Por Tadeu Rocha (*)
Recife, 11 de
junho de 1978
“Coronelismo” sertanejo eliminou Gouveia em 1917 e multinacional “matou” sua
fábrica de linhas em 1929
Delmiro Gouveia foi morto, no pioneiro núcleo industrial de Pedra (Alagoas), em
10 de outubro de 1917. A fábrica de linhas, que ele inaugurara em 1914 e seus
herdeiros venderam em 1927 aos industriais recifenses Menezes Irmãos, foi
condenada à morte no dia 2 de novembro de 1929, em Paisley, na Escócia.
Após 28 anos de pesquisas sobre a vida e a obra de Delmiro Gouveia, chegamos à
absoluta certeza da autoria intelectual do crime que vitimou o Pioneiro de
Paulo Afonso, acarretando um atraso de quarenta anos para uma grande parte do
Nordeste.
As pesquisas que iniciamos em janeiro de 1950, na cidade alagoana de Santana do
Ipanema, e que nos permitimos escrever inúmeras reportagens no DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, a partir de fevereiro de 1953, e publicar três edições de uma
biografia do Pioneiro de Paulo Afonso, somente agora chega m ao seu termo, com
seguro depoimento colhido no Estado de Goiás. Na cidade de Porto Nacional, em
meados de 1948, um certo senhor Raimundo Lopes, idoso e doente, identificou-se
como sendo, realmente, José Gomes de Sá e declarou, perante quatro testemunhas
categorizadas, que foram ele e o “Coronel” José Rodrigues (de Piranhas) os
mandantes da morte violenta de Delmiro Gouveia, no centro industrial da Pedra,
na noite de 10 de outubro de 1917.
ERRO JUDICIÁRIO
Ainda no dia 16 de abril de 1967, aqui mesmo nas páginas do DIÁRIO,
documentalmente revelamos que não houve “caso” de mulher no traiçoeiro
assassínio do genial captador da força de Paulo Afonso. Cinco anos mais tarde,
precisamente no DIÁRIO de 20 de julho de 1972, denunciamos a existência de
“erro judiciário no Processo Delmiro”, provando que os operários sertanejos
Róseo Morais do Nascimento e José Inácio Pia, apelidado de Jacaré, pernoitavam
na estação ferroviária de Japaratubinha (hoje Muribeca), no interior de
Sergipe, quando Delmiro foi assassinado, no centro industrial que ele mesmo
fundara, no sertão de Alagoas.
Decorridos menos de cinco anos e meio da nossa denúncia pública (e confirmando
o álibi do Sr. Róseo e do finado jacaré), o historiador Moacir Sant’na, diretor
do Arquivo Público de Alagoas, descobriu em sua repartição um “conjunto de
autos de perguntas”, referentes ao Processo Delmiro, mas que a ele nunca foram
anexados, se bem que existentes desde os fins de 1918. O citado historiador
tornou pública essa notável descoberta, numa entrevista ao Jornal de Alagoas,
edição de 10 de dezembro do ano passado.
FONTE INESPERADA
Nos fins de 1977, fomos fazer novas pesquisas em Maceió, no Arquivo Público e
no Instituto Histórico de Alagoas. Visitando o criminalista Antônio Aleixo Paes
de Albuquerque, advogado do Sr. Róseo Morais do Nascimento, ele nos informou de
que tivera ligeiro contato, na capital alagoana, com o Desembargador Lúcio
Batista Arantes, presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Este
Desembargador mostrou interesse em conhecer melhor a vida e obra de Delmiro
Gouveia, de quem ouvira falar por uma circunstância toda especial, no interior
de Goiás, nos fins da década de 40.
Róseo
e Jacaré, acusados e condenados...inocentes???
Escrevemos ao ilustre magistrado, pedindo-lhe alguns dados sobre a vida do
“Coronel” José Gomes de Lima e Sá, que se evadira de jatobá (hoje Petrolândia)
e se refugiara no norte de Goiás, logo após a morte violenta do Pioneiro de
Paulo Afonso. O Desembargador Batista Arantes confiou a resposta de nossa carta
ao Dr. José Cortez de Lucena, que foi promotor Público em Goiás, tendo sido
removido para a Comarca de Porto Nacional, pela Portaria nº 36, de 4 de maio de
1948, do Procurador Geral de Justiça daquele Estado.
AUTÊNTICO DEPOIMENTO
As informações do antigo Promotor Público de Porto Nacional constituem
minucioso e autêntico depoimento, como veremos em seguida. Ainda em meio ou
junho daquele ano, o Dr. Cortez de Lucena foi procurado pelo Pe. Luso, que
também trabalhava em Porto Nacional, “para acompanhá-lo até uma das pensões
daquela localidade, para assistir à confissão de uma pessoa que solicitava a
presença do Dr. Promotor”.
Vejamos o depoimento do referido Promotor: “Lá chegando, deparei-me com um
homem de idade um tanto avançada, contorcendo-se sobre uma cama, coberto de
suor, que, apesar de ser ali conhecido por Raimundo Lopes, identificou-se como
sendo José Gomes de Sá, que desejava morrer com sua consciência aliviada de um
grande crime praticado contra a pessoa do Coronel Delmiro Gouveia, no lugar
conhecido por Pedra do Coronel Delmiro, em Alagoas, e pelo qual estavam
sofrendo três inocentes de nomes José Inácio Pia, vulgo Jacaré, Róseo Morais e
Felix de Tal; que ele e José Rodrigues, de Piranhas, eram os únicos
responsáveis”.
Concluindo o seu minucioso informe, escreve Dr. Cortez de Lucena: “tomada por
termo a confissão, perante os testemunhos do padre luso, do advogado Oswaldo
Leal e do fazendeiro Pedro Castanheira, foi dito documento concluso ao MM. Juiz
de Direito da Comarca – Luiz do Couto Cornélio Brom – para ser encaminhado ao
então Egrégio Tribunal de Apelação de Alagoas, para os devidos fins de Direito.
O que julgo tenha acontecido”.
Esse termo de auto-identificação pessoal e confissão pública de José Gomes de
Sá não foi encontrado no arquivo do tribunal de Justiça de Alagoas, ao que nos
informou o Desembargador Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos, em carta de 14 de
abril deste ano. Como tem acontecido a muitos outros arquivos, o do Tribunal de
Justiça alagoana também foi vítima da injúria do tempo e descaso dos homens.
SOBREVIVEM TESTEMUNHAS
Conseguimos saber o nome completo e o endereço atual do sacerdote que convidou
o Dr. José Cortez de Lucena a testemunhar, com duas outras pessoas de
categoria, a confissão pública do suposto Raimundo Lopes, nos meados de 1948. O
nome desse padre é Luso Matos, que continua residindo em Porto nacional,
conforme resposta telegráfica do Sr. Bispo daquela Diocese goiana, Dom Frei
Celso Pereira de Almeida, ao Monsenhor Severino Nogueira.
Quanto ás duas outras testemunhas da confissão pública de Raimundo Lopes, que
então revelou ser, na verdade, José Gomes de Sá, recebemos autorizada
informação do Sr. Jurimar Macedo, Prefeito de Porto nacional. Em telegrama de 6
do corrente, ele esclarece: “advogado Oswaldo Leal já falecido vg Pedro
castanheira reside em Pium”, que é uma cidade vizinha a Porto Nacional, na
Microrregião Médio Tocantins-Araguaia, no Estado de Goiás.
CRIME TRAIÇOEIRO E BEM PLANEJADO
Os “coronéis” José Rodrigues de lima e José Gomes de Lima e Sá estavam
estrategicamente situados nas extremidades da Estrada de Ferro Paulo Afonso, o
primeiro em piranhas, no estado de alagoas, e o segundo em jatobá, no
território pernambucano. A meio caminho, no km 54 dessa ferrovia, Delmiro
Gouveia fundara o núcleo industrial da pedra, que ele próprio dirigia
autoritariamente, como todos os civilizados dores de terras ou apóstolos de
almas. Por isso mesmo, os dois inimigos do sertanista moderno encontraram,
facilmente, quem o eliminasse.
Os “Coronéis” José Gomes e José Rodrigues aproveitaram-se do ódio que votava a
Delmiro o pequeno agricultor Herculano Soares Vilela, em um sítio na Serra do
Cavalo, perto da cidade de água Branca. Os dois mandantes do crime forneceram
as armas e o “serviço” foi feito com precisão, pelo próprio Herculano, seu
cunhado Luiz dos Angicos e seu “cabra” Manuel Vaqueiro. O crime foi traiçoeiro
e rápido, às oito e meia da noite de 10 de outubro de 1917. Sabe-se que o
agricultor Herculano confessou a autoria material do crime, antes de morrer.
Entretanto, os seus familiares jamais quiseram dar testemunho sobre essa
revelação.
SENTENÇA DE MORTE À LINHA “ESTRELA”
Antes que a finança internacional pretendesse matar Delmiro Gouveia, o
“coronelismo” nordestino o eliminou. Decorridos 12 anos da morte do Pioneiro de
Paulo Afonso, a Machine Cottons conseguiu fechar a fábrica de linhas da Pedra,
através de um contrato firmado em Pais-Ley, na Escóssia, exatamente no dia de
Finados do ano da Graça de 1929.
Foi o que dissemos e documentamos no capítulo Sentença de Morte à Linha
“Estrela”, de nosso livro DELMIRO GOUVEIA, O PIONEIRO DE PAULO AFONSO.Essa
fábrica de linhas, inaugurada por Delmiro Gouveia em 6 de junho de 1914, foi
vendida por seus herdeiros , em 7 de maio de 1927, aos industriais recifenses
Menezes Irmãos. Sem o apoio do Presidente Washington Luís e do Congresso
Nacional, os Meneses foram obrigados a aceitar a pena de morte contra a sua
indústria de linhas, decretada na Escócia, no dia de Finados do ano de 1929.
(*) Advogado,
Escritor e Jornalista.
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