Por João de Sousa Costa
Cristino Gomes
da Silva depois de ser apresentado pelo fazendeiro Manoel Valões a Virgulino
Ferreira da Silva, acreditou que “viver da espingarda” seria fácil e a
alternativa que se apresentava naquela quadra de sua vida; fugitivo por conta
de um homicídio praticado em meio a uma briga e procurado por deserção do
Exército Brasileiro.
Não demorou
muito Cristino haveria de descobrir que, ao contrário de uma quartelada do
Exército, no cangaço a guerra era real e cruel.
Os tempos
agora eram de desassossego, enfrentamentos com tiroteios a qualquer hora,
emboscadas, razias e chacinas as mais cruéis.
Debaixo de um
chapéu de couro com aba dobrada para trás para servir como sombra tendo punhal
e rifle como apetrechos inseparáveis além bornais para conduzir roupa, comida e
munição, Corisco foi encaminhado por Virgulino Lampião a José Leite Santana, o
cangaceiro Jararaca, chefe de subgrupo e, por coincidência, também egresso das
fileiras do Exército como ele.
O ano era de
1926, agosto o mês e na sua primeira empreitada, Cristino está entre os cabras
de Lampião que atacaram a fazenda Tapera, de propriedade de Manoel do
Nascimento Gilo nas cercanias de Floresta(PE).
A história
ensina que a verdade é a primeira a morrer numa guerra. E este ataque à família
Gilo, o primeiro com a participação de Corisco, os historiadores reportam que
resultou de uma grande mentira, de um engodo e de uma falsificação.
Conta-se que
Manoel Gilo tinha como desafeto um certo Horácio Novaes, bandoleiro da região
do Navio condenado pela justiça por roubo de cavalos e gado.
Este Horácio
Novais preparou um ardil para Virgulino e seu bando escrevendo uma carta a
Lampião recheada de ofensas e falsificando a assinatura como sendo Manoel Gilo.
Gilo havia
testemunhado na ação judicial que condenara Novaes por roubo de Cavalos. E esta
carta com afrontas a Lampião era a vingança Novaes contra Gilo e Família.
Virgulino deu
crédito à carta forjada por Novaes e foi “tomar satisfações”, saber de Gilo
sobre a veracidade do teor da carta
Lampião nesta
quadra da sua trajetória estava no auge da sua liderança à frente de uma
centena de cangaceiros, dentre eles, Corisco, que fazia naquele momento sua
estreia no cangaço.
Sabedor da
aproximação de Lampião, Manoel Gilo pede socorro à polícia estacionada
Floresta. Recebe do capitão Muniz de Farias a garantia de que, em caso de
ataque à fazenda, o destacamento marcharia em socorro.
- “Fique
sossegado, se a fazenda for atacada, despacho em cima da bucha uma volante em
seu socorro”, teria assegurado o capitão Muniz a Manoel Gilo.
O dia 26 de
agosto amanhece com os cangaceiros ocupando atalhos, curral, cancelas e
sitiando a casa da fazenda; o tiroteio estoura e uma chuva de balas desaba
sobre a casa; Gilo, seus dois filhos e alguns empregados revidam com mesmo
furor; o pipocar dos tiros anunciava o fim do mundo.
Gilo e sua
família não se entregam, respondem com sucessivas cargas de tiros; bem
municiado, avalia que a polícia chegará a tempo em seu socorro.
- O capitão
Muniz é homem de palavra, garantiu cumprir com o seu dever e virá em nosso
socorro, era a centelha de esperança de Gilo.
Ledo engano
porque o capitão Muniz não cumpriu o combinado e prometido. As horas se passam,
o tiroteio não cessa, as armas esquentam de tantos disparos.
Perto dali, em
Floresta, a polícia escuta o pipoco dos tiros, mas não se mexe.
Entre os
militares acantonados está o anspeçada Manoel Neto, homem dali mesmo da região,
de Nazaré do Pico, e inimigo feroz de Lampião e seus irmãos, que percebe a
inépcia e falta de vontade do capitão Muniz em combater.
Mané Neto, que
haveria de se tornar cabecilha das volantes nazarenas, não se dá por
acovardado. Calibra as armas, mobiliza os poucos homens disponíveis no lugar e
ruma em marcha batida em socorro dos sitiados na fazenda da família Gilo.
Mas o teatro
de guerra se mostrou desfavorável à volante de Mané Neto. O bando de Lampião
estava em maior número, repele o ataque e a tropa abandona o combate.
Terminada a
infernal fuzilaria, Manoel Gilo é capturado pelos cangaceiros e interrogado por
Lampião sobre a veracidade do teor da famigerada carta.
- Capitão eu
não sei ler nem escrever; não posso escrever carta nenhuma, nem partiu de mim
atrevimentos e ofensas ao senhor, disse Gilo a Lampião e apontando para
Novaes como o responsável pela artimanha.
Em resposta
rápida, ali do lado, Horácio Novaes saca do revólver e dispara à queima-roupa
matando Manoel Gilo.
O saldo
perverso desse ataque foi monstruoso. Treze mortos tombados no terreiro mais
dez corpos ensanguentados e espalhados pelos quartos, cozinha e na sala.
O bando deixa
a família Gilo exterminada e segue sua cavalgada tocando o terror e pilhando
fazendas, vilas e transeuntes nas estradas.
Por onde passa
o bando de Lampião chama a atenção da população e da imprensa pelos adornos e
vestimentas utilizadas. Mais ainda chama a atenção dos curiosos aquele
cangaceiro loiro, de porte atlético, verbalizando bem e de sotaque
diferenciado. Este cangaceiro era Corisco em sua estreia no bando de Lampião.
Mas Mané Neto
e os nazarenos não desistiam fácil na caçada a Lampião e o bando é alcançado
num sítio de nome Favela, onde se trava combate feroz e implacável. O resultado
é de muitas baixas por parte das volantes; além dos feridos, uns socorridos
pelo próprio Mané Neto, outros deixados para trás para morrer.
Aqui a
brutalidade da guerra mostra sua verdadeira face a Cristino, pois os soldados
como ele fora um dia e que ficaram para trás vivem o horror e viram de perto a
face do mal e seus malefícios.
Os capturados
têm seus olhos vazados com cápsulas de balas batidas com a coronha do fuzil,
outros são sangrados ainda vivos.
O terror
vivido pelos soldados e as baixas sofridas pelo bando nesse entrevero foram as
credenciais iniciais do cangaço a Cristino e o combate da fazenda Favela
impressionou e abalou a convicção de Corisco em seguir no cangaço.
Corisco vai
até Lampião e, sem mais nem menos, surpreende o chefe.
- Capitão,
com sua licença, estou pedindo baixa; peço pra sair.
E assim, antes
mesmo de começar, o novato bandoleiro Cristino encerra sua carreira no cangaço,
e faz o caminho de volta à vida pacata de civil. (a saga continua)
João Costa;
Acesse: blogdojoaocosta.com.br
Fonte:
“Lampião: a raposa das caatingas”, de José Bezerra Lima Irmão
“Corisco – a
Sombra de Lampião”, de Sérgio Augusto Dantas.
Foto: Benjamim
Abraão.
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