
pelas estradas
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Extraído do blog: Tok de História do historiógrafo Rostand Medeiros
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