As têmporas palpitavam de raiva, expressando a dor de mais uma derrota. Seu rosto estava vermelho, e os olhos, tristes. Indignado, o político se levantou e gritou: “Se algum dia eu for eleito deputado federal, vou criar uma lei que me permita alterar meu nome para Rosado. Só assim poderei me tornar prefeito de Mossoró”. Um grave silêncio se seguiu. O que o político sem nome disse, ainda hoje, faz sentido. A família Rosado só perdeu as eleições municipais uma vez: em 1968.
A história do anônimo candidato derrotado à prefeitura é uma lenda. Uma das lendas que envolvem a família mais poderosa do País de Mossoró. Uma família que, assim como os Buendia, do romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, começou com um farmacêutico.
Em 1890, Jerônimo Rosado, o patriarca, trocou Catolé do Rocha, no sertão paraibano, por Mossoró. Lá se estabeleceu, abriu sua farmácia e, em 40 anos, gerou 21 filhos. Foi uma figura central na construção histórica e política do País de Mossoró.
Casamento
O primeiro Rosado se casou duas vezes. Sua primeira mulher, Maria Rosado Maia, lhe deu três filhos: Jerônimo Rosado Filho, Laurentino Rosado Maia, que morreu 15 dias depois do nascimento, e Tércio Rosado Maia, o primeiro dos numerados. Maria Rosado morreu logo depois do nascimento de Tércio. Deixou um último pedido ao marido: ele deveria se casar novamente. A esposa já estava escolhida: a própria irmã dela, Isaura Rosado Maia. O viúvo cumpriu o desejo da falecida.
O casamento de Jerônimo Rosado com Isaura fez a prole crescer. Vieram mais 18 filhos. Todos numerados. Diferentemente do que reza a lenda no País de Mossoró, nem todos receberam nomes franceses. Do terceiro até o décimo, a inspiração para os nomes era o latim. A partir do 11º, e só com a exceção do 12º filho, todos levaram nomes inspirados nos numerais franceses. Foram ao todo 12 homens e nove mulheres. A maioria recebendo Jerônimo ou Isaura como primeiro nome.
Numeração
Ninguém sabe ao certo o que levou o patriarca a numerar os filhos. Talvez influência dos tratados farmacêuticos da época, todos escritos nas duas línguas, ou algum tipo extremo de obsessão pela ordem. O que se sabe é que o velho Jerônimo Rosado era fanático pela educação dos filhos e dos netos. Tão fanático que, certa vez, quando um de seus netos decidiu que não iria mais estudar, ele não pensou duas vezes. Mandou fazer uma engraxateira para o menino, deu-lhe um macacão de engraxate e ordenou que começasse a trabalhar. Sugeriu, até, que ele nem precisava sair de casa, já que a família era grande e ali mesmo ele teria uma boa clientela. Logo, logo o menino voltou para a escola.
O velho Rosado ensinou os filhos, ainda, a serem solidários. Se houvesse apenas uma fruta para comer, ela era dividida igualmente entre todos. Estimulava as crianças a conversar com estranhos, levando-as consigo, sempre, a encontros ou jantares. Não fazia distinção de sexo: meninos e meninas deviam acompanhar o pai. Tratava todos da mesma maneira. Queria vê-los trabalhando e estudando. Em razão disso, fundou a primeira escola exclusivamente feminina de Mossoró: o Externato Mossoroense.
Tese
Em sua tese de doutorado sobre a família Rosado, o professor José Lacerda Alves Felipe defende a idéia de que essa forma de educar adotada por Jerônimo Rosado tinha como objetivo formar o núcleo de uma oligarquia. Nela, cada filho teria uma função econômica. Felipe trata Jerônimo Rosado como o “herói civilizador” de Mossoró. Uma espécie de grande criador, de instituições sociais, elementos culturais, mitos. O objetivo não declarado era sempre, ele diz, conquistar o poder político.
Cada vez que um filho se aproximava da maturidade, o velho Rosado o chamava para uma conversa em particular, em que tentava convencê-lo a entrar para a política. Os Rosado desmentem isso. Alguns mossoroenses afirmam, contudo, que essa foi uma das revelações feitas por
Dix-Huit em seu leito de morte. Verdade ou mito? O que se sabe é que, apenas 18 anos depois da morte do patriarca, um Rosado abraçou, de fato, a carreira política.
Em 1948, Dix-Sept Rosado Maia, em uma campanha na qual pela primeira vez se usaram trios elétricos, foi eleito prefeito de Mossoró.
O mito Rosado
Dix-Sept governou a cidade durante quatro anos. Tornou-se, depois, governador do estado, mas morreu, em um acidente aéreo, seis meses depois da posse. Virou um mito.
No País de Mossoró, há uma estátua de Dix-Sept, em bronze e tamanho real, na principal praça da cidade. Sob ela, podemos ler: “Nele se conjugaram idealismo e ação, espírito público e solidariedade humana, capacidade de resistência e destino de comando [...]”. Logo abaixo, em letras enormes, a assinatura: “Homenagem do povo”. A estátua foi construída pelo irmão Vingt, que, em 1954, o sucedeu na prefeitura de Mossoró.
O 17º filho foi, de fato, a raiz política dos Rosado. Irmãos, sobrinhos e netos o sucederam como prefeitos da cidade, vereadores, deputados e até senadores. Entre eles, destacam-se Dix-Huit e Vingt Rosado. Depois de algum tempo, os dois irmãos romperam. Diz-se em Mossoró que a briga entre eles não passou de uma jogada política para conservar, em definitivo, os Rosado no poder. Desde então, Rosado é oposição de Rosado. Não importa o vencedor: a família sempre leva. O sobrenome Rosado batiza, hoje, muitas ruas, praças e até estabelecimentos comerciais de Mossoró.
A cultura, porém, ficou nas mãos do 21º, Vingt-un, a quem coube realizar os sonhos educacionais do pai. Desde cedo, ele se empenhou para contar a história de Mossoró, registrar tudo que levasse o nome de sua terra natal e gerar e publicar a produção intelectual dos mossoroenses. Foi por isso que nos anos 1960 ele idealizou e fundou a Escola Superior de Agronomia de Mossoró (Esam), onde organizou encontros e seminários e fez amizade com grandes intelectuais. Vingt-un Rosado foi uma espécie benigna de fanático. A “livrofilia”, sua doença, mas também sua grande força.
Genealogia
Jerônimo Ribeiro Rosado – Farmacêutico, nascido em Pombal, na Paraíba, em 1861. Primeiro Casamento, com Maria Rosado Maia
Jerônimo Rosado Filho – Nasceu em 1890, em Mossoró, foi farmacêutico e poeta. Morreu em novembro de 1920, deixou três filhos e um livro de poesia não publicado.
Laurentino Rosado Maia – Nasceu em 1891, em Catolé do Rocha, na Paraíba. Morreu dias depois do nascimento.
Tércio Rosado Maia – Veio ao mundo no dia 19 de agosto de 1892, em Mossoró. Farmacêutico, dentista, advogado e médico, foi um dos maiores intelectuais mossoroenses. Teve sete filhos, três deles morreram ainda pequenos. Faleceu em 8 de novembro de 1960.
Segundo Casamento, com Isaura Rosado Maia
Isaura Quarto Rosado Maia - Nasceu em 1894, em Mossoró, e morreu dois anos depois.
Laurentino Quinto Rosado Maia – Nasceu em 1896, em Mossoró, e morreu no ano seguinte.
Isaura Sexta Rosado de Sá – Nasceu em janeiro de 1897, em Catolé do Rocha, na Paraíba. Em 1919, casou-se com o médico Abdon Henrique de Sá. Tiveram três filhos.
Jerônima Sétima Rosado Fernandes – Nascida em agosto de 1898, em Mossoró. Casou-se com o cunhado e advogado Aldo Fernandes Raposo de Melo. Tiveram quatro filhos.
Maria Oitava Rosado Cantídio – Nascida em novembro de 1899, em Mossoró. Casou-se com o comerciante (e bom conversador) Raimundo Cantídio de Oliveira. Tiveram quatro filhos.
Isauro Nono Rosado Maia – Nasceu em 1901, em Mossoró. Morreu 24 anos depois, quando fazia o terceiro ano da faculdade de farmácia em Recife.
Vicência Décima Rosado Maia – Nascida em Mossoró, em março de 1902, casou-se em 1923 com o comerciante Francisco Sérgio Maia. Tiveram seis filhos.
Laurentina Onzième Rosado Fernandes – Nasceu em setembro de 1903, na cidade de Mossoró. Casou-se com o advogado Aldo Fernandes Raposo. Morreu em abril de 1922 e teve apenas um filho: Aldo Rosado Fernandes.
Laurentino Duodécimo Rosado Maia – Nasceu em 1905, em Mossoró. Em 1927, se casou com Maria do Carmo Queiroz Rosado. Tiveram seis filhos. Morreu no Rio de Janeiro, em maio de 1954.
Isaura Trezième Rosado Maia – Nasceu em maio de 1906. Casou-se em 1928 com o médico Lavoisier Maia. Tiveram sete filhos.
Isaura Quatorzième Rosado Magalhães – Nascida em junho de 1907, foi professora. Casou-se com o funcionário dos Correios Gentil de Magalhães. Tiveram um filho.
Jerônimo Quinzième Rosado Maia – Nasceu em 1908, em Mossoró. Morreu em dezembro do mesmo ano.
Isaura Seize Rosado Coelho – Veio ao mundo em fevereiro de 1910, em Mossoró. Casada com o professor e juiz Abel Freire Coelho. Tiveram três filhos.
Jerônimo Dix-Sept Rosado Maia – Nasceu em maio de 1911, em Mossoró. Foi prefeito da cidade e governador do Rio Grande do Norte. Casou-se com Adalgiza de Souza Rosado. Tiveram quatro filhos. Morreu num acidente aéreo, em julho de 1951.
Jerônimo Dix-Huit Rosado Maia – Veio ao mundo em maio de 1912, em Mossoró. Foi médico e chefe do serviço de saúde da polícia militar do Rio Grande do Norte. Também foi prefeito de Mossoró, deputado estadual, deputado federal e senador. Casou-se com Naide Medeiros Rosado e teve quatro filhos.
Jerônimo Dix-Neuf Rosado Maia – Nasceu em novembro de 1913, em Mossoró. Foi industrial e comerciante e se casou com Maria Odete de Góis Rosado. Tiveram oito filhos.
Jerônimo Vingt Rosado Maia – Nasceu em janeiro de 1918, em Mossoró. Foi farmacêutico, vereador de Mossoró, prefeito de Mossoró, deputado estadual e federal. Casou-se com Maria Lourdes Bernadeth, teve três filhos e adotou um.
Jerônimo Vingt-un Rosado Maia – Nasceu em setembro de 1920, foi agrônomo e intelectual, além de vereador. Casou-se com América Fernandes Rosado Maia em 1947 e teve seis filhos.