Por: Alcino Alves Costa
Alcino Alves Costa em dia de Cariri Cangaço em Juazeiro do Padre Cícero
No meu entender, um vaqueiro da história, um daqueles rastejadores das coisas de nossos sertões e de seu povo, tem que envidar todos os meios possíveis e imagináveis para não ser tendencioso em seus trabalhos literários, já que a história não é, nunca foi e não será teoria e sim, fatos acontecidos e registrados nas mais diversas versões, mas, infelizmente, tenho que reconhecer uma verdade absoluta. Em relação à vida e o viver do padre Cícero eu sou tendencioso. A realidade é que não tenho nenhuma condição de discorrer sobre esse tão apaixonante assunto. Por quê? Além da escassez de conhecimento sobre a história do notável criador do Juazeiro, o meu sentimento e o meu espírito não encontra nenhuma deficiência que possa desqualificar a quase que divina grandeza desse verdadeiro santo sertanejo. Portanto sou suspeito.
Tenho orgulho e prazer em idolatrar os padres Ibiapina, Damião, Donizete, Frei Galvão e o próprio padre Cícero. Mas, vejam a ironia do destino. Desde os tempos fulgurantes da Teologia da Libertação, quando alguns teólogos em seus brados inflamados e cheios de ódio para com aqueles que possuíam terra e gado, procuravam jogar família contra família, sociedade contra sociedade, povo contra povo, eu me afastei por completo da igreja. Deixando a igreja de lado, por não aceitar e nem acreditar naquele novo proceder dos representantes do catolicismo. E assim, não aceitando aquela nova posição da igreja, procurei refúgio e consolo espiritual nas palavras de Alan Kardec e Bezerra de Menezes, porém sem deixar em nenhum instante de minha vida de me valer de Nossa Amada Mãe Santíssima e de nosso Amado Mestre e Senhor Jesus Cristo.
Voltando ao Padre Cícero o assunto em pauta é: ele protegia cangaceiro? Ele protegia Lampião? Claro! O Padre Cícero protegia cangaceiros. Protegia Lampião. Sob qual fundamento e baseado em que eu faço essa afirmação? Ora, meus amigos, o padre Cícero nasceu e carregou por toda encosta de sua vida a sublimação do amor em toda a sua abrangência. Ele amava todos. O rico, o pobre, o preto o branco, o letrado o analfabeto, o caboclo o praciante, também o ladrão e o criminoso, o bandido e o malfeitor. Esses eram a sua grande preocupação. Aqueles que ele orava todos os dias para tirá-los do abismo do crime. Enfim, a todo ser humano, a todos os filhos de Deus, fosse cangaceiro ou qualquer desvalido da sorte; também os grandes e famosos cangaceiros foram por ele amados, dentre eles Sinhô Pereira, Luís Padre e o próprio Lampião.
Alcino Costa, João de Sousa, Ângelo Osmiro e Ivanildo Silveira, no Museu vivo de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, no Cariri Cangaço
Se em março de 1926, o padre Cícero recebeu ou não Lampião em sua residência ou em qualquer outra localidade, não deslustra a sua excelsa vida. Mesmo porque, o padre Cícero jamais iria se recusar em receber quem lhe procurasse.Aliás, nos registros históricos do célebre escritor Nertan Macedo, o filho do Crato diz nas páginas 136 e 137 de seu livro “Lampião”:“(...) Já muito alquebrado e, como de hábito, sentado a segurar velho e nodoso cajado, estava o Padre, em casa, quando a beata Mocinha irrompeu quarto adentro, comunicando”:
- Meu padrinho, aconteceu uma desgraça!
- Que desgraça, criatura? - perguntou o Padre.
- Lampião está aqui!
- Mas quem mandou esse homem entrar no Juazeiro? - insistiu o ancião.
E, chamando um dos seus caseiros, ordenou:
- Diga a Lampião que venha cá! Quero saber com ordem de quem ele veio ao Juazeiro!
Ai Lampião, na companhia de alguns cabras, compareceu à presença do Padre Cícero.
Este o recebeu em casa, cajado na mão, sentado na cama.
- Meu padrinho... - foi balbuciando, cheio de humildade, o Capitão, ajoelhando-se com os cabras.
Mas a palavra do patriarca saiu cortante:
- Cale a boca, Lampião! Você é um condenado! Você vai pro inferno pelos seus crimes praticados! Faça como Sinhô Pereira e Luís Padre: vá pra Goiás...
- Mas, meu padrinho, eu não posso atravessar tanto sertão a pé, numa viagem desta...
- Cale a boca, Lampião! - repetiu duramente o Padre, reiterando-lhe a exortação de que o Capitão abandonasse o cangaço e fosse embora para Goiás, como já havia feito os outros chefes de bando, Sinhô Pereira
e Luís Padre...
Esse registro da história atesta muito bem o tamanho descomunal da injustiça que se faz com o santo dos romeiros. Aqueles que não têm compromisso com as possíveis verdades da história não se cansam de registrar apenas aquilo que seja do seu agrado e que seja de sua vontade.
Queiram ou não, o padre Cícero foi um homem que tinha o seu espírito e o seu sentimento muito além das coisas terrenas. Porém, não poderia ser diferente, ele era um ser humano, alguém que também pecava e viveu suas provações. Todavia, nenhuma dessas provações, nenhum de seus pecados, nenhuma posição política alcançada, nem o seu desmedido amor pelo seu Juazeiro, que é sem dúvida alguma o seu maior milagre, nem sua luta em favor de seus amados romeiros desvirtuaram o seu sublime amor pelos preceitos divinos. Numa prova que o seu espírito estava além, muito além, do viver terreno e das vicissitudes da terra.
Beata Mocinha e Padre Cícero: Museu vivo no Horto, Juazeiro do Norte
Portanto, minha querida família sertaneja, desde aquele venturoso dia 24 de março de 1844, quando na então Vila Real do Crato, uma criancinha nasceu de Joaquim Romão Batista e dona Joaquina Vicência Romana, alcunhada carinhosamente de dona Quinô, era também o nascimento de uma nova era, a era comandada por um homem que só queria para a sua gente, para seu povo, para o seu amado cariri e seu amado sertão, PAZ E AMOR.
Saudações cangaceiras
Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo
Conselheiro Cariri Cangaço, Sócio da SBEC
Extraído do Cariri Cangaço