Por: Jorge Remigio
Napoleão
Tavares Neves e Jorge Remigio
Quando
setembro vier, teremos o prazer de desfrutar a convivência por quase uma
semana, com grandes personalidades do meio cangaceirístico, como também, de
muitos amigos e amigas formados no seio desse encontro grandioso e singular,
que é o CARIRI CANGAÇO. Este prima por dar um caráter cultural, didático e
educativo ao evento, como também, tem a força de interagir plateias e
pesquisadores nos seminários que sucedem nas cidades acolhedoras que fazem
parte do circuito. A notícia da inclusão e discussão em seminário do personagem
Sinhô Pereira, foi muito acertada. Parabenizo a organização do evento, pela
escolha, sabemos o valor que tem o estudo desse que é considerado o maior
expoente de um cangaço típico e não comum, que foi o cangaço de vingança. Mais
acertado ainda foi o convite ao brilhante pesquisador, Dr. Leandro Cardoso
Fernandes, que por afinidade é um Pereira, para proferir a palestra sobre o
cangaceiro Sebastião Pereira da Silva. O Sinhô Pereira.
O brilho do
mito Lampião ofuscou a história de muitos cangaceiros de destaque que o
antecederam. Personagem exaustivamente estudado e decantado ao longo da
história, o qual se confunde até mesmo com o próprio cangaço. Cabe agora aos
pesquisadores contemporâneos a tarefa de suprir essa extensa lacuna. O CARIRI
CANGAÇO sai na frente e põe em discussão: Sinhô Pereira. Seu Rodrigues para os
seus cabras. Uma de suas bisavós chamava-se Quitéria Rodrigues do Nascimento,
mãe de Ana Sá, sua avó e irmã de Jacinta Rodrigues que se casou com o português
José Pereira da Silva que migrou do sertão dos Inhamuns cearense, sendo os
pioneiros da família Pereira na região do médio Pajeú. Os quais eram donos de
extensa área territorial e constituíram uma numerosa prole.
Leandro
Cardoso Fernandes
A fixação dos Pereira no Vale do Pajeú, mais precisamente em uma região que
compreende hoje os Municípios de Serra Talhada, São José do Belmonte, seu
Distrito Bom Nome e parte do Município de Flores, marca uma época de
desbravamento dos ermos sertões, a luta com o gentio na disputa do espaço e da
criação do gado em currais. Foi mesmo uma autêntica epopeia esse período,
conhecido por ciclo do couro ou ciclo do gado. Sinhô Pereira tem sua gênese aí.
Nasceu dessa cultura, dessa formação social, mesmo que um século depois, as
vicissitudes do tempo não mudaram radicalmente a atmosfera cultural do
ambiente. Na primeira geração, os filhos do patriarca José Pereira e
da sua esposa Jacinta Quitéria, vão ser muito importante para dar sequência ao
domínio territorial já conquistado. Consolidando de vez os seus currais naquela
região. Todos os filhos do patriarca vão ser tio avós de Sinhô Pereira, exceto
Francisco e Ana que eram seus avós.
O primeiro
filho foi Simplício Pereira da Silva, casado com Ana Joaquina Nunes, essa,
filha do sesmeiro Aniceto Nunes da Silva e de Antônia Lourenço de Aragão.
Chegou ao título de Coronel da Guarda Nacional e foi o maior desbravador
daquela mata virgem. Tornou-se uma lenda em sua época, os seus feitos são
extensos, participou ativamente no sertão de várias convulsões políticas que se
sucederam após a abdicação de D. Pedro I. Sua história carece de muitas
páginas. O segundo: João Pereira da Silva casou-se com Antônia de Sá e era dono
da Fazenda São Cristóvão em Belmonte. Terceira: Josefa Pereira da Silva, que se
casou com Joaquim Nunes da Silva, irmão das esposas de Simplício e Manoel.
Quarto: Antônio Pereira da Silva, casado com Constância Pereira da Silva, dono
da Fazenda Campo Alegre. Quinto: Francisco Pereira da Silva, casado com Ana de
Sá, fundador da Vila de São Francisco, avós de Sinhô Pereira e Luiz Padre. O
grande industrial João Pereira Santos, vem desse ramo. Sexto: Manoel Pereira da
Silva, casado com Francisca Nunes, irmã da esposa de Simplício. Foi a maior
figura do clã dos Pereira, chefe político da família, liderava o partido
Conservador no Brasil Imperial naquela região, era Comendador, Comandante
Superior das Ordenanças de Flores, Ingazeira e de Vila Bela e Coronel da Guarda
Nacional. Faleceu em 1862. Foi o pai de Andrelino Pereira da Silva, o Barão do
Pajeú, o qual herdou a chefia política do pai. Andrelino foi o primeiro
prefeito de Vila Bela (1892-1895) Sétimo: Vitorino Pereira da Silva. Foi
presidente da Câmara Municipal de Vila Bela. Oitavo: Joaquim Pereira da Silva.
Casou com Severina Pereira Aguiar e em segundas núpcias, com Constância Pereira
de Sá. Ficou estabelecido no berço da família, ou seja, na Fazenda Carnaúba e
era o pai de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba. Esse ramo deu vários
prefeitos de Serra Talhada. Né Pereira era padrinho de Sinhô e primo legítimo
do seu pai Manoel Pereira da Silva, o “Manoelzinho da Passagem do Meio”. Nono:
Sebastião Pereira da Silva casado com a sobrinha, Januária Pereira da Silva,
Irmã do Barão do Pajeú, filha do seu irmão Manuel Pereira. Foi Capitão da Guarda
Nacional e em segundo casamento, desposou Maria Febrônea de Sá, que era filha
da sua sobrinha Manuela Pereira, filha do seu irmão Francisco. Teve 32 filhos.
Décimo: Alexandre Pereira da Silva, fazendeiro, o qual casou com Joana de Sá.
Foi morto pelos fanáticos do Reino Encantado ou Pedra Bonita em 1838. Onze:
Cipriano Pereira da Silva, solteiro, foi morto pelos fanáticos do Reino
Encantado ou Pedra Bonita em 1838. Local atualmente pertencente a São José do
Belmonte. Doze: Ana Pereira, se casou com Francisco Mariano de Sá. Treze:
Mariana Pereira da Silva (interdita).
Como se
observa, na primeira geração casou-se quase todos com as filhas e filho do
casal José Mariano de Sá e Quitéria Rodrigues do Nascimento. No caso, já eram
primos pela linhagem materna. A evolução da árvore genealógica desenvolveu-se
principalmente nos casamentos próximos, consanguíneos de primos com primas
basicamente. Porém, identifiquei cinco casamentos entre tio e sobrinha. Quais
sejam: Os dois casamentos do Capitão Sebastião Pereira da Silva, já citados
acima, o de Januária, filha do Barão do Pajeú, que casou com um irmão deste,
José Pereira da Silva, são os pais de José Simplício Pereira Sá (Pereirão), que
casou com a filha do Major José Inácio do Barro-CE, Virgínia Amélia Pereira de
Souza. A filha de Andrelino, (Barão) Francisca Pereira da Silva (Dona
Chiquinha), casou com o tio Manoel Pereira da Silva Jacobina, conhecido por
Padre Pereira, pais de Luis Padre. Ele era irmão da mãe dela, Maria Pereira da
Silva. Dos cinco filhos que tiveram, dois nasceram com problemas mentais. O
Filho do Barão do Pajeú, o Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, casou
com Maria Pereira da Silva, conhecida por Marica, filha de sua irmã Generosa
Pereira da Silva. Essa consangüinidade facilitava o aparecimento de patologias
na geração seguinte, como: Doença mental, bócio, surdez e mudez.
Quero ressaltar aqui, que vários membros da família Pereira, tiveram união
matrimonial com Carvalho. Família também clânica e que se fixou naquela região
nos mesmos moldes dos vizinhos. Pereira e Carvalho no decorrer das décadas
seguintes desenvolveram-se como oligarquias fortes e com interesses comuns, ou
seja, a disputa pela hegemonia do poder político naquela região. Portanto, o
choque seria inevitável. Em novembro do ano de 1848 na Comarca de
Flores do Pajeú, eclode o primeiro conflito, dessa que seria uma duradoura
contenda. Em espaços alternados, vingou até o ano de 1922. Encerrando-se quando
o cangaceiro Sinhô Pereira abandona definitivamente a luta armada no Pajeú das
Flores, e “navega” para as longínquas terras de Goiás.
No alvorecer
do século XX chega à Vila Bela, monsenhor Afonso Antero Pequeno. De família
influente politicamente no Cariri Cearense, que naquele momento ardia em
conflitos coronelísticos, trazendo na bagagem o germe da discórdia e o espírito
beligerante. Envolvido na luta do primo, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno,
que tentava depor o Coronel José Belém de Figueiredo, vice-presidente do Estado
do Ceará (1904), requisitou junto às lideranças políticas dos dois clãs,
Pereira e Carvalho, armas, munição e um contingente considerável de jagunços
para reforçar a facção do seu parente. A negação do Coronel Antônio Andrelino
Pereira da Silva ao pedido do padre caudilho e consequentemente a concordância
em tudo pela liderança dos Carvalho, Coronel Antônio Alves do Exu, fez com que
o pároco passasse a interferir e interceder favoravelmente junto aos Carvalho,
na luta e interesses políticos das duas famílias. Nas eleições municipais de
1907, foi eleito prefeito de Vila Bela com o apoio da família Carvalho,
empurrando os Pereira para oposição. Abrindo um parêntese e voltando dois anos,
1905 é uma data de sangue. No centro de Vila Bela, dia da feira livre, é ferido
gravemente à bala, falecendo dias depois, Manoel Pereira Maranhão, conhecido
por Né Delegado, recentemente deposto do cargo, era primo legítimo do pai de
Sinhô, sendo o autor do crime: Antônio Clementino de Carvalho (Quelé), o qual
se refugia na residência do Monsenhor Afonso Pequeno, próximo ao local do fato.
Após muito tumulto, o padre negociou a entrega e prisão do amigo, sendo este,
posteriormente desaforado para comarca de Flores. O padre fez questão de atuar
como um segundo advogado de defesa do réu na tribuna do júri, onde fora este
absolvido.
Né Delegado quando convalescia, pediu para os parentes não executarem vingança,
reconhecendo ele, que fora intempestivo e inconsequente, quando investiu contra
Quelé. Aquele ano de 1905 foi precursor do acirramento e de vários
desentendimentos entre membros das duas famílias, expondo mais ainda o Coronel
Antônio Andrelino, já bastante desgastado politicamente junto à oligarquia
Rosista. O Comendador Rosa e Silva dominou a política pernambucana por quase
duas décadas, sendo o clã dos Pereira seus correligionários fies. O
setuagenário Manoel Pereira da Silva Jacobina, pai de Luis Padre e tio de
Sinhô, ganhou o apelido de Padre Pereira por ter sido seminarista. Sendo uma
pessoa sensata e de índole conciliatória, passou a ser requisitado com
frequência para apaziguar as rusgas familiares. Ele tinha sido o segundo
prefeito de Vila Bela (1895-1898).
O final do ano de 1907 se aproximava e mais precisamente no dia 15 de outubro,
é morto de emboscada o Padre Pereira, pessoa muito amada e respeitada pela
família e por quase toda população de Vila Bela. O crime de emboscada na
cultura sertaneja é conceituado como um ato covarde, traiçoeiro, desprezível. O
chamam pejorativamente de crime de pé de pau. Para as pessoas daquela região,
esse tipo de crime é uma atitude infamante, digna de repúdio. O crime de
homicídio “a peito” é até justificado naquela cultura braba. Existem versões
para os motivos que deram causa a esse atentado contra Padre Pereira. O mais
plausível, entendo que tenha sido um acerto de conta entre João Nogueira, que
era casado com Benvenuta Pereira, conhecida por Benuta, sobrinha da vítima e
meia irmã de Sinhô Pereira. A sucessão de casamentos ao longo dos anos entre
Nogueira e Carvalho, resultou em uma só família.
Museu do
Cangaço em Serra Talhada
João Nogueira insistia em requisitar a parte de terras na herança da esposa,
uma vez que a mãe desta, Úrsula Alves de Barros, já havia falecido. O sogro,
Manoel Pereira da Silva, o “Manoelzinho da Passagem do Meio”, foi consultar o
irmão, no caso Padre Pereira, e esse opinou que não seria oportuno vender e
partilhar suas terras naquele momento. Resultou então, em uma inimizade e um
ódio cego por parte de João Nogueira contra Padre Pereira. O qual contratou os
cabras: Luis de França, Manoel Tomé e Mariano Mendes, para eliminar o seu
desafeto. A comoção foi grande no seio da família Pereira, principalmente por
parte da viúva, Francisca Pereira da Silva (Dona Chiquinha), que era esposa,
sobrinha e prima segunda da vítima. Esta, de temperamento forte e no calor da
hora, convoca alguns sobrinhos do esposo e primos: Manoel Pereira da Silva
Filho, conhecido por Né Dadu, era o mais afoito, Pedro Pereira Valões, Manoel
Pereira Valões, o cabra Pedro de Santa Fé e outros mais, para executarem a
vingança imediata. Nessa ocasião, Sebastião Pereira contava com onze anos e
Luis Padre, filho da vítima com quinze anos.
O sobrenome Valões, foi uma criação de Aureliano Pereira da Silva, irmão do
Barão do Pajeú e avô de Sinhô. Ele registrou três filhos, dos nove que teve com
Maria Pereira da Silva, com sobrenome Pereira Valões. Conta-se que este lia uns
livros sobre França e Bélgica e achava bonito o sobrenome Valões. O grupo
formado na emoção parte para vingança. Executam Joaquim, irmão de João
Nogueira, e em seguida, cometem um assassinato torpe. Matam Eustáquio Carvalho,
que era um velho bondoso, sem envolvimento naquela guerra dos clãs. A alegação
era que tinha que morrer alguém dos Carvalho com índole boa, parecida com a do
Padre Pereira. ”Os Carvalho tinham que sentir a mesma dor que os Pereira
sentiam naquele momento”. São atitudes medievais, herdadas de um Portugal
arcaico e por anos isolado de uma Europa revolucionária, política e
industrialmente. Tem início agora, a fase mais crucial da beligerância
familiar. Né Dadu assume a chefia da luta, é agora o braço armado da família,
reagindo e investindo contra os inimigos.
Continua...
Jorge Remígio
http://cariricangaco.blogspot.com