Por Honório de Medeiros
De todos os livros de Câmara
Cascudo, para mim nenhum é tão belo quanto "Flor de Romances
Trágicos". Comecemos pelo título. Se decompormos e reunirmos novamente os
termos que o compõem, nem assim ele faz sentido. O que significa "Flor
de Romances Trágicos"?
Entretanto é um belo título.
Estranhamente belo.
Essa beleza não permite o menor
vislumbre acerca do conteúdo da obra. Afinal, se os perfis que Cascudo
apresenta são trágicos, com certeza não poderiam, sequer esteticamente, serem
considerados romances, bem como não poderíamos denominar "flores" os
"outsiders" que o grande escritor apresenta em sua obra. Trágicos,
sim, não haja dúvidas...
Mas o talento enquanto escritor,
de Câmara Cascudo, não transparece apenas no título do livro apresentado à
nossa leitura e tão representativo do seu olhar inquiridor. Transparece,
também, nos perfis desses "outsiders" que ele nos apresenta. Cada um
deles é de uma beleza formal e conteudística memorável.
Toda essa introdução é necessária
para dar suporte à afirmação basilar a ser anunciada agora. Devemos à Cascudo,
mais que a qualquer outro escritor, aí incluído Raimundo Nonato, a construção
do mito de Jesuíno Brilhante enquanto um cangaceiro "gentil-homem".
Recordemos:
"Jesuíno Alves de Melo
Calado foi o cangaceiro gentilhomem, o bandoleiro romântico, espécie matura de
Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos velhos
oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.
Sua fama ainda resiste,
indelével, num clima de simpatia irresistível. Certas injustiças acontecem
porque Jesuíno Brilhante não existe mais. Era o paladino, o cavaleiro andante,
sem medo e sem mácula, em serviço do direito comum e natural."
Não fosse a força do seu
pensamento, assim como seu talento de escritor, a tradição oral não seria
suficiente para construir a imagem de Jesuíno Brilhante que guardamos hoje.
Seria verdadeira essa imagem?
Estão corretos os fatos por ele apresentados e interpretados, que ajudou a
construir uma versão que se tornou praticamente "oficial" e que
pautou a obra de Raimundo Nonato, bem como as que lhe seguiram a respeito do
famoso cangaceiro? Para começarmos a responder essa questão o primeiro passo é
nos indagarmos acerca de quais foram as fontes nas quais bebeu Cascudo para
escrever acerca de Jesuíno Brilhante.
Que fontes foram essas?
Cascudo alude às seguintes fontes
em "Flor de Romances Trágicos": o Padre Antônio Brilhante de
Alencar (1873-1942) e Hugulino de Oliveira, de Caraúbas, Rn, que a seu pedido
ouviu Dona Maria Umbelina de Almeida Castro. Faz referências, também, embora
sem informar se foram fontes suas, a seu avô materno, Manuel Fernandes Pimenta,
dono da "Fazenda Logradouro", município de Campo Grande, que segundo
ele foi amigo pessoal de Jesuíno Brilhante, e sua mãe que,"menina, brincou
muitas vezes com as filhas pequenas do valente".
Além disso, claro, o material
resultante da recolha da tradição popular, tal qual o "documento
popular""ABC de Jesuíno Brilhante", que Rodrigues de Carvalho
registrou em "Cancioneiro do Norte"(Paraíba, 1928).
Ou seja, enquanto fontes, as
relações familiares e afetivas, bem como a tradicional propensão do nosso
sertanejo de interpretar os fatos presenciados ou sabidos dando-lhes forma e
conteúdo de caráter mítico turvam a possibilidade de construção de uma imagem
de Jesuíno Brilhante condizente com a realidade.
É a essa tradição oral sertaneja,
por exemplo, cultivada nos serões familiares, à luz das fogueiras ou
lamparinas, que devemos a imagem de Antônio Silvino, Lampião e Padre Cícero que
encontramos, ainda hoje, pelos Sertões nordestinos, tão distanciada da
realidade.
Em sendo assim, existiria alguma outra
fonte à qual pudéssemos recorrer para construir uma imagem de Jesuíno que fosse
mais real, menos mítica?
Temos. Neste ensaio vamos mostrar
um outro Jesuíno Brilhante.
Essa mostra tem dois momentos. No
primeiro trataremos de fatos vividos por ele, mas vistos sob outra perspectiva,
e, no segundo, traremos à lume um depoimento impactante acerca do cangaceiro,
de um cidadão de reputação ilibada, seu contemporâneo, com forte presença na
história em decorrência de sua decisiva participação em um momento sumamente
importante para o Rio Grande do Norte.
Após fazermos tudo isso, teremos
apresentado um contraponto à Cascudo e deixaremos a critério do leitor a
escolha que lhe for conveniente para responder a questão que perpassa esse
texto: Jesuíno Brilhante, herói ou bandido?
Honório de Medeiros é escritor e pesquisador do cangaço.
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2014/10/jesuino-brilhante-heroi-ou-bandido.html
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