Por Robério Santos
Quando a
palavra “cangaço” aparece em algum estudo, artigo ou debate oral a primeira
visão que a maioria dos pesquisadores e curiosos tem é o nordeste. Também se
associam a homens adornados em couro e muito sangue nas mãos. Não vou me
prender à história do cangaceirismo, aquela coisa demorada que vem desde quando
os diversos povos, principalmente os europeus, chegaram no Brasil. O cangaço
“rotulado e carimbado” se desenvolveu com mais força no Nordeste, região do
país já povoada e pobre, pois a região norte o que ganhava em pobreza perdia em
moradores, na sua maioria, índios e imigrantes de outros estados da nação. O
centro-oeste era um grande vazio, o sudeste desenvolvido e fértil e a região
sul com sua mania de querer ser uma verdadeira “cidade-estado” e conseguir sua
independência. Sobrava então a luta de classe para o nordeste, terra fértil
para o messianismo, latifundiários, pouca escolaridade, politicalha,
escravidão, supremacia dos ricos e a cultura da violência.
Quando Lampião no final da década de 10 começou a apontar como cangaceiro, o
banditismo já era notícia antiga e ele entra como um grande administrador do
movimento. Virgulino funcionou como um eficaz Katamari que ia agregando
dinheiro, homens, mulheres, histórias e fotografias por onde passava. Mas, de
onde vinham estes cangaceiros que passaram pouco ou muito tempo no bando mais
afamado dos sertões?
Tomemos como base Volta Seca. Menino do Saco Torto em Riachuelo-SE, se
desentende com a madrasta, foge de casa e acompanha de forma sutil o bando no
início de 1929. Crime algum havia cometido. A curiosidade foi maior que a
necessidade naquele instante, ao contrário de Zé Sereno, que corrido de uma
briga na região de Chorrochó, entra para o bando em 1930 com a benção de seu
primo Zé Baiano. Vários motivos levaram homens simples a ingressar no cangaço,
o mais comum deles era a “salvaguardo” e proteção que o bando proporcionava perante
a sociedade, que, esta pensava duas vezes antes de atacar um cangaceiro. Eles
se sentiam muitas vezes deuses e impunes. O medo se instalava também dentro do
bando, a exemplo de cangaceiros que fugiram para não serem mortos, aqueles que
foram baleados e sobreviveram, como também os que foram presos. Claro, falo dos
que ficaram vivos, sem focar nos que além de receberem tiros, também tiveram
suas cabeças decepadas e seus pertences roubados.
O cangaço virou instituição, só faltava CNPJ para ser uma empresa legalizada.
Vários bandos atrelados ao chefe Lampião foram formados e estes foram
agregandos mais membros e muitas mulheres. Volto a dizer: onde estes
ingredientes eram apanhados? Aqui, ali, acolá... não faltavam homens para o
serviço. Havia paralelamente outra classe de “homens em armas” que poer
diversas vezes combateram os cangaceiros como “contratados” do Governo, eram os
pistoleiros e jagunços. Estes viviam muitas vezes como “leões de chácara”,
acompanhando e protegendo o Coronel da região ou praticando crimes
encomendados, sendo estes mais independentes, tendo até muitas vezes seu
pequeno pedaço de terra ou morando na capital. Não temos registros de
Pistoleiros que viraram cangaceiros, mas alguns cangaceiros após largarem o
cangaço receberam convites para entrar na pistolagem, dada a familiaridade
desses indivíduos com armamento e as dificuldades encontradas no sertão.
O Estado Novo chega, com ele o progresso dirigido pelo Getúlio Vargas que
queria um país destinado ao povo. Para isso ele teria que limpar a mancha que
se instalava há séculos no nordeste. Quem mais aparecia na mídia? Cangaceiros,
claro, com milhares de notas, centenas de fotografias, cordéis, livros, filmes,
histórias cabulosas que muitas vezes eram confundidas com as da polícia e tantos
outros detalhes que só tornavam os cangaceiros mais afamados, aqui no Brasil e
também no exterior, chegando a estampar manchetes nos jornais de maior
circulação dos EUA e na Europa. O declínio do cangaço começa a chegar quando as
estradas de rodagem são abertas, o ensino de qualidade começa a ser incluído
nas localidades, novos empregos, os aviões começam a patrulhar terrenos maiores
e cada cidade tinha por obrigação um quartel de polícia prontos para a guerra.
O cerco estava se fechando e um grupo estava se beneficiando disso: os
jagunços.
A jagunçada estava livre, protegida muitas vezes até por juízes e políticos.
Cometiam crimes bárbaros e a mídia nem ao menos comentava e quando citavam, na
verdade, focavam no crime e não nos autores. Cangaceiro não, se um destes dava
um tapa em alguém virava capa de O Globo; se tirava a barba, de igual
importância, até o barbeiro era entrevistado. O jagunço matava sem pena,
defendia seu patrão e dizimava muitas vezes famílias inteiras.
Chega 1938 e Lampião é morto, o cangaço foi abalado. Os grupos ficaram com
medo, muitos se entregaram, outros desapareceram no oco do mundo e alguns foram
mortos. O túmulo havia sido aberto. Em 1940 Ângelo Roque se entrega e Corisco é
assassinado, a lápide foi colocada no que entendemos como “cangaço lampiõnico”.
Mas, como sabemos, dias antes da morte de Lampião, um parente de Maria Bonita
havia se integrado ao grupo e outro de nome Luiz de Thereza vindo de
Itabaiana-SE ou São Paulo (Frei Paulo-SE) estavam de calouros no bando, então,
qual sua formação para que fossem levados a tal ponto? Agora, vem a pergunta: o
que aconteceu com os indivíduos propensos a entrar no cangaço depois da morte
de Lampião e seu compadre Corisco? Apenas desistiram ou mudaram seu foco? O que
aconteceu com outros bandos de cangaceiros que não tinham vínculo com Lampião?
Apenas se desarmaram e foram tocar suas vidas?
Dezenas de relatos pós-Lampião de grupos armados saqueando diversas regiões do
Nordeste e o sul da Bahia foram noticiados de forma sutil e até mesmo abafados
pela censura do governo Vargas, eles não queriam mostrar ao grande público que
haviam deixado vestígios do Cangaço. Os Coronéis, muitas vezes mais perversos
que os cangaceiros e também responsáveis pelo armamento destes saíram impunes
da questão, até mesmo mais ricos, como os que ficaram com os pertences de Zé
Baiano e a solda da dívida com este. Os Jagunços foram protegidos, temendo
apenas seus rivais de outras famílias inimigas e também outros pistoleiros que
poderiam deixar de ser amigos e passar a ser executor, tudo pelo dinheiro.
Nas décadas de 50 e 60 grupos invadiam cidades pequenas, saqueavam e matavam
pessoas inocentes. Será que se Lampião e Corisco não tivessem morrido, estes
indivíduos, a exemplo das famílias Novais e Ferras na região do Pajeú teriam se
tornado Cangaceiros propriamente ditos? Mas, se eles seguiam a mesma cartilha
de antes, por que não chamá-los de “Cangaceiros” como eram taxados antes de
1940? Qual o medo que se instala na história em reviver fatos que já foram
lapidados e muitas vezes aparecem ainda em seu estado bruto? Nem tenho como
responder estas perguntas sem causar um Tsunami em meio aos que se encontram em
suas zonas de conforto, mas de uma coisa tenho certeza, os Jagunços e
Pistoleiros estão aí, ainda presentes no dia a dia desta sociedade que se diz
moderna, praticando os mesmos crimes ou até piores que os dos cangaceiros, mas,
talvez seja que para ser cangaceiro teriam que vestir com chapéu de couro de
veado com a aba virada; punhal; perneiras e um óculos redondo como o
estereótipo que agrada aos especialistas, deste misto de herói e bandido que
divide opiniões há quase 100 anos. De uma coisa tenho certeza, nem Lampião
imaginava que seria tão estudado.
Robério Santos
Membro da Academia Itabaianense de Letras
http://blogdomendesemendes.blogspot.com