Por Antonio Corrêa Sobrinho
AMIGOS, leiam
esta interessante e rica matéria.
Em 1930, em
pleno "Estado Livre de Princesa, na Paraíba, o famoso
coronel José Pereira falou
longamente ao repórter dos "Diários Associados", Victor do
Espírito Santo.
Reportagem
para mim duplamente interessante, por conta de um ocorrido: a inesperada e momentânea
presença deste notável jornalista na minha pequena e querida Aracaju de 1930, quando o
hidroavião que o transportava do Rio a Recife, de onde ele iniciou a peregrinação
em busca de Princesa e do famoso Zé Pereira, precisou, vocês saberão o motivo,
demorar um pouco mais em Aracaju, momento este que Victor fez questão de deixar
registrado no âmbito desta histórica matéria.
EM BUSCA DE
PRINCESA, O MUNICÍPIO REVOLUCIONADO DA PARAÍBA.
Victor do
ESPÍRITO SANTO
(Enviado
especial d’O JORNAL e do “Diário da Noite” do Rio e do “Diário da Noite” de S.
Paulo)
DO RIO A
RECIFE EM AVIÃO DA CONDOR – PARADA INESPERADA EM ARACAJU E UMA
OPORTUNIDADE PARA UMA ENTREVISTA PITORESCA – MANÉ CAROÇO VISTO POR UM BACHAREL
DE 84 – RECIFE.
RECIFE, 13 –
(Por avião) – Não fui inteiramente feliz nesta minha primeira viagem aérea.
Para que uma
viagem assim longa decorra a contento, necessário é que se tenha por companheiros
pessoas com as quais possamos trocar impressões, tornando menos insípidas as
longas travessias quando a vista se cansa de admirar o oceano, “que castiga pela majestade
e o litoral que se repete milhas e milhas sem um fato novo que prenda a atenção, que
desperte a curiosidade. E eu não tive desses companheiros quando saí do Rio, no
“Olinda”, o possante e seguríssimo avião da Condor. Foram meus companheiros até à Bahia,
dois alemães quase mudos e cujo sono acabou por contagiar-me.
Em
Canavieiras, porém, assaltou-me a esperança de que ia ser melhorada a viagem,
pois nessa pequena
cidade deveriam embarcar cinco passageiros para a capital baiana. Não fui, ainda
desta feita, feliz. Os meus novos companheiros eram o prefeito de Canavieiras, um engenheiro,
um mecânico da Condor, um médico e a sua esposa. A não ser o mecânico,
todos os demais eram políticos que empregavam todo o tempo em discutir o coeficiente de
votos que o coronel fulano deveria dar e não dera e outras coisas que tais enquanto isso,
a senhora do médico cansava-se de enjoar...
Na Bahia, a
situação mudou-se, afinal. Quando, na Ribeira, esperava o pequeno bote que deveria
conduzir-me para bordo do novo avião em que iria prosseguir a viagem até
Recife, uma figura
muito nossa conhecida desembarcou de um automóvel para seguir também em demanda do
aparelho: tratava-se de monsenhor Rosalvo Costa Rego, o vigário geral aí do Rio. Ia,
enfim, ter uma ótima companhia! E o foi efetivamente. Com a sua palavra
atraente, a sua verve
encantadora, o seu espírito fino, a sua inteligência brilhante e os seus
grandes conhecimentos
da zona que íamos percorrer, monsenhor Costa Rego era a companhia desejada.
Era a primeira
vez que o ilustre vigário geral do Rio embarca em um avião e o fazia, disse-nos ele, sem
satisfação devido às condições que o obrigavam a utilizar-se daquele meio de viação:
desejara chegar a Maceió quanto antes por precisar visitar uma pessoa cara que se
encontrava gravemente enferma. Infelizmente, a bordo do Itaité, recebera comunicação de
que essa pessoa falecera. E agora prosseguia viagem por já estar de passagem
comprada e ter de providenciar sobre o espólio da pessoa que morrera, sua mãe de
criação.
Deixamos a
Bahia às 6 horas, e pouco antes das 9, o “Blumenau”, numa descida elegante e suave
pousava os seus flutuantes no porto de Aracaju a fim de aí entregar a correspondência
e receber gasolina. A demora deveria ser rápida, de 15 minutos, se tanto.
Assim, pouco
depois das 9 horas, o “Blumenau” erguia-se das águas, elevava-se sobre Aracaju e
contornava a pequena mas linda capital sergipana. O motor, porém, não estava funcionando a
contento, conforme foi notado pelos tripulantes do avião. E após atingir uma altura de
cerca de 1000 metros, o “Blumenau” descia novamente e com rapidez, um tanto precipitadamente
para alcançar outra vez o ponto de onde partimos.
Era, disse-nos
o piloto do avião, o tubo de óleo que não estava funcionando com regularidade
e, por isso, necessitava de reparos, que demandariam cerca de duas horas.
Apresentava-se-nos
uma oportunidade para percorrer a cidade de Aracaju e íamos aproveitá-la.
GREVE DE
CHOFERES
Aracaju, a
pacata capital do pequenino Sergipe, recebeu-nos a mim e aos meus companheiros
de excursão com curiosidade. Ainda é herói em nossa terra quem viaja de avião. E nós
éramos considerados como heróis...
Tornava-se
incômoda aquela situação de alvos da curiosidade pública e, por isso, procurávamos
um meio de evitá-la aproveitando também a oportunidade para conhecer a cidade.
Saímos em
busca de automóveis, mas em vão, pois não encontramos um só desses veículos de
aluguel na cidade. Um sergipano baixo e cheio incumbiu-se de dar-nos a explicação de
ausência de autos e fê-lo na sua linguagem de homem do povo, dizendo a monsenhor
Costa Rego:
- Hoje, “seu”
padre, não há automóvel, não sinhô. Os “chofé” estão em greve porque obrigaram eles
a mudar de ponto.
E um outro
habitante de Aracaju atalhou logo, desolado:
- Que triste
impressão vão os senhores levar de Sergipe!...
Mas, “há males
que vêm para bem” diz o rufião. A greve dos choferes privou-nos de percorrer a
cidade, que víramos do alto. Em compensação proporcionou-nos ensejo de manter com um
homem simples, uma palestra pitoresca em que a língua por vezes solta de um velho
bacharel, de um bacharel de 84, teve palavras de brasa contra muitos dos nossos homens
públicos.
UM SENHOR DE
ENGENHO, O GOVERNADOR DE SERGIPE:
Na falta de um
meio de condução que nos levasse aos diversos pontos da cidade, não nos aventuramos a
andar a pé pela cidade de Aracaju, para evitar que se formasse uma procissão
atrás de nós. Era, no entanto, necessário esperar que terminassem os consertos no avião. Por
isso, encaminhamo-nos para o cais, onde se aglomeravam populares para ver o
aparelho. Monsenhor Costa Rego, era quem mais chamava a atenção dos sergipanos,
que para ele se voltavam curiosos. Assim, quando o ilustre sacerdote chegou no coreto
existente no cais, foi logo abordado por um cavalheiro de idade avançada, cabeça
inteiramente calva, bigodes brancos e barba por fazer, olhos empapuçados e orelhas um
tanto grandes, que, de chofre, lhe perguntou:
- Seu padre, o
senhor veio de avião?!
- Sim, vim no
“Blumenau”.
- Que coragem,
seu padre! Eu não viajaria naquele bichinho, nem para ganhar mais de dez anos de
vida... Deus deu asas aos pássaros e só os pássaros podem voar. Se Deus quisesse que
os homens voassem, ter-lhes-ia dado asas também. Se não o fez...
- Qual! –
atalhou o vigário geral – não há o menor perigo em viajar-se em aeroplano.
Creio que o
automóvel oferece menos segurança.
Embora, porém,
todos os argumentos de monsenhor Costa Rego, corroborados por mim e pelo terceiro
companheiro de viagem, o velho mostrou-se irredutível, assegurando:
- Salviano
Corrêa de Oliveira Andrade, advogado formado em 1884, morador em São Cristóvão, nunca
viajará naquilo. Quero morrer naturalmente e não precipitar os acontecimentos.
Em pouco a
conversa descambou para a política e o velhinho, entusiasmando se, provocado
sempre por monsenhor, ia falando de uma situação, atacando outra oposição, elogiando
Pernambuco e dizendo sempre:
- Isto é um
país perdido. Então Manoel Dantas é lá homem para governar Sergipe?! Ele é um senhor de
engenho, um coronel de poucas letras, um homem rude. Honesto, isto lá ele é. Mas nunca
estudou direito administrativo, não sabe o que é uma administração adiantada.
- Então o
senhor é oposicionista?
- Não! Sou
conservador. Não posso formar com esses malucos dos liberais. Eles querem implantar aqui
doutrinas do Soviet e eu, um homem de leis, não posso estar de acordo com eles. Sou
conservador e, embora tenha admirado o governo que fez o doutor Graccho Cardoso, não
posso aplaudir-lhe o gesto que vem de ter rompendo com o governo. É um homem
inteligente mas dessa vez falhou. Eu acho é que nós precisamos de uma monarquia como
a de D. Pedro II, a de Victor Manoel, a de Jorge V. só assim é que consertaríamos
a situação má que atravessamos.
- Mas
Mussolini é um ditador e o senhor, um homem de lei, não pode aprovar uma ditadura! –
disse provocadoramente monsenhor Costa Rego.
- De modus in
rebus – fez o doutor Corrêa – Ele salvou a Itália do abismo. Eu ando bem informado,
esteja certo, pois sou assinantes do Diário de Pernambuco, o decano da imprensa
brasileira.
E o bom velho,
atacando os liberais, fazendo caretas horríveis quando pronunciava a palavra
liberal, entrou a dissertar sobre a política federal, a pernambucana até que, provocado por
monsenhor Costa Rego, abordou a situação de Alagoas, assegurando:
- Lá está um
tal Sr. Paes, um homem de poucas letras, tal como o Sr. Manoel Dantas.
- Mas ele é
seu colega, bacharel – disse um dos presentes.
- Ser
bacharel, hoje, não é nada. Vai-se agora analfabeto para a Bahia e volta-se sobraçando uma
bolsa de couro e com o título de bacharel. Pergunta-se a um desses bacharéis o
que é Corpus Juris e ele dirá que é sanduíche... no meu tempo, sim, é que se estudava para
se obter um pergaminho assinado em nome de Sua Majestade o Imperador.
Hoje, parece
que os bacharéis sabem tanto como o coronel Manoel Dantas. Monsenhor
Costa Rego procurou ainda encaminhar a palestra para o seu irmão, o ex- governador de
Alagoas. O avião, porém, já estava pronto e tivemos necessidade de deixar o bom
velhinho, que, ao despedir-se do sacerdote, depois de abraça-lo demoradamente, fez questão de
novo abraço, dizendo:
- Esse abraço
foi-me ao coração! Dê-me outro, seu padre!
Daí a
instantes, depois de uma tentativa frustrada, o “Blumenau” levantava voo e demandava a
Alagoas, para daí tomar a direção de Recife, onde desembarquei, afinal, às 15 ½ horas de
ontem.
Preparo-me
agora para atravessar o sertão pernambucano, andar várias léguas de trem e automóvel para
conseguir penetrar em Princesa. Conseguirei? Lograrei defrontar-me com o coronel José
Pereira e entrevista-lo? É o que vou tentar.
O Jornal -
18.04.1930
NO REDUTO DO
SR. JOSÉ PEREIRA, O CHEFE SERTANEJO DISSIDENTE DA PARAÍBA – A VIAGEM DO
ENVIADO ESPECIAL D’ O JORNAL, DO ;DIÁRIO DA
NOITE;, DO RIO E DO;DIÁRIO DA NOITE; DE S. PAULO ATÉ A CIDADE DE PRINCESA, NO
INTERIOR PARAIBANO – OS
RECURSOS BÉLICOS DOS CANGACEIROS – O AMBIENTE NO SERTÃO DA
PARAÍBA
Levado pelo
intuito de oferecer aos seus leitores um depoimento tão amplo quanto possível, em
torno dos acontecimentos que se estão desenrolando no interior paraibano, com a ocupação
da importante cidade de Princesa por um grupo de homens armadas, sob a chefia do
Sr. José Pereira, O JORNAL, em combinação com o Diário da Noite desta
capital e o
Diário da Noite de S. Paulo destacou um dos seus redatores para colher, de visu, no
próprio teatro da luta armada, que ora se trava no interior daquela unidade federativa do
norte, impressões que logrem dar uma justa ideia e definir as verdadeiras proporções do
levante cangaceiro que se opõe ao poder constituído da Paraíba.
O nosso
enviado especial teve ensejo, no desempenho da missão de que foi portador, de visitar o
reduto do chefe dissidente paraibano, onde demorou-se o suficiente para observar o vulto e os
objetivos das atividades rebeldes do Sr. José Pereira, cuja palavra, ainda por seu
intermédio, os nossos leitores terão oportunidade de conhecer, através das correspondências
que hoje começamos a publicar.
RECIFE, 15 – É
das coisas mais penosas ter-se de atravessar o sertão pernambucano, percorrendo
léguas e léguas das mais horríveis estradas. Logo que se sai de Recife começa o
suplício com a viagem em incômodo trem da Great Western, por caminhos poeirentos,
com paradas intermináveis e marcha de caranguejo. E percorrem-se, assim, durante mais
de novo intermináveis horas, 270 quilômetros, para atingir-se Rio Branco, o ponto terminal
da linha! Viagem bem mais incômoda que em qualquer trem da Linha Auxiliar...
De Rio Branco
a Princesa são 30 léguas que se percorrem em automóvel, numa verdadeira
corrida de obstáculos em que a perícia e o arrojo dos choferes são a cada instante
reclamados. Chegando a Rio Branco às 16 horas do dia 12, quatro horas após embarcava eu
em um auto que me deveria conduzir à cidade dominada por José Pereira e seus homens.
Não me foi
fácil encontrar quem me conduzisse até princesa, dado o receio dos choferes de penetrar na
cidade que se encontra fora da lei e onde se afirma José Pereira vem desde longos
anos fazendo valer a sua vontade, encobrindo crimes e mandando executar outros.
Afinal, com a
interferência do prefeito de Rio Branco, coronel Antonio Japiassu, que tinha interesse em
mandar para o seu colega de Flores, coronel Antonio Medeiros, a fim de que este as
enviasse a José Pereira, duzentas e cinquenta alpercatas de couro cru, que recebera de
Recife, conseguiu-se um auto com chofer disposto a fazer a longa caminhada.
No auto,
porém, deveriam seguir as alpercatas...
No dia
imediato, domingo, entrava eu em Princesa, onde a melhor das recepções me foi feita e da
qual me ocuparei em outra reportagem. Quero agora dizer como encontrei a cidade de onde
José Pereira se corresponde, como ele próprio me afirmou, diretamente com os
presidentes da República e de S. Paulo.
DESOLAÇÃO
José Pereira
havia sido avisado de minha visita, e, por isso, tratara de preparar ambiente para que a
minha impressão fosse a melhor possível. Mandara vir para a cidade algumas famílias,
determinara que se preparasse uma mesa farta para o almoço, fizera com que os melhores dos
seus homens, os mais abastados, ficassem na parte central do lugar, de forma que eu
trouxesse de Princesa uma impressão que desmentisse tudo o que de mal se dizia a seu
respeito.
E,
efetivamente, a julgar pelo que me foi mostrado em Princesa, teria eu de voltar
daquele longínquo
lugar aplaudindo a atitude de José Pereira, se não estivesse bem ao par da situação dos
verdadeiros motivos que determinavam o seu gesto de rebeldia.
Princesa bem
merece o nome que tem, pois é uma cidade de bom aspecto, a melhor dos que percorri
em toda a zona sertaneja, exceção feita de Triunfo. Possui boas estradas, bens prédios,
recursos próprios, embelezamentos naturais e feitos pela mão do homem, sendo, no
sertão, uma cidade em que se pode viver.
Logo à
entrada, porém, da cidade, tem-se a impressão de desolação e tristeza: casas abandonadas e
inteiramente fechadas, com mato a atingir já à altura das janelas. Nem uma só pessoa
em longa extensão, para afinal só se encontrar homens em armas, quando se entra na
porta central do povoado.
Às margens das
estradas, trincheiras construídas de pedra e barro, tendo a guarda-las sertanejos de
caras assustadas e olhos inquiridores.
E Princesa
que, em dias normais, deve ser uma cidade de movimento, atraente e interessante,
apresentava naquele domingo em que lá estive um aspecto de desolação.
AS ARMAS DE
PRINCESA
Na longa
palestra que comigo entreteve, José Pereira teve ocasião de referir-se às armas com que conta,
armas que, escassas a princípio, ele afirma serem agora abundantes, o mesmo
sucedendo com relação à munição, que me foi assegurado bastar para seis meses de luta. E
disse-me:
- “Afirmar-se
que o governo pernambucano me vem auxiliando, fornecendo-me armas, munição e
gente, é uma inverdade. As armas que aqui tenho são de particulares e foram adquiridas
para combater os cangaceiros, quando Lampião andou por aqui. O Sr. João Pessoa quis
toma-las, como fez com outros municípios, mas eu não me submeti à sua ordem e por
isso, tenho hoje armas. Possuo também duas metralhadoras além de um pequeno canhão
que só serve para arrombar portas. O governo de Pernambuco só tem feito
prejudicar-me, com revistas rigorosas e vexatórias à entrada da cidade, fazendo
ainda com que amigos
que tenho em localidades pernambucanas deixem de vir dar-me a sua adesão, pelo
temor das consequências que as providências do Sr. Estácio fazem prever.”
Nessa revista
o carro em que eu viajei sofreu e foi efetivamente rigorosa. Verificou-se o mesmo em
Flores, à saída da cidade. Entretanto, pouco antes dela ser feita, o comandante do
destacamento do lugar, tenente Severino Felix, respondendo a uma pergunta por
mim feita sobre a passagem para Princesa e os empecilhos que poderia encontrar,
disse-me:
- “A não ser
armas, que só passam com ordem do governo”, tudo mais pode seguir, sem qualquer
dificuldade”.
OS HOMENS DE
JOSÉ PEREIRA
Em Recife,
assegurava-se que José Pereira tinha sob suas ordens cerca de 1500 homens.
O chefe do
movimento armado afirmou-me, porém, que conta com 700 homens aproximadamente,
o que leva a acreditar ser ainda inferior o número de sertanejos em
armas.
Os que foram
apresentados o farão como fazendeiros, lavradores, operários, gente do lugar,
exclusivamente, havendo até entre eles um bacharel em direito, que exercia em tempo normal
as funções de promotor da cidade. Mostravam-se todos animados e confiantes na
vitória.
José Pereira
teve a habilidade de fazer-lhes crer que se o governo paraibano conseguir vencê-los,
terão todos eles as suas vidas sacrificadas e as suas propriedades incendiadas.
Por isso, o
encarniçamento com que lutam.
Um desses
homens, a quem transportei de Princesa a São José, no automóvel que me servia,
declarou-me: - “Eu não estou nessa luta por gosto, pois não tenho e nunca tive prazer em
matar ninguém. Mas devo tantos favores a José Pereira que não posso deixar de estar a seu
lado. Além disso não quero ser “sangrado” nem tão pouco que eles incendeiem a
minha propriedade.”
Assegurou-me
José Pereira que Princesa unânime está a seu lado e que aqueles que não lutam por não
terem sangue de homem de guerra, favorecem a sua causa, fornecendo-lhe recados, roupa
e mesmo gado.
A RESISTÊNCIA
DE PRINCESA
Não obstante
toda a fanfarronada de José Pereira, dizendo que Princesa não cairá e que poderá
manter-se em luta durante meses e meses, a impressão que trouxe daquela zona e do que
observei é que o reduto de José Pereira não poderá resistir a um ataque forte das forças
paraibanas, ataque que talvez, à hora em que estas notas estiverem circulando, esteja sendo
feito.
As forças
rebeldes não têm chefes capazes de um bom plano estratégico, pois cada qual dá a sua
opinião, que José Pereira acata, para depois aceitar outra inteiramente contrária.
Em guerrilhas,
em emboscadas, são capazes de manter-se em luta longo tempo. Mas a um ataque
seguro não terão com que resistir. É preciso saber se a polícia paraibana conta com técnicos
capazes de levar a efeito esses ataques.
A VOLTA A RIO
BRANCO
Não quis
voltar a Rio Branco sem passar por Patos, onde se dera, havia pouco, um encarniçado
combate entre 50 soldados paraibanos e 300 rebeldes, e por Triunfo, onde estão as
forças pernambucanas incumbidas de garantir a... neutralidade.
Encontrei
Patos abandonada, com suas casas cheias de perfurações de balas, umas derrubadas a
dinamite e outras bastante estragadas. Nem soldados paraibanos, nem sertanejos de
José Pereira. Tudo em abandono!
Triunfo é uma
vila privilegiada. Situada em lugar de clima aprazível, produzindo tudo o que se queira, a
Petrópolis pernambucana deveria merecer as atenções dos governantes do Estado.
Celeiro de todo o sertão daqueles lados, Triunfo deveria ter boas estradas que
lhe dessem acesso,
a fim de que o seu movimento correspondesse ao seu adiantamento.
Entretanto, o
Sr. Estácio Coimbra que cobra dos municípios um pesado imposto destinado à conservação
e melhoria das estradas, deixa a que vai de Patos a Triunfo e desta cidade a Flores em
estado tal que só mesmo muita necessidade pode fazer com que alguém se aventure a
percorre-la em automóvel. Foi um trajeto penoso, cheio de perigos, e que, feito à noite, mais
difícil ainda se tornou.
De Flores a
Rio Branco, embora melhores, as estradas muito atrasaram a viagem, pois por duas vezes vi
o carro atolado, só conseguindo pô-lo novamente em movimento depois dos mais ingentes
esforços, só postos em prática para que não visse a retardada de 48 horas a minha
partida para Recife, visto que, se perdesse o trem de segunda-feira, só teria outros dois
dias depois.
Estava-me
ainda reservada uma outra surpresa desagradável. Às 5 horas, depois de viajar toda uma noite
por péssimas estradas, quando ainda faltavam seis quilômetros para atingir Rio Branco, a
gasolina acabou. E eu, que viajara de avião milhas e milhas, que fora passageiro de
trem e automóvel por caminhos intermináveis, acabei por ter de fazer 6 quilômetros a
pé para alcançar Rio Branco, onde cheguei, enfim, a tempo de tomar o trem e chegar
ontem, à noite, a Recife, para escrever a próxima crônica, em que inicio, realmente, o
relato da minha palestra com o famoso Zé Pereira.
O Jornal -
24.04.1930
O MOVIMENTO
SUBVERSIVO DA PARAÍBA –
COMO O SR.
JOSÉ PEREIRA FALOU EM PRINCESA, AO REPRESENTANTE D’ O JORNAL E DO
DIÁRIO DA NOITE – OBJETIVOS DA LUTA, SEGUNDO OS PROGNÓSTICOS
DO CHEFE REBELDE – À ESPERA DA INTERVENÇÃO FEDERAL –UM COMENTÁRIO
À MARGEM DA ATITUDE DA JUNTA APURADORA DO ESTADO
RECIFE, 13 de
abril de 1930 – Prosseguindo no meu relato, tive, logo depois, de aceder a um convite do
Sr. José Pereira para tomar parte no seu almoço. Durante a refeição, a palestra
versou sobre os mais variados assuntos, até que, à certa altura, disse-me o
chefe reacionário de
Princesa, empunhando uma taça de champanhe:
- É ainda
champanhe que sobrou do banquete que oferecemos ao Sr. João Pessoa.
- E por que –
perguntei, sendo oferecido esse banquete num dia logo no outro o Sr.
rompeu as
hostilidades?
- Simples –
contestou-me o Sr. José Pereira. É que recebido aqui com todas as festas e honrarias, o
Sr. João Pessoa sempre que eu lhe fazia perguntas sobre a reunião da Comissão
Executiva do Partido, fugia do assunto, atacando outra palestra. Quando,
afinal, deixou
Princesa entregou ao major Soubreira um papel para me ser dado. Tratava-se da
chapa do
Partido. Foi o que mais me exasperou.
O senhor José
Pereira, ainda apreciou outros aspectos da questão, falando sempre com extrema
volubilidade.
RELAÇÃO DE
CRIMINOSOS QUE SERVEM AO SR. JOSÉ PEREIRA
Depois de
terminado o almoço, passamos à sala, onde a palestra prosseguiu sempre animada.
Conversador incorrigível, dado a espirituoso, o Sr. José Pereira nem sempre guarda a
discrição que seria (...) em um homem que tem as suas responsabilidades.
Assim foi que,
ao lhe fazer eu perguntas sobre os criminosos que tem entre os seus homens, obtive
a seguinte resposta:
- Eu não tenho
bandidos entre os meus homens, pois procuro selecioná-los sempre. Aliás, não faço isso
por escrúpulo próprio. Por mim, eu aceitaria tudo o que caísse na rede. A questão,
porém, é que não quero desmerecer a confiança que em mim depositam os senhores
Washington Luís e Júlio Prestes, confiança essa manifestada em telegramas que tenho em meu
poder. Por eles é que não aceito bandidos para servir entre os meus homens.
Aludimos,
então, à lista de criminosos publicada pela União, órgão oficial do governo paraibano.
Sem perceber o
alcance de suas declarações, retrucou o Sr. José Pereira:
- Pois então
vejamos: “Sinhô Salviano” – esse homem matou efetivamente dois oficiais, mas fê-lo em
defesa de seu irmão, que foi morto. Desse crime já foi absolvido. “Tocha” e “Moreno”. –
Esses mataram em Triunfo, mas foram absolvidos, tendo o promotor apelado.
“Possidônio
Cosello Branco” – matou um oficial de polícia em Flores, mas já foi absolvido.
“Manoel
Virgulino” – tirou a vida a um homem, foi condenado, porém o crime prescreveu.
“José Soares”
– esse nunca praticou crime nem foi condenado. Esteve preso, mas por engano, por um
crime praticado por outro José Soares, que não é ele. “Marcolino Diniz” – esse é meu
cunhado e teve necessidade de matar um homem em Triunfo; entretanto, já foi absolvido. E,
assim, todos os demais.
E como para
frisar:
- Eu queria agora
é que o Sr. João Pessoa, por sua vez, contasse a crônica do famoso “Quelé”,
tenente José Guedes e outros.
COMO O SR.
JOSÉ PEREIRA SE REFERE AO SENADOR EPITÁCIO PESSOA
A palestra, já
agora provocada pelo Sr. Epitácio Pessoa de Queiroz, que se achava presente,
voltou a girar em torno do Sr. João Pessoa, alvo da indignação do Sr. José Pereira.
O chefe
rebelde de Princesa lamenta, nessa altura, que o Sr. Epitácio Pessoa tenha
ficado ao lado do
atual presidente da Paraíba, acentuando entretanto:
- Eu tenho
pelo Sr. Epitácio a mais viva gratidão, a maior admiração, reconhecendo nele o maior dos
brasileiros vivos. Nada lhe devo a não ser elogios que ele teve ocasião de
fazer- me no Rio
Negro, na presença do Sr. Arrojado Lisboa, ao passo que S. Excelência me deve até o
governo da Paraíba, pois foi por minha causa que o seu nome saiu vitorioso em 1915. Princesa
foi o fiel da balança.
AGUARDANDO A
INTERVENÇÃO FEDERAL
Mais adiante
perguntei ao Sr. José Pereira, como esperava viesse a terminar o movimento subversivo e
ainda o que esperava afinal de tudo isso. O chefe rebelde respondeu logo:
- Espero pôr
fora do governo ao Sr. João Pessoa.
Peguei em
armas e não me entrego, visto não querer que amanhã a Câmara de que faço parte dê
permissão para que eu seja processado como qualquer criminoso comum. Ainda se o governo
reconhecesse que se trata de um crime político vá lã. Mas o Sr. João Pessoa não entende
assim e hostiliza rudemente todos os meus correligionários, criando um
ambiente de
irritação surda contra o seu governo, de forma que hoje todos os habitantes de Princesa
estão em armas em legítima defesa, não só para serem processados como bandidos como
também para defender as suas propriedades. Se eu tivesse bandidos e quisesse
saquear, como se afirma, não teria os escrúpulos que venho tendo.
Fez ainda
considerações para justificar-se dizendo que tanto a mesa de Rendas como os Correios estão
intactos.
- Se eu fosse
assassino – prosseguiu – não teria poupado os soldados paraibanos que aqui estão
presos, e não trataria dos feridos que estão em meu poder. São fatos que saltam aos
olhos.
PLANOS DE
GUERRILHAS
Perguntei-lhe,
então, se pretendia depor o governo.
- Não. Eu não
o atacarei. Continuarei a defender-me com toda a energia, certo de que eles aqui não
entrarão. Se, por fim, não conseguir defender este reduto, dividirei meus
homens em grupos de
50, 100, 200 e entrarei a assolar o Estado, fazendo guerrilhas e emboscadas.
Mas creio que nada disse se verificará, por ter o governo de intervir aqui.
Ponderei que a
intervenção se podia dar para garantir o governo legal! da Paraíba.
- Não creia –
respondeu o Sr. José Pereira. O governo federal fará a intervenção para apaziguar o
Estado, retirando do poder o Sr. João Pessoa. Não pode vir contra mim, que tenho sofrido
pelo apoio que lhe dei, em favor de um adventício da Paraíba, de um governo que se
colocou fora da lei, de um governo realmente ilegal e revolucionário.
Nós aqui temos
como certa a intervenção do governo federal, que nos dará ganho de causa.
VISITANDO A
CIDADE
Fui, logo
depois, convidado pelo Sr. José Pereira para uma excursão à linha de frente, em Tavares, o
que, infelizmente, não foi possível realizar-se, pela intervenção de outras pessoas.
Diante disse, fizemos uma visita à cidade. Fomos à praça Epitácio Pessoa, que o Sr. José
Pereira afirmou estar sendo construída a suas expensas. Estivemos nos açudes Macapá e Barão
de Ibiapina; andamos pelos arredores, percorrendo edifícios públicos, para, afinal,
voltarmos ao ponto de partida.
A certo ponto,
querendo provocar uma manifestação do chefe dos rebeldes sobre a atitude da Junta
Apuradora da Paraíba, disse-lhe:
- Ninguém, no
Rio nem em Recife, mesmo entre os mais exaltados governistas, quis ainda defender o ato
da Junta Apuradora da Paraíba, diplomando os oposicionistas.
- Efetivamente
– respondeu logo o Sr. Pereira – aquilo foi uma decisão escandalosa, e ninguém
esperava tal decisão. Mas não tenha dúvida de que o presidente da República mandará
reconhecer os diplomados...
Depois dessa
confissão, pouco honrosa, aliás, para o Sr. Washington Luís, o chefe rebelde desconfiou,
talvez, que teria avançado em demasia, não mais tocando no assunto, passando a
dizer, já respondendo a uma pergunta minha, que, de fato, recorrera ao padre Cícero,
pedindo homens e munições, no que não foi atendido.
Assegurou, ainda, que não tinha agentes
entre os cangaceiros do Ceará, e, nesse diapasão, sempre atacando o Sr. João Pessoa, o
coronel José Pereira abordou ainda assuntos de menor importância, até à hora em que,
afinal, deixei Princesa, com destino a Triunfo, para passar pela povoação de Patos, onde se
travara vivo combate, há pouco.
O Jornal (RJ)
- 26.04.1930
IMAGENS que
integram a reportagem: José Pereira - Rua coronel José Pereira, em Princesa -
Grupo de homens armados na proximidade da casa de José Pereira - Rua coronel
Marcolino Pereira, em Princesa.
Enviado por: Antonio Corrêa Sobrinho
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