Vicente Landim
de Macedo em Palestra sobre sua Vó Marica Macedo no Cariri Cangaço em Aurora
Meu pai me
dizia que minha avó, sempre atenta ao bom relacionamento dos filhos, procurava
prevenir qualquer desavença entre eles. Certa vez, toda a família se
preparava para ir a cavalo às festas de fim de ano em Aurora. Cada filho,
como era de se esperar, desejava escolher o melhor animal. A fim de evitar
discórdias, vó Marica, em sua inata sabedoria de sertaneja, decidiu que, à
medida que cada filho fosse acordando, poderia escolher o cavalo desejado.
Alguns filhos foram dormir cedo. Outros, querendo ser mais espertos,
tentaram ficar acordados até o amanhecer, mas não conseguiram. Os que se
deitaram mais cedo acordaram primeiro e escolheram os melhores animais.Tudo foi
resolvido em paz.
Passo agora a
falar da atuação de minha avó Marica na política de Aurora. A política do
coronelismo dominante, naquela época, no Cariri, sul do Ceará, não foi exercida
somente por homens, mas também por mulheres que assumiram a condição de chefe
político em suas regiões, enfrentando o poder policial, político e social de
alguns coronéis, derrubando intendentes municipais (prefeitos) e políticos
locais. Entre aquelas mulheres, destacam-se: dona Generosa Amélia da Cruz,
em Santana do Cariri; dona Fideralina Augusto Lima, em Lavras da Mangabeira e
Maria da Soledade Landim, vó Marica, no município de Aurora.
No início da
primeira década de 1900, as famílias Leite, Gonçalves, Macêdo e Landim
dominavam a política de Aurora, de comum acordo com o Presidente do
Estado. Na época, era Intendente Municipal e Coletor de Aurora Antônio
Leite de Oliveira e um dos chefes políticos o Coronel Antônio Leite Teixeira
Neto, conhecido como Totonho Leite ou Totonho de Monte Alegre, ambos parentes
próximos dos meus avós. Seguindo o exemplo de vários outros municípios do
Ceará, o Coronel Totonho resolveu destituir Antônio Leite de Oliveira e assumir
a Intendência municipal de Aurora. Para conseguir seu intento, Coronel
Totonho solicitou o apoio de minha avó e filhos, mas ela não concordou com tal
procedimento e determinou aos filhos que não apoiassem a atitude do Coronel
Totonho, sogro de sua filha Joana da Soledade Landim (Joaninha).
Caravana
Cariri Cangaço em visita ao Tipi em Aurora: 2013.
Alegou vó Marica que o então Intendente de Aurora, Antônio Leite de Oliveira, estava fazendo uma boa administração, não vendo ela motivos para destituí-lo das funções que ocupava. Além do mais, ele, como o Coronel Totonho, também era seu parente. Observem como vó Marica, com seu temperamento forte e decisivo agia em defesa daqueles que ela entendia que estavam agindo corretamente. Antônio Leite de Oliveira foi destituído do cargo de Intendente de Aurora, sendo substituído pelo Coronel Totonho Leite Teixeira Neto. Em razão desse acontecimento, passaram a existir rivalidades entre as famílias Leite e Gonçalves, partidárias do Coronel Totonho, e as dos Macêdos, Paulinos, Ribeiros Campos e Santos, correligionários de vó Marica e amigos do Coronel Domingos Leite Furtado, chefe político de Milagres, e do Major José Inácio, do Barro.
Em
consequência dessas discórdias e das divergências de limites de algumas
propriedades, na região do Coxá, próxima ao Taveira, terras valorizadas pela
existência de minas de cobre, ocorreram graves perseguições das autoridades
municipais de Aurora aos seus adversários políticos.O grupo que apoiava o
procedimento do novo Intendente de Aurora resolveu invadir a propriedade de vó
Marica, no Tipi, e o Taveira, onde residia o Capitão José dos Santos e ali
estavam asilados os Paulinos, fugitivos das autoridades aurorenses que queriam
prendê-los. A ascendência de vó Marica sobre seus familiares e
correligionários era muito forte, como se observa no seguinte acontecimento.
Vicente Leite
de Macêdo, filho do Coronel Totonho, soube que seu pai e correligionários
planejavam a invasão do Tipi e do Taveira. Imediatamente, enviou ao Tipi
sua mulher Joaninha, filha de Marica, para avisá-la de que sua propriedade
seria invadida pela força policial de Aurora, reforçada por soldados
provenientes de Iguatu e Lavras da Mangabeira, formando um contingente de mais
de 60 homens. Vó Marica contava somente com 20 homens, entre filhos, o
irmão Amâncio e empregados de sua confiança, para reagir ao iminente assédio à
sua propriedade. Excelente estrategista resolveu partir
imediatamente para o Brejão, no Cariri, onde teria o apoio de seus parentes.
Ângelo Osmiro,
Vicente Landim Macedo, Aderbal Nogueira e Manoel Severo
Prontamente, de acordo com seu irmão Amâncio, arrearam os animais e seguiram viagem. Vó Marica montada em seu cavalo alazão, com o inseparável bacamarte a tiracolo, seguia na frente. Foram pelo caminho mais seguro e rápido, que era pelo Taveira, mas, em face do cansaço de todos e da hora avançada, tiveram que pernoitar na casa do Capitão José dos Santos, pois ainda faltavam muitos quilômetros para chegarem ao Brejão. Após se acomodarem, na noite do dia 16 de dezembro de 1908, por volta das três horas da madrugada do dia seguinte, 17 de dezembro, a casa onde estavam foi atacada pela força policial composta por 67 soldados, comandada pelo Tenente Florêncio, orientado por Manuel Gonçalves Ferreira, Primeiro Suplente de Juiz, e Róseo Torquato Gonçalves, Delegado de Aurora, auxiliares diretos do Coronel Totonho, travando-se pesado tiroteio até às oito horas da manhã, quando os atacantes se retiraram, deixando morto o jovem José Antônio de Macêdo (Cazuza), com 14 anos, o 5º filho de vó Marica, e ferido o dono da casa, Capitão José dos Santos.
Vó Marica, com
sua personalidade muito forte, mesmo diante do trágico acontecimento, morte de
seu filho, não se entregou, reagiu com coragem, própria de um verdadeiro
comandante no campo de batalha, pois, quando viu o corpo do filho caído no
chão, indagou: “Ele está vivo?” Com a resposta negativa, disse: “Encostem o
cadáver no pé da parede, bala na agulha. Vamos brigar! Ele já está morto. Vamos
defender os vivos”. A casa do Capitão José dos Santos foi atacada porque
os enviados do Coronel Totonho pretendiam prender os Paulinos, que ali estavam
escondidos, e, certamente, humilhar Marica Macêdo e seus familiares, os
Ribeiros Campos, os Santos e o grande amigo, o Coronel Domingos Leite
Furtado, chefe político de Milagres.
Estrada que liga Aurora ao Coxá
Na manhã do
dia 17, a notícia se espalhou. De imediato, chegaram para apoiar vó Marica
e seus amigos, o Coronel Domingos Leite Furtado, de Milagres, e o Major José
Inácio, do Barro, Antes de seguir viagem para o Brejão, com o apoio dos
correligionários e amigos, vó Marica enterrou seu filho Cazuza no cemitério de
Boa Esperança, atual Iara. Apesar da aparente frieza de minha avó, na
atitude por ocasião da morte de seu filho, ela sofreu muito pelo acontecido,
pois minha mãe contou-me várias vezes que vó Marica afirmava sempre que a maior
dor que pode acontecer a uma mãe é a morte de um filho e ela sempre rezava
pedindo a Deus que nunca mais a deixasse passar por igual tragédia. Ela
foi atendida em suas preces, como iremos constatar quando falarmos da sua
morte.
Minha avó
continuou sua viagem para o Cariri, onde recebeu apoio de seus parentes Coronel
Antônio Joaquim de Santana, de Missão Velha, Coronel Raimundo Macêdo (Joca do
Brejão), de Barbalha, e de vários outros chefes políticos da
região. Imediatamente, os chefes políticos que apoiaram vó Marica
telegrafaram ao Presidente do Estado, solicitando que determinasse a imediata
volta dos policiais que tinham vindo das cidades de Iguatu e Lavras da
Mangabeira, para reforçar o contingente de Aurora, composto apenas por 6
soldados. Pois eles iam invadir Aurora. O Comendador Antônio Pinto
Nogueira Acioli, Presidente do Estado, rapidamente atendeu aos citados coronéis
e determinou que a força policial regressasse às cidades de origem.
Major Zé
Inácio do Barro
Os amigos de vó Marica reuniram um contingente de 600 homens armados que, sob o comando do Major José Inácio de Souza, do Barro, no dia 23 de dezembro, seguiu para Aurora com o objetivo de destituir da função de Intendente do município o Coronel Totonho Leite e seus correligionários dos demais cargos que ocupavam na administração da cidade. Os objetivos foram alcançados após seis horas de tiroteio. Infelizmente, como costuma acontecer com grande número de pessoas, os homens comandados pelo Major José Inácio não se restringiram somente a destituir o Coronel Totonho Leite e aliados das funções que exerciam em Aurora, eles exorbitaram de sua missão, praticando arbitrariedades e saqueando casas comerciais e fazendas.
Continua...
Vicente Landim Macedo
Parte de Conferência do Cariri Cangaço 2013 em Aurora
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2014/01/vo-marica-do-tipi-parte-2-porvicente.html
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