Por Antônio Corrêa Sobrinho
Em 1929, o
jornalista e telegrafista ZOZIMO LIMA chefiava a repartição dos Correios e
Telégrafos da sergipana Capela, sua terra natal, burgo da zona da mata
canavieira, e, concomitantemente, trabalhava como correspondente na região, do
jornal CORREIO DE ARACAJU, quando resolveu o destino, na noite de 25 de
novembro do sobredito ano, colocá-lo diante do mais temível dos bandoleiros que
existiram no Brasil, o pernambucano VIRGULINO FERREIRA DA SILVA, o LAMPIÃO,
quando de seu primeiro ataque a Capela.
Quis o desígnio
das misteriosas forças que nos regem, ao promover, naquela oportunidade de
ataque de cangaceiros a uma cidade, o encontro de Lampião justamente com Zozimo
Lima, o telegrafista e ao mesmo tempo cronista, proporcionar, desta forma, à
historiografia do cangaço um dos seus mais importantes documentos, a conhecida
"LAMPIÃO EM CAPELA", reportagem que se fez elemento constitutivo do
conjunto das incontestáveis demonstrações da atuação bandoleira de Lampião, no
caso, a sua presença no território sergipano.
Sem mencionar
que se trata, a referida matéria, de um olhar sóbrio, amplo, desapaixonado, e
não ressentido, considerando que andou por horas veladamente ameaçado, e que só
não entrevistou o capitão bandoleiro, justamente por isso, por causa da sua
condição, naquele instante, de apenas um telegrafista à mercê de um afiado e
longo punhal, a transbordar de medo em que estava.
Refiro-me,
nesta postagem, ao artigo jornalístico, publicado quatro dias depois dos
acontecimentos que marcaram para sempre a história de Capela, a
"visita" de Lampião a esta cidade, texto que hoje completa 92 anos.
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LAMPIÃO EM
CAPELA
Informações
interessantes colhidas pelo correspondente do Correio – a atitude digna do
intendente Antão Corrêa – Lampião acha que a vida do cangaço é bem divertida –
outras notas**
Segunda-feira,
25, esta cidade teve o seu dia máximo de vibração e emoção popular.
Precisamente às 20 horas, quando se encontrava funcionando o cinema municipal,
portas adentro da popular casa de diversão capelense surgiu a figura temível de
Lampião que, acompanhado do prefeito local, vinha à procura do encarregado da
estação telegráfica da cidade com o fim de intimá-lo a não se comunicar com as
demais estações correspondentes. Igual procedimento tivera, posteriormente,
para com a encarregada do posto telefônico e do telégrafo da estrada de ferro.
Historiemos os
pormenores dos seus receios e tentativas de assalto à cidade, o que se
verificou.
Às 19 h 40
min, à casa do coronel Antão Corrêa, intendente local, justamente quando este
distinto cavalheiro acabava de jantar com sua família, apareceu, de automóvel,
o Sr. Otacílio Azevedo, negociante em Dores. Vinha procurar o jovem prefeito
para uma conferência. Tinha por fim esta lhe dar conhecimento de que Lampião e
o seu grupo, em número de dez ao todo, exigiam a sua presença no lugar
denominado Sobradinho, à entrada da cidade, onde todos se encontravam parados
por se ter furado uma câmara de ar do carro que conduzia o audacioso bando.
O Sr. Otacílio
trazia-os de Dores à força, em seu automóvel. Juntamente com mais três carros
daquela cidade, aonde chegara, procedente de Carira, às 16 horas, para rumar em
direção à Capela, às 19 horas.
O intendente
Corrêa, depois de ouvir o Sr. Otacílio Azevedo, improvisado de chofer, deu
ciência à sua esposa do que ocorria, tomou rápidas providências, em sigilo,
para que o minguado destacamento local não saísse ostensivamente à rua em
virtude da insuficiência de forças para um ataque, e foi ter com o grupo que o
esperava.
Antão Corrêa
foi recebido por Lampião que lhe disse desejar entrar à cidade sem outro
intuito que o de angariar uns cobres, prometendo não cometer depredações.
O jovem
intendente pediu-lhe manter-se em atitude pacífica e, entrando no automóvel ao
lado de Lampião, às 20 horas chegaram todos à cidade.
Lampião mandou
Arvoredo tomar o telefone, de passagem, e rumou para o Telégrafo. Corrêa
fez-lhe ver àquela hora que o telegrafista estava no cinema e não deveriam ir à
cidade-repartição, pois lá só se encontrava a família do respectivo funcionário,
Sr. Zózimo Lima. As senhoras eram nervosas e podiam ter uma crise de
consequências desagradáveis.
— Tá direito,
disse Lampião, mulher é bicho danado pra dar chilique.
E rumaram para
o cinema. Ali, o intendente Corrêa entrou logo no cinema e chamou o telegrafista
para apresentá-lo a Lampião. Este assomou logo na sala de projeções e foi
gritando — “não corram!” Foi um pânico medonho, indescritível! Os demais
companheiros foram entrando aos poucos.
O povo,
apavorado, não se mexeu mais. O operador em dois minutos quebrou mais de trinta
metros de fita. A música perdeu o compasso e os instrumentos começaram a
engasgar. Um grupo quis sair, mas Moderno, cunhado e secretário de Lampião,
gritou — “se saírem eu dou um tiro pra vocês verem como a coisa é boa”. Logo aí
Lampião ordenou ao telegrafista que não fosse mais à repartição sob pena de
responsabilidade. Mandou logo quatro companheiros esperar o trem, que chegaria
às 21 horas.
Estabelecida
confiança do povo que entrou logo de simpatizar com Lampião, que se mostrou
sobremodo atencioso, delicado, palestrador incansável, bem como os seus
companheiros, começou a população em peso cercar a horda temível. Mandou logo
que o intendente organizasse a lista das pessoas que deviam entrar com
dinheiro, exigindo, porém, quantia não inferior a vinte contos. O intendente
fez lhe ver a impossibilidade de arranjar aquela quantia, visto o comércio
estar exausto e estarmos sendo perseguidos por três anos de seca. Diante desta
ponderação Lampião respondeu — “É, major, eu também venho atravessando uma seca
de 14 anos. Arranje pelo menos uns seis contos”.
Depois de ter
comparecido à presença de Lampião, por exigência deste, o delegado de polícia,
foi-se tratar de arranjar, entre os negociantes e usineiros, a importância
exigida. Não se encontrou má vontade. Pudera! Lampião com aquela espetaculosa
indumentária, não é para brincadeira.
Conseguidos os
cinco contos e pico, o famanaz Moderno, por ordem do chefe, contou, emaçou e
guardou a bolada no mocó, que estava recheado de dinheiro.
E daí em
diante, pela noite adentro, as ruas em desusado movimento, Lampião e seu bando
percorriam as praças em automóveis, espalhando-se pelas ruas frequentadas pelo
meretrício, entrando em casas de bebidas para constantes libações.
Arvoredo,
Volta Seca (uma criança quase) e Ponto Fino contavam trágicas façanhas aos
grupos numerosos que os cercavam.
Visitaram as
casas dos ourives Alfredo Assis e Euclides Silva, onde fizeram compras de
jóias, pagando-as. Foram depois ao estabelecimento comercial de Jackson Alves,
adquirindo por 500$000 uma gabardine e um revólver. As compras efetuadas eram
pagas pelos preços estipulados, sem relutância por parte dos compradores. Todo
mundo queria ver, ouvir, dar dois dedos de prosa com o célebre campeador
nordestino e era imediatamente atendido com satisfação. Lampião, depois das 23
horas, foi ao telefone intermunicipal para falar diretamente com o chefe de
polícia, não se conseguindo, àquela hora, obter a comunicação desejada, apesar
da insistência da respectiva funcionária com as estações intermediárias,
dormindo àquelas horas. Pelo esforço da telefonista Lampião gratificou-a com
50$000.
Às 3 horas da
manhã, sempre acompanhado do povo, Lampião tocou reunir, com um apito
estridente. Pouco a pouco foram chegando os companheiros dispersos. Feito isso,
tomaram os automóveis e dirigiram-se ao povoado Pedras, onde se demoram pouco
tempo, seguindo rápido para Aquidabã, a cavalo, pois fizeram dali seguir os
autos para Dores.
A força que
chegou de Aracaju, de manhã, depois de ligeiras e indispensáveis preparativos
para combate, seguiu no encalço dos bandidos. Se não tomaram, da capital,
providências imediatas para a vinda, em tempo, da força, é claro, foi porque
todas as comunicações estavam interceptadas pelo bando sinistro.
Lampião, se
bem que inculto é, não resta dúvida, um sujeito arguto e inteligentíssimo.
Sejamos
imparciais e justos — os nossos últimos e indesejáveis visitantes, pelo trato
ameno, pela atenção e cordialidade, deixaram boa impressão ao público.
Essas
qualidades aqui exibidas pelos bandoleiros foram, não há negar, devido à
maneira porque, na situação em que nos encontrávamos, se portou o digno
intendente Antão Corrêa, desenvolvendo fina diplomacia para conter os impulsos
latentes que moram nos corações de gente de tal jaez. Não há exagero em se
afirmar, e disso todos estão gratos e cientes, que a tranquilidade pública
repousou na ação eficaz, ordenada e destemerosa do jovem prefeito que, por esse
gesto, mais conquistou as simpatias dos capelenses.
Afrontar um
bando aguerrido como o de Lampião, com quatro soldados, desmuniciados, porque o
complemento do mesmo tinha seguido para o sertão, dois dias antes, com o
tenente Elesbão de Brito, seria um sacrifício inútil.
O Sr. Antão
Corrêa embora sem a proteção da força, com as responsabilidades especiais do
seu cargo político e administrativo, alvo principal das vistas tigrinas do
bando trágico, sem saber a sorte que lhe aguardava, não atendeu a rogos de
parentes sentimentais, não poupou sacrifícios para salvar a cidade de um saque
provável, defender a honra da família capelense e seguiu, aventurosamente, para
negociar com o celerado a paz de que tanto ansiávamos.
Porque fosse
outro o Sr. Antão Corrêa, seguisse o exemplo de muito valiente que
conhecemos, teria Sua Senhoria, após receber o convite de Lampião, sem saber
das suas intenções, se metido no seu automóvel com a família e azulado por esse
mundo afora, deixando a cidade entregue à sanha do audaz e facinoroso grupo.
—
Não podemos,
também, deixar de elogiar a ação do cônego José Cabral, que muito nos auxiliou,
impondo-se, pela sua correção moral e seus conselhos, no meio do bando de
Lampião. Dois sequazes ao vê-lo, pediram-lhe a benção.
O cônego
desejou-lhes regeneração. Eles sorriram.
—
Lampião
mandou, por dois dos seus companheiros, buscar de automóvel o delegado, major
Pedro Rocha, que, no momento de sua chegada, se achava na estação esperando o
trem. Felicitou-o por conhecer mais um colega.
—
Gato foi
jantar na Pensão Cabral. Interrogado pela proprietária sobre se era verdade não
suportarem as mulheres, teve como resposta: — “Não gostamos das mulheres
fuxiqueiras”.
—
Interrogado
Lampião pelo autor destas notas se não pretendia deixar a vida que levava, teve
como resposta: — “Qual moço, não há mais jeito. Deixe lá que a vida do cangaço
é bem divertida”.
—
Ao Dr. Ozório
Ribeiro disse Arvoredo que só tinha dois amigos: a Providência e o seu fuzil.
—
Conhecido
diretor de importante repartição federal, que se encontrava na estação férrea,
ao saber que Lampião tinha entrado na cidade, foi para a casa com as calças
“pesadas”, infeccionando as ruas, fazendo os transeuntes, raros, levarem o
lenço ao nariz.
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Lampião e
Zozimo
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