Por Nataly Mendonça (Estudante de Direito)
Uma análise
sobre a nova obra
O VOLTA SECA
QUE JORGE AMADO NÃO CONHECIA
“Vou guardar,
no dia que eu saí daqui desse xilindró vô atráis desse tar iscritô mintiroso e
vô fazê ele inguli todin, tô com a pinimpa no côro agora.” (Volta Seca ao
descobrir que Jorge Amado usou sua identidade para criar um personagem.)
Nos meus
tempos de Ensino Médio, ao ler Capitães da Areia, senti certa empatia em
relação ao personagem da trama cujo padrinho era Lampião. Ao término da
leitura, acabei esquecendo o assunto. Tempos depois, lá para meados de 2015,
descubro que o menino cangaceiro realmente existiu e que ainda por cima tinha
sangue sergipano. Foi o suficiente para atiçar minha curiosidade. Na época, o
autor Robério Santos (ele quem me apresentou ao Volta Seca real) me contou
superficialmente a história do cangaceirinho e disse que em breve lançaria um
livro sobre ele. Desde então, vinha aguardando ansiosamente para ter este tal
livro em mãos, que, apesar de ter guardada uma cópia em PDF, esperei para poder
folheá-lo e sentir aquele cheirinho típico de livro novo.
As quatro
vidas de Volta Seca é uma leitura extremamente deliciosa. Sua narrativa é
diferenciada, montada de forma “romanceada”, incluindo falas e descrições de
cenários, as quais possibilitam que o leitor imagine toda a situação. Se não
fosse a árdua pesquisa por trás da construção desta biografia, o livro poderia
facilmente ser considerado uma obra de ficção. No entanto, cada fato narrado
ali aconteceu e, enquanto lia, ficava imaginando o minucioso trabalho de
coletar, filtrar, selecionar e organizar todas as informações sobre Antônio dos
Santos, o menino cangaceiro. Um verdadeiro quebra cabeças. Vale ressaltar que o
livro possui uma iconografia superinteressante, que ajuda a ilustrar a trama e
enriquece ainda mais a experiência de leitura.
O livro está
dividido em quatro “encarnações”; a primeira, narrando sua infância, que não
foi muito diferente das demais crianças nordestinas que viveram no sertão.
Particularmente, foi minha parte preferida do livro, talvez por reconhecer nas
narrativas situações que meus avós e pais vivenciaram em certo momento da vida.
É emocionante, além de ser uma boa fonte antropológica. A segunda encarnação se
dá início quando Antônio dos Santos entra para o bando de Lampião e se
transforma em Volta Seca. Vemos, nessa parte, como era o dia-a-dia nômade da
vida dos cangaceiros e alguns dos eventos mais chocantes envolvendo estes, como
a chacina em Queimadas, na Bahia, em 1929. A fase do cangaço é a mais chocante,
nela vemos uma criança que, ao ser exposta ao determinismo do meio, perde sua
inocência e se vê fazendo parte do banditismo.
A terceira
parte do livro enfoca a longa passagem de Volta Seca pela cadeia, o qual foi
preso aos treze anos de idade e condenado injustamente a 145 anos de prisão.
Nesta encarnação vemos o menino amadurecer físico e mentalmente atrás das
grades, suas fugas e também a exploração midiática intensa sofrida por ele
enquanto preso. Um detalhe enriquecedor do livro nesta parte são as entrevistas
de diversos jornais que foram incluídas. Nelas, fica bem claro o quanto a mídia
distorcia, aumentava fatos e inventava mentiras, as quais, na maioria das
vezes, denegriam a imagem do menino cangaceiro. A quarta e última parte narra a
vida de Volta Seca a partir de quando ele consegue sua tão sonhada liberdade,
após cumprir vinte anos de cárcere e ter sua pena reduzida. Ele abandona seu
apelido de cangaceiro e volta a ser Antônio dos Santos, um homem que compôs
música, se envolveu com cinema, teve muitos filhos, trabalhou honestamente e
terminou sua vida de forma simples e pacata.
Em suma, as
quatro vidas de Volta Seca é um livro que desperta o interesse de vários
públicos. Um adolescente terá uma boa história para ler, um historiador, uma
bela fonte sobre o fenômeno do cangaço, um antropólogo com certeza poderá fazer
uma análise da vida nordestina, um jurista terá em mãos um caso em que o
direito foi mal aplicado, um sociólogo analisará o determinismo. Enfim, uma
obra de qualidade, perfeita para presentear inúmeros públicos, que, após
terminarem a leitura, provavelmente ficarão tão encantados pelo tema quanto eu.
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