Por João de Sousa Lima
Aldiro, João de Sousa Lima, e Lira na Fazenda Craunã, Tingui
OS RASTROS DO CANGAÇO NO TINGUI.
“A VIOLÊNCIA
TANTO CANGACEIRA QUANTO POLICIAL DEIXOU MARCAS PROFUNDAS”.
O cangaço deixou marcas profundas nos povoados Tingui, Cachoeirinha, Riacho
Seco e Alto dos Coelhos, em Água Branca, Alagoas. Desde a entrada no cangaço de
Manuel Maurício dos Santos, o cangaceiro “Barra Nova”, que teve sua família
espancada pela volante policial comandada por Zé Joaquim, até as mortes de
inocentes realizadas por cangaceiros, tendo por pretexto apenas o interesse de
algum vizinho de roçado que fazia intrigas por coisas banais, como no caso de
uma cerca arrombada por animais, um mourão avançado em alguns centímetros de
terra, a água de um poço ou barreiro particular ou pela inveja de ver os
animais do vizinho se reproduzindo e com o curral abarrotado, tudo era pretexto
para desavenças, porém uma das principais causas envolvia namoros, traições e a
honra de uma virgem seduzida.
Tudo isso era
motivo de fuxico e o fuxico foi uma peste que assolou o Sertão na época do
cangaço; Muitas mortes aconteceram motivadas pelo fuxico, conversas muitas
vezes infundadas, inventadas por desafetos apenas para prejudicar seus
inimigos.
Lampião teve vários coiteiros e intermediários na região do Tingui,
Cachoeirinha, Riacho Seco e no Alto dos Coelhos, como João Rodrigues de
Oliveira “Joãozinho Pedrão”, tropeiro dono da fazenda Zuleiros; os irmãos Belo
Salú e Miguel Salú (que depois entrou pro cangaço) Cazuza, Zé Lucas, Louzinho
Coelho, Sebastião Vieira Sandes “Santo” (que foi cangaceiro e volante, estava
no ataque a Grota do Angico, quando Lampião morreu), Ozório, Antonio Zezé,
Ernesto e Nicolau, que era casado com Lídia Gomes.
Mesmo tendo grandes coiteiros nessa região alagoana os cangaceiros atacaram no
Tingui, a casa do senhor Lulú e não encontrando o patriarca da família
carregaram Manuel “Neco” Lulú e o levaram até a casa de Antonio Xavier de
Carvalho. Na casa de “Xavier” Lampião amarrou Neco Lulú, pendurou no esteio da
casa e exigiu dinheiro. O velho Lulú chegando em casa soube que os cangaceiros
haviam carregado seu filho Neco Lulú e pegou um facão e foi resgatar o
filho. Na casa do velho Xavier, Lulú falou com Lampião e o cangaceiro disse que
só libertaria Neco por dinheiro e Lulú mandou um portador ir até Água Branca
buscar emprestado o valor solicitado e quando o portador retornou que o
dinheiro foi pago Neo Lulú foi liberado.
Lateral a casa
de Xavier, seu filho Abílio Xavier tinha um armazém e os cangaceiros seguiram
pra lá onde encontraram um comerciante de Mata Grande que estava em um caminhão
negociando peles e algodão; Os cangaceiros pegaram o caminhão e inventaram de
dirigi-lo e saíram da rota apertada e entraram com veículo no mato, batendo em
árvores, tocos e pedras danificando o automóvel que foi logo abandonado.
Na fazenda Craunã residia o casal Joaquim Antonio de “Oliveira” e Joana Sandes
de Oliveira e os filhos José (Duquinha), Manuel, Alcidor, Gonçalo, Natalício,
Joaquim, Adecir e Maria.
Joana estava
grávida de José.
No passado Joaquim havia namorado com Lídia Gomes e depois acabou casando com
Joana, porém Lídia nunca esqueceu essa desfeita e mesmo casada com Nicolau restou
essa rixa.
Lampião pediu um dinheiro a Oliveira, o coiteiro que foi levar o recado de
Lampião foi Antonio Zezé. Chegando a fazenda Craunã Antonio entregou o bilhete
com a solicitação de Lampião e Oliveira disse que estava sem dinheiro e pediu pra
ele ir buscar depois. Oliveira vendeu uma vaca, juntou um dinheiro totalizando
a quantia solicitada por Lampião, comprou uns cigarros e entregou a Antonio
Zezé, fazendo o seguinte comentário:
- É duro
trabalhar pra dar a quem não trabalha!
Antonio
Zezé entregou o dinheiro e os cigarros a Lampião que estava acoitado nas
proximidades. Os cangaceiros estavam bebendo e jogando baralho. Lampião começou
enaltecendo Oliveira, falando das qualidades dele e dizendo que era um bom
rapaz.
Antonio Zezé
ouviu calado o comentário de Lampião e depois comentou com Nicolau que Oliveira
tinha dito que era duro trabalhar e dar a quem não trabalha.
Nicolau já
tinha ciúmes por sua esposa ter namorado com Oliveira e também havia tido uma
discussão por causa da água de um açude que pertencia a Oliveira. Nicolau
aproveitou a ocasião e desabafou:
- É
capitão o senhor diz que oliveira é isso e aquilo mais ele falou que era
duro trabalhar e dar pra quem não trabalhava.
Os cangaceiros
todos entregues a cachaça, Lampião enfurecido com o comentário pegou as notas e
as espetou nos espinhos de um mandacaru e ordenou que ninguém pegasse o
dinheiro.
D
ia 02 de
novembro de 1932, um dia de finados, na fazenda Craunã, a família no alpendre,
Oliveira estava com a pequenininha Maria em seu colo e cantando músicas
fúnebres; Lampião chegou com mais dois cangaceiros; A aflição tomou conta da
família; O casal com os filhos pequenos ficaram frente ao terror.
Oliveira pediu
pra Lampião matá-lo, mais que deixasse seus filhos em paz. Nesse momento foi
chegando os filhos José “Duquinha” (com 17 anos) e Manuel (com 15 anos);
Lampião pegou a “Mauser” e atirou em Oliveira, depois matou Duquinha e Manuel.
Os filhos pequenos viram a triste cena. Lampião fez Joana beber cachaça
forçadamente. De repente chegou Belo Salú que havia ouvido os tiros. Belo era
irmão do cangaceiro Miguel Salú, e pediu pra que Lampião não fizesse mais nada
com a família. Lampião disse que o filho mais velho, chamado Alcidor “Cidô”,
teria que morrer, pra que não viesse depois vingar a morte da família. Belo Salú
insistiu pra que o cangaceiro não fizesse mais nada, pois Cidô era o mais velho
e era quem iria cuidar da família. Lampião atendeu Salú, reuniu os comparsas e
ordenou pra que o pequeno Gonçalo Joaquim de Oliveira fosse buscar uns animais
na roça para que eles fossem embora; Gonçalo pegou os animais e trouxe para o
algoz de sua família; Lampião e os cangaceiros montaram e foram embora.
Naquela
manhã de finados restou a dor, o sangue jorrado na terra sagrada, o dia de
finados perpetuado na música fúnebre, na visão horripilante que a morte deixou
pelas armas de homens perversos e impiedosos.
Hoje, domingo,
dia 27 de abril de 2014, eu, Neli Conceição, Josué Santana e Antonio Lira,
tendo a ajuda de Aldiro e Paulo Soares de Oliveira, visitamos a casa da
fazenda Craunã e vimos a capela onde Oliveira, Duquinha e Manuel foram
enterrados; três cruzes lembram as três vítimas. Ouvimos os lamentos dos irmãos
Gonçalo e Maria, hoje aos 88 e 85 anos de idade, figuras caladas, conversa
pouca, dores eternas.
A casa da
fazenda encontra-se fechada, suas terras servem para a família plantar e
colher, há algo de triste neste chão, mesmo com o verde apontando e a
chuva caindo, uma dor paira no ar, vento gelado açoita as paredes do casarão e
da capela, chuva fina molha, enxágua, faz a semente adormecida florescer,
florir, mais a tristeza impera, como mágoa que macula a terra em veios
permanentes que absorveram sangues de inocentes almas, ensopadas frestas de
areias que não cicatrizam as dores de uma família marcada por grande tragédia e
nem o tempo é capaz de sarar as feridas do coração que sentiu a dor.......
João de Sousa
Lima
Historiador e
Escritor
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