Por Cláudio Gonçalves
Há 102 anos a
História de Pernambuco registrava uma das maiores tragédias por questões
políticas do Estado, a Hecatombe de Garanhuns. A repercussão nacional que
a Hecatombe de Garanhuns tomou naquele início do século XX seria reconhecida
pelos pesquisadores do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos
Deputados Federais, em novembro de 2018, os quais avaliaram a Hecatombe de Garanhuns
com um dos mais graves crimes por razões políticas da República Velha,
essencial para a compreensão do contexto histórico desse período da
historiografia nacional, assim como outros acontecimentos trágicos da nossa
História.
Esse fato
histórico teve como estopim o assassinato no dia 14 de janeiro de 1917 do
Coronel Júlio Brasileiro (foto ao lado)no Café Chile em Recife. No dia
seguinte, 15 de janeiro, o assassinato do chefe político de Garanhuns seria
atribuído a um complô urdido pelas principais lideranças da oposição, o que
resultou na vinda para a cidade de vários jagunços fortemente armados para
vingar a sua morte, resultando na invasão de lojas e casas dos seus adversários
políticos. Convencidos pelo delegado Tenente Meira Lima para se refugiarem na
cadeia como único lugar seguro, os ex-prefeitos Coronel Manoel Antônio de
Azevedo Jardim, Francisco Veloso da Silveira, Argemiro Tavares Miranda, seu
irmão Júlio Tavares Miranda, o comerciante Major Sátiro Ivo da Silva e o Doutor
Antônio Borba Junior (fotos abaixo) ficaram recolhidos ao quarto do “Estado
Maior” e sobre a proteção do Cabo Antônio Pedro de Souza, o Cabo Cobrinha,
Sargento Pedro Cavalcanti Malta e mais quatro soldados.
Reduzido
contingente policial que apesar da bravura, tombaram no cumprimento do dever
tentado conter a invasão da cadeia, entre eles, o Cabo Cobrinha que momentos
antes da invasão enfrentou o jagunço Vicentão, dizendo-lhe que ele só entraria
na cadeia depois de passar por cima do seu cadáver. Daquela força policial
apenas o Sargento Pedro Malta, conseguiu escapar da refrega. Entre os que
estavam encurralados no tiroteio, escaparam o pequeno Theotônio Miranda, filho
de Argemiro Miranda, os presos comuns e os cidadãos, Arthur Pereira, o
ex-Sargento Araújo, Jesuíno Veras e Presciliano Josué. Todos os que foram
recolhidos sobre proteção policial não escaparam a tragédia.
A Hecatombe de
Garanhuns deixou alarmado o país. Os principais jornais do Brasil publicaram em
suas páginas os tristes fatos ocorridos em Garanhuns. Em Pernambuco o fato foi
diariamente publicado pelo Jornal do Recife, Jornal Pequeno, A
Província e Diário de Pernambuco, que cobriram toda ação judicial até o
julgamento dos réus. No Rio de Janeiro a cobertura foi realizada pelas
revistas O Malho, Careta, Jornal do Brasil, O Paiz, Correio
da Manhã e O Imparcial. Em São Paulo deram destaque os jornais Estado
de São Paulo e o Correio Paulistano. Também teve enorme repercussão
no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão,
Alagoas e Ceará. No exterior o jornal A Capital, de Portugal, publicou a
chegada do então Tenente Theophanes Torres (foto), responsável pela captura de
alguns criminosos e de ter evitado que outros crimes fossem praticados.
Dos gabinetes
oficiais foram enviadas duas mensagens, a primeira do Governado Manoel Borba,
dando explicações sobre o atraso da chegada dos reforços policiais a cidade e a
segunda do Presidente Wenceslau Braz exigindo do Governo do Estado a apuração
dos envolvidos no crime e dando condolências às famílias das vitimas.
Embora muitos
envolvidos na Hecatombe de Garanhuns tenham sido levados ao banco dos réus,
poucos receberam a sentença de condenação, entre eles o delegado Meira Lima e o
Juiz Dr. Pedro de Abreu e Lima, pronunciados como principais autores
intelectuais da tragédia.
Depois da
Hecatombe de Garanhuns o acontecimento passou anos velado, voltando a ser
narrado na publicação do historiador Alfredo Leite Cavalcanti, História de
Garanhuns. Em seu relato, Alfredo Leite, trouxe preciosos detalhes,
principalmente porque ninguém menos que Alfredo Leite fora testemunha ocular
dos fatos, pois trabalhava no armazém do Major Sátiro, e no dia da Hecatombe,
juntamente com seus irmãos chegaram a esconder o Major Sátiro Ivo num
esconderijo dentro do seu estabelecimento.
Em 1992 é
publicado o livro Anatomia de Uma Tragédia - A Hecatombe de Garanhuns, do
Professor Mário Márcio de Almeida Santos, obra que traz uma interpretação
marxista da Hecatombe. O Professor e escritor Mário Márcio analisa os fatos a
partir da disputa pelo poder local entre duas classes distintas, a ala Julista representando
o ruralismo e a ala Jardinista, composta por elementos do setor comercial e
profissionais liberais, contrários ao mandonismo político e aos desmandos do
Coronelismo. A obra do saudoso professor Mário Márcio contribuiu para uma nova
visão desse fato histórico.
Em 2009 o
professor e escritor Cláudio Gonçalves lança o livro Os Sitiados – A
Hecatombe de Garanhuns, um romance histórico que retrata a visão de um repórter
correspondente naquelas horas que abalaram Garanhuns.
Incansável nas
pesquisas, o escritor Cláudio Gonçalves publica em 2017 o livro A
Cobertura Jornalística da Hecatombe de Garanhuns, resultado do acervo
documental que reuniu em vinte anos de pesquisas: iconografias, processo,
relatórios, revistas e testemunhas. O autor traz uma interpretação
político-econômica para os fatos, analisando a trajetória da formação política
de Garanhuns com a implantação da República, a partir do predomínio do Jardinismo a
ascensão de Júlio Brasileiro dentro de um contexto histórico político,
econômico e cultural, que seria decisivo para o estopim da Hecatombe de
Garanhuns. O livro também destaca a contribuição política dos principais
personagens para Garanhuns e os destinos dos envolvidos na chacina política.
Outras obras
destacaram a Hecatombe de Garanhuns, embora não sejam especificas sobre o tema,
são elas:
Os Tempos de
Dantas Barreto, Costa Porto, Os Pinto Ferreira de Portugal, Os Lins de Rio
Formoso e os Brasileiros de Garanhuns, de Pinto Ferreira, Raízes, de
Arthur Carlos Villela e Recife Sangrento, de Hélio Batista.
Além das
publicações impressas ao longo desses 102 anos, a Hecatombe de Garanhuns tem
seus registros históricos na cidade, no Estado e no Brasil.
A partir da
Comissão do Memorial da Hecatombe, empossada em 10 de março de 2017, com o
intuito de organizar os eventos do centenário em 15 de janeiro de 2017, foram
promovidos vários momentos para registro dessa memória, mas, sobretudo, com o
objetivo de deixar marcos de reverência àqueles que contribuíram com o
desenvolvimento de Garanhuns. Assim, em 14 de junho de 2016 foram entregues em
solenidade no Palácio Celso Galvão os quadros dos ex-prefeitos Júlio
Brasileiro, Manoel Jardim, Francisco Veloso e Argemiro Miranda que passaram a
fazer parte da Galeria dos ex-prefeitos de Garanhuns.
No dia 15 de
janeiro foi realizada a Caminha da Paz e descerrada uma placa na antiga cadeia,
atualmente Loja de Atendimento da COMPESA – Companhia Pernambucana de
Saneamento -, localizada a Praça Irmão Miranda. No mesmo dia por força da Lei
Municipal 4352/17 ficou determinado que a cada 15 de janeiro em reverência as
vítimas da Hecatombe a bandeira do município ficaria a meio mastro. Na
Assembléia Legislativa do Estado o centenário da Hecatombe de Garanhuns foi
registrado nos anais daquela histórica casa legislativa.
Em 15 de
dezembro de 2017 foi inaugurado por iniciativa do Comandante do 9º BPM,
Tenente-Coronel Paulo César Gonçalves Cavalcanti, o Memorial ao Cabo Cobrinha e
os soldados mortos em defesa da cadeia, sendo composto por um busto esculpido
pela artista plástica e oficial da PM da Reserva, Coronel Telmira Cavalcante Sá
e uma placa com dados históricos do oficial e soldados.
Vale lembrar
que a História de Garanhuns apesar dessa página triste e lamentável, tem
belíssimas passagens, que nos destacam na historiografia pernambucana e que nos
enche de orgulho, entre eles: a inauguração da estação ferroviária, a doação
das terras a Confraria das Almas por Simoa Gomes, a formação das nossas
comunidades quilombolas, a criação dos nossos colégios tradicionais, a criação
da Diocese, a instalação do Banco do Brasil, a construção do Palácio Celso
Galvão, a inauguração da Rádio Difusora de Garanhuns, a criação do nosso
Festival de Inverno. São apenas alguns fatos, entre tantos, que sempre merecem
destaque e revisitação para a sua preservação.
Sendo assim,
lembrar os fatos do Café Chile e todos os seus desdobramentos seria sublinhar
apenas os atos de violência e esquecer as contribuições desses personagens que
contribuíram com a história da cidade através de seus trabalhos, como o
deputado Júlio Brasileiro que no seu primeiro mandato como prefeito de
Garanhuns iniciou a arborização da cidade, o processo de eletrificação e água
encanada, e com apoio federal criou o campo de lavoura seca, a época apenas
quatro cidades haviam sido contempladas. O Capitão Sales Vila Nova, com
diversos serviços sociais prestados, como a fundação da primeira sociedade
mortuária, a criação da comissão pró-flagelados da seca de 1915 e idealizador
do Natal das Crianças Pobres.
Muitas cidades
têm em sua historiografia páginas tristes, Garanhuns, “Cidade Jardim”, teve
seus espinhos, mas prevaleceu na sua história o aroma das flores.
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