Por José Cícero
No auge da
ditadura militar nos chamados”anos de chumbo” bem na primeira metade da década
de 60, uma pequena chama de liberdade se acendeu na então pequena e provinciana
cidade de Missão Velha. Um diminuto grupo de pessoas, não mais que cinco ou
seis idealistas resolveram, não obstante o perigo, se colocarem contra o regime
da caserna. A frente do qual estavam José Pereira da Silva, ZÉ CADETE que na
época exercia na cidade a profissão de sapateiro/vendedor de loteria e o Dr.
José Ribeiro, um intelectual filho da terra.
Quando a
repressão recrudesceu em todo o país e no Ceará, logo começaram a pipocar as
notícias vindo da capital. Dando conta das perseguições, prisões e torturas
cometidas pelos denominados aparelhos de Estado contra os supostos
‘comunistas’, bem como, contra todos aqueles que eram tidos, por qualquer
motivos, como inimigos do regime. Ou simpatizantes do socialismo mundial. Em
Missão Velha,assim como em Aurora as reuniões passaram a ser noturnas e
clandestinas em sítios como: Morro, Arraial, Trapiá e Martins.
De modo que,
não demorou muito para que o serviço de verdadeira ”caça às bruxas” chegasse ao
Cariri. Cidades periféricas como Missão Velha e Aurora foram visitadas por
representantes das forças armadas que davam sustentação ao regime, no sentido
de ouvir pessoas e efetuar prisões, cujos supostos ‘subversivos’ eram
imediatamente recambiados de trem, sob escolta policial para às prisões em
Crato ou Fortaleza.
Mesmo sem
muita expressão oposicionista e/ou política era já sabido, por parte da
repressão, da existência de algumas pequenas células do então PCB, tanto em
Missão Velha, quanto em Aurora. O próprio Cadete tinha a função de manter
ideologicamente informados o grupo de Aurora encabeçado pelos também saudosos:
Biró Ribeiro, Vicente Ricarte e seu Gonzaga Alfaiate(***). Sendo que, este
último, chegou a ser interrogado por um cel. do exercito na antiga delegacia de
polícia, na época situada no centro daquela cidade*.
Só não foi
igualmente preso, porque conseguira convencer seu interrogador de que sua única
função na célula comunista era receber, na estação do trem, duas vezes por
semana, o jornal do partido – O Democrata, e em seguida distribuí-lo aos
demais, por alguns trocados. Razão, porque, segundo ele mesmo, foi liberado*.
Todos os demais tiveram rapidamente que fugir e se esconder longe da sede nos
dois municípios.
Ainda em
Missão Velha, os agentes da repressão invadiram o escritório do Dr. José Lima
Ribeiro e logo o prenderam. Sendo levado para o quartel na cidade do Crato.
Vasculharam a sua biblioteca, buscando as ditas obras comprometedoras,
notadamente as marxistas. Alertado pelos rumores e as notícias veiculadas pelo
rádio, Ribeiro cuidou antecipadamente de esconder parte dos seus livros na casa
da sua genitora(dona Letícia) no sítio Cachoeira. Zé Cadete teve tempo de
fugir.(**) Mas, terminantemente se recusou a se esconder, dizendo ele que não
podia, por um dever de consciência, visto que não havia cometido nenhum crime
contra as leis, nem contra os homens, nem contra o Estado. De modo que, mesmo
avisado e aconselhado por seus companheiros, decidiu ficar. E assim foi preso
pela manhã em pleno oficio cotidiano, ou seja, no seu próprio local de
trabalho(na oficina). O mesmo fora conduzido por policiais da capital à
delegacia. E de lá, até à estação ferroviária local, quando em seguida, no
começo da tarde seguiu de trem para Fortaleza.
Todos
sentiram, como em si mesmos aquela injustiça. Aquele ato indigno e não puderam
fazer absolutamente nada. Porém, em todo regime totalitário, onde quer que
aconteça, a justiça sempre foi e será a primeira vítima a ser sacrificada. E a
lei, quase uma sentença de morte antecipada.
Zé Cadete, era
tido por todos, como um homem de bem. Um bom indivíduo de coragem e de fortes
convicções. Portanto, bastante querido e admirado pela comunidade. De maneira
que, segundo dizem até hoje, seguira naquela tarde no trem da RVC de cabeça
erguida e semblante altivo. Sem esboçar nenhum constrangimento ou gesto de
tristeza. De modo que, foi possível constatar com a saída do trem o real
sentimento de tristeza e contrariedade de todos os que em profundo silêncio,
testemunharam a partida de Cadete, para nunca mais retornar à Missão Velha em
vida. Senão, em março 1990, para ali ser sepultado, posto que falecera aos 85
anos na cidade de Iguatu, vitima de um AVC. Quando finalmente foi livre em
Fortaleza passou a residir em São Paulo.Tempos depois, já viúvo retornou ao
Ceará indo morar na cidade de Iguatu, onde contraiu um segundo casamento e se
tornara maçom, através do seu amigo o Sr. Aluisio Filgueiras. Tivera sete
filhos, sendo quatro do primeiro casamento e três do último(*).
Zé Cadete
nasceu em Barbalha em outubro do ano de 1904, mas muito jovem veio residir com
os seus em Missão Velha, o solo sagrado que ele, desde muito, adotou como sua
terra-mãe e, inclusive, pedira para que no chão de São José, um dia seu corpo
fosse definitivamente sepultado. E assim foi feito...
# Prof. José
Cícero
MV – CE.
foto: arquivo
pessoal da filha de Zé Cadete - M. Aurélia.
(*) Informes:
(*) de Maria Aurélia.
(**)da
sobrinha do dr.J. L. Ribeiro - Celda Santiago.
(***) Revista
Aurora (07), entre outros informações orais.
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