Por: Volta Seca e Ronnyeri (in memoriam)
Diante situação de embaraço em que ficava em risco o sucesso da campanha,
entrava em ação um personagem merecedor de apoteoses e medalhas porque não
matava, e representava a inteligência inculta, mas ágil, perspicaz, ativa: O
RASTEJADOR...!.
Ranulfo Prata em
seu grande livro “Lampião”, descreve, assim, o rastejador:
“O RASTEJADOR
é um homem de sentidos agudíssimos, cujos olhos percucientes são objetivas
poderosas que visionam o microscópico.
É a testa das volantes, que se lhe entregam de corpo e alma, uma cega confiança
à proverbial lealdade sertaneja. Ele as conduz meses a fio em marchas
incessantes pelo deserto. O bom ou mal êxito das batidas depende dele,
exclusivamente.
É tudo na
coluna, porque é a visão, maior do que o cérebro, no sertão ínvio.
Detém-se, de repente, em lugar onde a vegetação rala e o solo entorroado e
pedrento nada evidenciam a olhos vulgares. Esbarra, acocora-se, examina com
simples toque de dedo grosso, seixos e cascalhos, "assunta" de mão no
queixo, "magina" minutos, e, volvendo a face tostada de sóis, onde
chispam olhos vivazes, conta ao tenente, em fala remorada, o seu achado,
apontando, com segurança inabalável, a pista do bando. Segue-a a tropa
pressurosa, com o batedor a frente, "escanchado" no rastro. Sem
perdê-la, trazendo-a sempre de baixo dos olhos atentos. A marcha se estira por
dias e semanas , até que as feras humanas, acuadas longe, ofereçam combate,
negaceiem e escapem em fuga precipite.
Recomeça novo trabalho de pesquisa de rumo, descobrimento de novo rastro,
seguindo-se a caminhada exaustiva que tem como remate escaramuça quase sempre
descompensadora.
Não é adivinho
nem mágico, porem, o matuto privilegiado. Ele enxerga "realmente"
vestígios, baseia-se, nas suas afirmativas, em indícios tangíveis ,
concretizados em pequena folha machucada, cinza de cigarro ou borralho, um
fósforo, toiças de capim acamado, pegadas de levíssimo desenho. O mais é
ilação, agudeza, experiência de gerações, trabalho de inteligência vivacíssima
e o que eles chamam - o "DOM".
Ao debruçar-se sobre um rastro diz se é fresco, isto é, recente ou se velho, de
dias, e de quantos dias.
Enumera os homens e mulheres que compõem o bando. Afirma se Lampião está em
pessoa a chefiá-lo, ou se é Corisco ou outro qualquer dos seus
lugar-tenentes.
Pormenoriza estupendamente, adiantando se após o grupo passou gente que lhe é
estranha, e dissociando os sexos.
Adiante, sob a
copa derramada dos umbuzeiros amigos, informando que os bandoleiros ali
pernoitaram, precisa o numero de homens e mulheres, apontando os lugares que
serviram de coitos a solteiros e a casais.
E alongando-se em detalhes pitorescos e maliciosos, dizem ainda, pela marca dos
joelhos e dos cabelos entrouxados, dos "cocós" femininos, se o amor
andou ali a fazer das suas, atraído pela doçura da noite tropical e pelo docel
de folhagem verdejante, suavemente bolido por uma brisa macia, carregada de
perfumes agrestes.
E não é só pegada humana que o batedor descobre e segue.
Rasteja todos
os animais, avantajando-se, muita vez, aos próprios cães, dando, muito antes
deles, com o rastro da caça que lhes atrita no focinho para avivar-lhes o
olfato.
Sem falar na caça graúda, a suçuarana que marca o chão com enorme pata, e o
tamanduá, que deixa após indícios gritantes, o rastejador lobriga, sem ajuda de
lentes, meia dúzia de finos grãos de poeira que a ponta ferina de um casco de
viado depôs, mal trocando-a, em corrida veloz, sobre uma lage.
Segue os
pequenos animais, o preá, de pata minúscula, o teiú, que mal acama a vegetação
sob o seu peso leve, o tatu-bola, todo delicadeza, a pisar o chão com sutileza
de quem traz veludo nos pés. As próprias abelhas são "rastejadas" nos
ares, seguidas no seu pesado voejo, mato a dentro, ate os troncos onde tem as
suas "casas".
Para
neutralizar, porém, a ação do rastejador, os bandidos contrapõe em artimanhas e
ardis.
Com o fito de o desnortear, passam a andar trechos e trechos do caminho a um de
fundo, todos a pisarem cuidadosamente a mesma pegada, simulando um só viajador.
Invertem as alpercatas, ficando com os calcanhares para a frente, produzindo atrapalhação de rumo.
Vezes outras,
em estradas largas, um deles desloca-se do grupo, e armada de espesso e folhudo
galho de arvores, segue-o à distancia, apagando sinais da marcha,
"baraiando" o rastro. “
OBS: Pelo que eu li na literatura cangaceira, o maior RASTEJADOR em minha
opinião foi o "BATOQUE", que enxergava, onde ninguém via nada. Ele
andou muitos anos com os nazarenos (maiores inimigos de Lampião), e, várias
vezes em combate, foi ameaçado de ser sagrado pelos cangaceiros, que o odiavam.
Ainda, segundo a literatura lampiônica, o rastejador era muito visado pelos
cangaceiros, que o tinham como o grande inimigo, pois descobria os rastros e o paradeiro
dos perseguidos.
Em armadilhas (emboscadas) feitas pelos cangaceiros, o rastejador da policia,
era o primeiro a morrer, uma vez que sempre andava á frente da tropa, e os
cangaceiros atiravam nele, "DE PONTO".
Esse homem, da foto abaixo, é o famoso "rastejador" BATOQUE “, que
foi um bravo da volante nazarena.
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