Por Antonio José de Oliveira - Serrinha - Bahia
Ler e estudar
o livro “Lampião A Raposa das Caatingas” foi para mim – além de grande prazer –
um imensurável privilégio nesses vinte e um dias de quase exclusividade em sua
leitura. A obra do nobre escritor José Bezerra Lima Irmão enriquece tanto o
pesquisador experiente, como abre um enorme leque de conhecimento ao neófito.
José Bezerra Lima Irmão e João de Sousa Lima
Já li
excelentes livros nesta minha trajetória de mais de setenta anos, inclusive
alguns da área do cangaço. Contudo, talvez pelo tempo decorrido de pesquisa –
onze anos –, em que esteve trabalhando em busca de informações, o Doutor
Bezerra Lima conseguiu escrever um verdadeiro TRATADO DA SAGA DO CANGAÇO. Olha
que, um conteúdo de setecentas e trinta e seis páginas não é trabalho para quem
não tem os “pés firmados no chão”. É preciso profundo conhecimento; muita
coragem para enfrentar os desafios da pesquisa de campo, bibliográfica e
documental; paciência e organização para não se perder na sequência dos fatos.
Todos esses itens elencados o autor conseguiu dominá-los.
É um livro de
elevados propósitos que precisa ser lido e divulgado não só pelos vaqueiros do
cangaço, mas por quem ama a boa qualidade de leitura. É também um grito de
alerta para os governantes que não tomam precaução contra a violência enquanto
cedo, e ao mesmo tempo, de advertência para não fazermos juízo precipitado das
ações praticadas pelos jovens que, por circunstâncias a nós desconhecidas,
ingressaram numa vida perigosa de sofrimento e que fizeram muita gente sofrer.
O autor,
embora tendo como assunto precípuo a trajetória do filho das Terras de Serra
Talhada, Virgolino Ferreira da Silva, procurou buscar em décadas remotas a
história dos seus precursores, começando pelo famoso Cabeleira,
o José Gomes, filho de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco; passando por Lucas Evangelista dos Santos, o Lucas da Feira, que viveu os seus primeiros anos na Fazenda Saco do Limão,
pertencente ao município de Feira de Santana, de propriedade da
família Franco; chegando a Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino, Sinhô Pereira, e
tantos outros que exerceram as suas “atividades” antes do Rei do Cangaço.
O Cabeleira - Desenho artístico
o José Gomes, filho de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco; passando por Lucas Evangelista dos Santos, o Lucas da Feira, que viveu os seus primeiros anos na Fazenda Saco do Limão,
O cangaceiro Lucas da Feira
O cangaceiro Antonio Silvino
Para cada cangaceiro, ele relatou uma concisa biografia, que nos serve de ponto de partida para um trabalho de grande dimensão. Bezerra Lima
faz menção aos latifúndios – herança de uma colonização desumana que gerou as
desigualdades sociais, sem esquecer da força de um coronelismo injusto
implantado no Brasil, onde o que importava era a palavra do “coronel”.
Ele cita, um a
um, os nomes dos “coronéis” que tinham o poder de mando nas mãos e que foram
“referências históricas”, inclusive no momento em que o governo apelou para que
os mesmos contribuíssem no combate à Coluna Prestes através as suas centenas de
jagunços que estavam sempre a sua disposição. Alguns desses “coronéis” chegaram
a ser assassinados misteriosamente.
Na sua
criteriosa obra, o autor procura apresentar as teorias interpretativas dos
diversos filósofos e juristas quanto ao fenômeno social do banditismo,
destacando o cangaceirismo clássico das regiões pobres do semiárido nordestino
do Brasil, sem, contudo, esquecer de mencionar os nomes dos bandidos rurais e
urbanos de outros países que cometiam crimes – muitos deles por vingança.
Faz menção aos
beatos, e evidencia que “nada tem a ver com o banditismo”, e sim, que beato é
toda pessoa que manifesta uma devoção excessiva, homens que, sugestionados pela
leitura dos textos sagrados ou da vida de santos ou com pregações dos padres e
missionários católicos, passavam a usar um hábito de cor escura e se dedicavam
a ajudar os vigários...
O autor
desenvolve um relato sobre os homens que foram contratados pelo governo para
combater os cangaceiros, citando os nomes dos principais comandantes das
volantes, inclusive “alguns chefes corruptos; outros incompetentes e frouxos
que só procuravam cangaceiros onde tivessem certeza de não encontrá-los”. Bezerra Lima foi enfático (citando as fontes),
no tocante às arbitrariedades praticadas pelas volantes, chegando a afirmar
(também conforme fontes por ele citadas) “que a polícia em vez de coibir,
cometia crimes, de modo que a diferença entre um cangaceiro e certos policiais
era apenas uma questão de indumentária, e às vezes nem isso”.
Claro que não
podemos arrolar todos os que combatiam o cangaço na mesma maneira violenta de
agir, e sim, alguns portadores de temperamento agressivo ou por vingança. Tal
comportamento verificava-se tanto no meio policial, quanto no meio cangaceiro:
vingança entre as duas partes.
O potencial de
fontes consultadas e citadas pelo autor garante uma incomensurável
credibilidade da obra ora analisada, uma vez que procurou, na medida do
possível, dirimir dúvidas, sem, contudo, solucioná-las em sua totalidade, logo
que, as tragédias que envolveram o “mundo” do cangaço, nem mesmo o mais
poderoso e experiente Sherlock Holmes teria técnicas para desvendar os
mistérios e enigmas, e muitas vezes as mentiras envolventes numa história tão
ampla e complicada que durou anos. Note que existem episódios na saga do
cangaço com três e quatro versões. Nem por isso retira o ânimo e a motivação
dos pesquisadores que estão sempre atentos aos novos fatos surgidos, embora
corram o risco de brevemente não existirem mais os protagonistas da história, e
sim, seus filhos e netos, que nunca se equiparam àqueles que sentiram na pele a
ponta do espinho do calumbi, unha-de-gato, xiquexique, cansanção,
coroa-de-frade, balas de rifle e fuzil zunindo nos ouvidos, e serpentes
venenosas mergulhadas entre as macambiras, prontas para lançar o bote.
Registra nomes
de coiteiros e as suas atribuições, inclusive a amizade do Rei do Cangaço com
importantes “coronéis” do sertão nordestino.
O autor
esmera-se na elaboração de esboços genealógicos não apenas das famílias dos
cangaceiros, mas das famílias sertanejas relacionadas com os fatos do cangaço,
facilitando assim o trabalho para quem deseja realizar uma aprofundada
pesquisa.
Os motivos que
levaram muitos jovens sertanejos ao ingresso na vida cangaceira também foram
ventilados pelo autor, assim como a morte de muitos deles nas ferrenhas
batalhas e por outros procedimentos, como é o caso de algumas cangaceiras que
traíram seus companheiros, violando as “leis” do cangaço e foram mortas por
eles.
Elaborou mais
de cem mapas ilustrativos dos lugares onde ocorreram as batalhas e outros fatos
pertinentes. São mapas – acredito eu – que somente in loco o autor obteria o
tão desejado resultado.
Mais de trezentas
fotos de pessoas e lugares que fizeram parte de obstinados combates.
Procurou
registrar os fatos, minuciosa e cautelosamente, de forma didática, facilitando
a compreensão do leitor.
O autor,
embora tenha intitulado sua obra “LAMPIÃO – A RAPOSA DAS CAATINGAS”, e
intensificado firmemente a vida e morte do Rei do Cangaço, não se limitou apenas
a ele e seus familiares, mas empenhou-se em buscar em fontes confiáveis
informações de dezenas de cangaceiros, volantes, coiteiros e protetores que
fizeram parte do fenômeno social chamado CANGAÇO. Também, não foi omisso nos constrangimentos e
perversidades perpetrados tanto pelos componentes dos grupos cangaceiros, como
pelas volantes que tinham a função de combater o cangaceirismo nos sertões
nordestinos.
Relatou
detalhadamente o assalto ao casarão da Baronesa de Água Branca, dona Joana
Vieira de Siqueira Torres, viúva do Barão de Água Branca, assim como tantos
outros assaltos e invasões às fazendas, povoados e vilas.
As proezas e
estratégias utilizadas por Lampião para driblar os comandantes de volantes não
passaram despercebidas da pena do autor do RAPOSA DAS CAATINGAS, onde suas
táticas de guerrilhas defensivas e de ataques eram empregadas com sutilezas ou
impactos, dependendo da circunstância de cada momento. Às vezes, escondia-se
nas brenhas da caatinga, preparando barricadas, levando reféns e difundindo
suas ações para que chegasse ao conhecimento das volantes a sua presença na
região, numa espécie de emboscada. Outras vezes mergulhava no Raso da Catarina
ou em fazendas de amigos para um descanso prolongado, enquanto a polícia estava
em busca do bando em outras regiões.
Como guerra é
guerra, tanto os cangaceiros quanto as volantes viviam de tocaias em tocaias;
de emboscadas em emboscadas pela estrada afora, e muito mais, uns e outros
mergulhados nas espinhosas caatingas em busca do perigo: matar ou morrer.
Para descrever
os pormenores da vida de Lampião, registro parte de uma música composta por Zé
Ramalho e Otacílio Batista, que assim nos fala: (...)
“Virgulino Ferreira, o Lampião,
Bandoleiro das
selvas nordestinas,
Sem temer a
perigo nem ruínas,
Foi o rei do
cangaço no sertão.
Mas um dia
sentiu no coração,
O feitiço
atrativo do amor,
A Mulata da
terra do condor,
Dominava uma
fera perigosa,
Mulher nova,
bonita e carinhosa,
Faz o homem
gemer sem sentir dor! [...]”
Sabemos que há
divergência quanto às datas de nascimento de Virgolino Ferreira da Silva. Pelo
Registro civil, nasceu em 7 de julho de 1897, enquanto que pela Certidão de Batismo
teria ele nascido em 4 de junho de 1898.
Na minha
particular opinião, a data correta deve ser 04.06.1898, uma vez que Virgolino
foi batizado com aproximadamente três meses, não dando margem para esquecer uma
data recente, ao passo que seu registro civil foi efetuado em 1900, ficando
assim mais fácil o equívoco pela lacuna existente entre o nascimento e a
presença de alguém da família ao Cartório do Registro Civil. É assim também que
entende um dos grandes biógrafos do menino Virgolino, o escritor Frederico
Bezerra Maciel, segundo Bezerra Lima.
“Virgolino nasceu no sítio Passagem das
Pedras, na beira do Riacho São Domingos, no sopé da Serra Vermelha, município
de Vila Bela, atual Serra Talhada, Estado de Pernambuco”, afirma o autor do
RAPOSA DAS CAATINGAS.
Bezerra Lima detalha minuciosamente as dúvidas quanto ao sobrenome de Virgolino e dos seus pais, através de um quadro muito bem elaborado, e uma completa ascendência de toda a sua parentela.
Bezerra Lima detalha minuciosamente as dúvidas quanto ao sobrenome de Virgolino e dos seus pais, através de um quadro muito bem elaborado, e uma completa ascendência de toda a sua parentela.
José Ferreira, dona Jacosa, dona Maria Lopes e seus filho
Transcrevo
literalmente parte de um dos seus textos: “José Ferreira era almocreve,
profissão muito comum àquela época: ganhava a vida fazendo transporte de
cargas. Tinha doze burros e uma burra – a burra-madrinha, chamada Medusa, que
viajava na frente com uma campainha de aço no pescoço, guiando a tropa. Era um
catingueiro comum, nem rico, nem pobre. Possuía um pequeno sítio no lugar
Passagem das Pedras, na beira do Riacho São Domingos [...]”.
Dando
continuação ao texto, o autor descreve toda a infância, adolescência e a sequência
da vida do jovem Virgolino que se tornou o adulto Lampião – o Rei do Cangaço.
Eis algumas
palavras, em forma poética, de autoria a ele atribuídas:
“Hoje sei que sou
bandido, como todo mundo diz; porém já fui venturoso, passei meu tempo feliz;
quando no colo materno, gozei do carinho terno, de quem tanto bem me quis”.
Um dos itens
que me chamou a atenção, comprovando a inteligência de Virgolino, foi ser
alfabetizado em apenas três meses. Estudou com o professor Justino de Nenéu, e
talvez tenha recebido algumas aulas com Domingos Soriano Lopes Ferraz,
contratado pelo tio de Virgolino, Manoel Ferreira Lima, para ensinar seus
filhos. Em certo momento – continua o relato de Bezerra Lima –, o professor
Justino Nenéu afirmou para o tio de Virgolino:
“Esse seu sobrinho foi até hoje
o aluno mais inteligente e mais aplicado que eu já tive”.
“Virgolino distinguia-se dos demais rapazes em
muitas coisas. Tudo o que se metia a fazer fazia bem feito. Muitos estudiosos
consideram que o bandido, nele, foi apenas um acidente, motivado pelas
condições do meio e do seu tempo” (palavras do autor).
Bezerra Lima
foi extremamente cuidadoso em registrar toda a bibliografia que lhe serviu de
fonte para sua obra.
Lembro ainda
que, sem ser da minha intenção fazer apologia à violência, não tenho informação
de que nenhum daqueles cangaceiros que cumpriram as suas penas tenha voltado a
delinquir.
Para não me
alongar nem cansar o leitor, logo que o conteúdo do livro LAMPIÃO – A RAPOSA
DAS CAATINGAS é tão atraente e de uma extensão com a proximidade do infindável,
encerro as minhas modestas palavras afirmando: Diante do que me foi possível expor,
só me resta registrar os meus sinceros parabéns ao dedicado escritor José
Bezerra Lima Irmão pela sua tão excelente e elucidativa obra, e aos “vaqueiros”
da História – os desbravadores e apaixonados pelo Sertão Nordestino, dizer: o
meu muito obrigado por servirem de fontes fidedignas para o autor, com a minha
especial gratidão ao incansável pesquisador José Mendes Pereira, das Terras da
querida Mossoró.
Serrinha, Novembro 2014
Antonio José
de Oliveira
(Psicopedagogo
e Psicanalista Clínico)
http://blogdomendesemendes.blogspot.com