Por Leonardo Gominho... (pesquisador/escritor)
...
Horácio Cavalcanti de Albuquerque, filho de Manoel Cavalcanti de Albuquerque
(Dé - AFN, Ttn 84), nasceu em 23.08.1891. Foi, na vila de Floresta, aluno do
velho professor Trindade, em 1901. Fortunato de Sá Gominho (Siato), seu colega
de escola, recordou: “tivemos a oportunidade de nos submeter por mais de uma
vez às boas sabatinas, com perguntas e respostas recíprocas e com palmatórias
em nossas mãos, nos dias de sexta-feira. Enquanto eu, felizmente, sempre
consegui sair das mesmas vitorioso, plenamente livre da palmatória indesejável,
Horácio tinha grandes e boas mãos que bem suportavam a ação da festejada
palmatória”.
Membro de uma
das mais tradicionais, ilustres e honradas famílias de Floresta, Horácio foi,
entretanto, uma ovelha desgarrada. Denunciado como implicado em furtos de
animais, foi, segundo Billy Jaynes Chandler (Lampião, o rei dos cangaceiros, p.
92), “condenado ‘in absentia’, no meado de 1925”. Passou a integrar o grupo de
Lampião. Diz Chandler: “Este acontecimento iria trazer terríveis conseqüências
para a família Gilo, de Floresta, pois um de seus membros, Manoel, estava entre
os que tinham acusado Horácio de roubo de cavalos.
Pouco antes do
seu julgamento, Horácio e dois cangaceiros apareceram uma madrugada na fazenda
Tapera, em Floresta, onde moravam os Gilo, e, depois de acordar todos que lá
estavam, procuraram por Manoel por toda a casa, dizendo que iam matá-lo. Não o
encontrando, ameaçaram matar seu pai, Donato, mas foram embora sem o fazer.”
Horácio tramou
então uma das mais sangrentas chacinas verificadas naqueles tempos. É ainda
Billy Chandler quem diz que chegou às mãos de Lampião uma carta, feita “como se
fosse pelos Gilo, mas escrita pela mulher de Horácio”. Não só insultava como
punha em dúvida a coragem do bandido. Aquilo era demais para Virgulino.
Sentindo-se
ameaçado, Manoel de Gilo, temeroso, levou sua inquietação ao conhecimento do
capitão Muniz de Farias, comandante de uma grande força volante estacionada em
Floresta. Esclarece João Gomes de Lira (obra citada, p. 317) que o capitão
aconselhou a Manoel de Gilo, “junto a toda a família, armarem-se na fazenda
Tapera e aguardarem a vinda dos bandidos.” Assim, no momento de um ataque,
“podia ficar Manoel de Gilo despreocupado, pois a Força daria retaguarda.” E
Manoel voltou tranqüilo a sua fazenda.
Na madrugada
de um sábado, dia 28 de agosto de 1926 (alguns autores, erradamente, indicam
esse dia como sendo 26 de agosto), ainda turva a noite, “a barra ainda longe”,
Lampião iniciou a execução do seu plano para massacrar os moradores da Tapera.
Ao seu lado, Horácio Cavalcanti de Albuquerque. Batem à porta dos vizinhos de
Gilo, prendendo todos. Amarradas as mãos atrás das costas, foram conduzidos a
uma quixabeira que ficava perto da casa, sendo ali vigiados severamente.
Conta Malta
Neto (Memórias de um cobrador de impostos, p. 93) que então “Lampião cercou a
casa cuidadosamente, tomando os pontos aconselhados pela prudência e disparou
alguns tiros para o ar, para despertar seus inimigos, pois sabia todos presos
numa armadilha mortal, inteiramente a sua mercê”.
A resposta dos
Gilo não se fez esperar. O tempo se fechou. Cerca de 40 cangaceiros disparavam
sobre a casa de taipa; os demais tomavam a estrada que levava a Floresta,
aprisionando os feirantes que para ali se dirigiam, ou se posicionavam à espera
da força que esperavam vir da cidade em socorro aos atacados. Não queriam
surpresas.
A notícia do
ataque, entretanto, chegou a Floresta. Diz João Gomes de Lira que o capitão
Muniz de Farias, “sem saber o que fazer, corria de um lado para o outro sem
tomar nenhuma resolução”.
“As famílias da cidade de Floresta, penalizadas e compadecidas com a situação,
dirigiam-se ao capitão pedindo que fosse socorrer aquela gente”. “O capitão
mandava tocar reunir e logo mandava tocar debandar.”
O jovem anspeçada Manuel Neto fazia parte da força do capitão Muniz. Com o
braço na tipóia, ainda sentindo o ferimento recebido na Caraíba, insistia com o
superior, pedindo-lhe uma tropa para socorrer os Gilo. O capitão discordava.
Alegava que não poderia deixar a cidade desguarnecida.
Manuel Neto
insistia: se 10 homens o acompanhassem, iria por conta própria lutar com o
grupo de cangaceiros, que sabia dispor de mais de cem bandidos. Passaram para o
seu lado dez policiais.
Nesse momento ainda interferiu João Gominho Filho, amigo de Farias. Pediu-lhe
que “o auxílio fosse melhorado suficientemente, de vez que tínhamos força
bastante e não iria fazer falta à nossa cidade uma pequena tropa”, conta Siato
(Memórias). Não foi atendido.
O anspeçada
não mais esperou. Seguiu correndo, acompanhado dos companheiros, em direção à
Tapera, distante cerca de duas léguas. Conta Malta Neto (obra citada) que
Manuel Neto, a uns três quilômetros do campo da luta, “dispôs seus homens em
três grupos, caminhando por dentro do mato, com cautela, para evitar as
desagradáveis surpresas que Lampião sabia tão bem armar, e que ele, Manuel
Neto, conhecia tão bem pelas longas batalhas que havia travado com o bandido.
Nem por isso
deixou de ser surpreendido”. Foi atacado de repente, quando ainda não esperava.
A luta que se seguiu foi furiosa e cruel. Os bandidos procuravam envolver a
pequena força. Balas caíam “como pingos de chuva”, seguindo-se um combate de
cerca de duas horas. João Ferreira de Paula, soldado, tombou varado por balas,
quase aos pés de Manuel Neto.
Vendo a
munição se acabar, o anspeçada, pesaroso e amargurado, teve de abandonar o
infernal fogo. Devido aos movimentos bruscos, sangrava-lhe o ferimento do
braço. Ficava, assim, toda a família Gilo à mercê de Horácio e de Lampião. Diz
Malta Neto que a taipa da casa foi cedendo aos poucos, “ficando os varais nus,
sem a proteção do barro, até o extremo de não restar mais nenhuma argamassa
para proteger os lutadores presos na armadilha da morte.”
Billy Chandler
(obra citada, p. 93) esclarece que, por volta das 10 horas (o fogo se iniciara
às 4 horas), cessaram os tiros dentro da casa. O mais velho dos Gilo - o único
homem ainda vivo, na casa - saiu ou foi arrastado. “Lampião puxou do bolso a
carta que ele acreditava ser do homem à sua frente, e começou a lê-la.
Gilo protestou
e negou a autoria, acrescentando que não sabia ler nem escrever. Lampião,
conforme dizem, estava propenso a acreditar na sua inocência, quando Horácio,
que estava perto, levantou a pistola, atirou e matou seu inimigo. Ao todo
morreram 12 pessoas na fazenda Tapera naquele dia, e, conforme disseram as
testemunhas, os corpos estavam espalhados por toda a casa. Das 12 pessoas
presentes, só não morreu a mulher de Gilo”. Acrescenta também que morreu uma
pessoa que tinha sido detida na estrada, além do soldado. Dos Gilo, morreram
Manoel, dois de seus irmãos, seu pai e diversos outros parentes. A tragédia foi
total.
Conta Siato
que, depois de tudo consumado, “chegou ainda ali o capitão Muniz de Farias, com
maior contingente de força, mas nada mais fez a não ser, após informado da
situação, regressar para Floresta, deixando de seguir no encalço do grupo, como
desejava e pedia o bravo e destemido anspeçada Manuel Neto.”
...
Fotos: pescadas no Google para enriquecer a matéria, acima..
A foto de Horácio encontra-se no excelente livro "As cruzes do
cangaço..." de Marcos e Cristiano...)
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=764181713783805&set=gm.738820972993516&type=3&theater&ifg=1
http://blogdomendesemendes.blogspot.com