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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

OS ETERNOS MISTÉRIOS DE ANGICO PARTE I

 Por Capitão Bonessi

Alfredo Bonessi

A presente postagem é resultado de espetacular entrevista feita pela pesquisadora Juliana Ischiara com o confrade Alfredo Bonessi.
Carissíma Juliana;

Todas as respostas as suas perguntas serão de minha parte “possivelmente” – não temos como afirmar com precisão o que realmente aconteceu na madrugada de 28 de julho de 1938, na Grota de Angicos – Sergipe, onde foram mortos 11 cangaceiros pela tropa volante comandada pelo Tenente João Bezerra da Força Alagoana. Quem estava lá e quem esteve lá, deixou de esclarecer a pura verdade - aquilo que hoje interessa a todos nós. Temos ainda um volante vivo e dois cangaceiros vivos (acredito) – os cangaceiros somente contarão a versão deles, onde estavam no momento do ataque, o que eles fizeram para escapar do tiroteio, depois aonde aconteceu a reunião do grupo qual foi lugar, o rumo que cada um tomou depois dessa reunião e nada mais.

Capitão Alfredo Bonessi e esposa, em Barbalha, quarto dia de Cariri Cangaço

Ainda sobre o bando do qual pertenciam, se lembrarem de alguma coisa, poderão comentar. Mas Lampião nunca revelava, por questão de segurança interna do grupo, os segredos que se foram com ele. Com a morte do chefe, aquela forma de Cangaço se extinguiu. Restaram, na ocasião, os grupos de Corisco e Dada, que não conseguiram levar a diante a forma de cangaço que Lampião manteve no sertão por mais de 20 anos e outros. Com a morte de Corisco, Dada revelou muito pouco a quem se interessou em saber alguma coisa sobre o grupo de cangaceiros, ou não foi perguntada, escondeu verdades com receio de ser envolvida com a justiça ou mesmo para não envolver as pessoas que estavam ligadas ao cangaço. De igual forma Balão, Zé Sereno, Vinte e Cinco e muitos outros que sobreviveram Angicos, não contaram os seus crimes por receio de serem presos, ou mesmo de serem mortos por aqueles que antes apoiavam de uma forma ou de outra os grupos de cangaceiros. Hoje se analisa esses depoimentos e salta aos olhos as contradições de ambas as partes, tanto de cangaceiros, como de volantes, bem como daqueles que foram os responsáveis pelo sucesso do ataque policial a Grota de Angicos.

1. Quais armas foram usadas em 28 de julho de 38 em Angico?

As armas que foram usadas foram o fuzil mauser modelo 1898, 1908, Metralhadora Bergman 24, 32, possivelmente a winchester 44.40, facas, facões e punhais. Ambas as partes em confronto portavam revólveres em calibres variando do 32 ao 44 e pistolas Luger 7,65, 9mm. As Armas que entraram em combate na Grota naquela madrugada de 28 de julho de 1938, fizeram parte da listagem das armas objeto da nossa palestra no Cariri Cangaço II. Por exclusão, possivelmente não tomaram parte na luta, a metralhadora Hotkiss (beijo quente), o bacamarte, o fuzil chuchu, o manlicher, a conblain.

Fusil Mauser 1898

Metralhadora Bergman

2. O primeiro tiro, partiu de que tipo de arma? Qual o alcance do projétil e em que distancia se podia ouvir o estampido?

Possivelmente de um fuzil mauser, calibre 7 mm de um volante. Declino o ano da arma. O soldado errou o tiro no Cangaceiro Amoroso, imaginamos ser em distância de menos de 5 metros, e com certeza não deu somente um tiro, deu vários, de igual maneira todo o grupo de soldados, depois do primeiro tiro, abriu fogo nutrido em cima de Amoroso, que saiu em desabalada carreira. Amoroso morreu anos depois de maneira trágica. O alcance do projétil dessa arma é para 2400 metros. Para atirar em um homem isolado seu alcance de precisão é de 600 metros. E para um grupo de homens é de 1200 metros. O tiro de combate em um confronto bélico é de 300 metros. A velocidade da bala é de 700m/s e a força do projétil na boca do cano é de 300 Kg ( seis sacos de cimento).

O som derivado do estampido da arma pode ser ouvido em variadas distâncias, dependendo do fator local, aí incluindo temperatura, velocidade do vento, pressão atmosférica e naturalmente o estado de concentração e de saúde do ouvido de quem houve. Normalmente o som do estampido pode ser ouvido entre 1,5 Km até 3 Km de distancia.

3.Na sua opinião, independente de Amoroso ter sido atingido há 50 ou 100 metros do restante do grupo, daria para se ouvir o som do tiro?

Sim. Amoroso estava aproximadamente a 80 metros de distância de Lampião e a 60 metros de Maria Bonita. Ocorre que após este tiro a tropa (28 homens) atirou nos alvos previamente estabelecidos. O soldado Noratinho estava com Lampião na mira de sua arma e Maria Bonita estava correndo quando recebeu um tiro nas costas, bala que saiu pela frente. Caiu, levantou e saiu correndo novamente quando recebeu um outro tiro a curta distância, de lado, no ventre, indo cair próximo a Lampião. Em um combate os estrategistas se utilizam destas condicionantes para um ataque em que se visa alcançar sucesso, com menos perda possíveis: cerco - surpresa - velocidade e força. Quem cai nessa armadilha dificilmente vencerá uma luta. Nisso João Bezerra foi perfeito.

Além do mais o ataque foi ao amanhecer, quando os cangaceiros estavam se levantando, se espreguiçando, ou fazendo suas necessidades, a sua higiene. Uma pessoa nessas circunstancias está sonolenta, sem reflexos, seus sentidos ainda não estão alertas, tempo depois de acordar e levantar e aos poucos é vão entrando na realidade da vida que o cercam, para bem depois tomar um café, fumar um cigarro, bater um dedo de prosa com alguém ou com o grupo, tratar sobre as atividades para aquele dia, quais sejam remendar o equipamento, desmontar e lubrificar o armamento, afiar facas, tratar algum ferimento, realizar o asseio corporal, tomar um banho, e até mesmo voltar a dormir por debaixo de uma fresca ramada. Mas se ainda estiver dormindo e entrar na bala, será um Deus-nos-acuda.

Juliana Ischiara e Alcino Alves Costa

4.A volante levou muitas armas, me refiro ao peso das mesmas, dada a circunstâncias, levando-se em consideração a distancia e as condições geográficas, no caso muito íngreme?

A polícia levava o equipamento de costume que não era pesado, uma vez que o soldado saía para uma operação e depois de poucos dias retornava para sede. Bem diferente do Cangaceiro cujo equipamento necessário pesava bem mais que 24 Kg, (no mínimo). No dia 27 de julho, a noitinha, os soldados não sabiam para onde iam e nem quem iriam combater. Ficaram sabendo horas antes do combate quando já deslocavam para a Grota que o ataque seria contra Lampião. Essa medida foi adotada pelos oficiais como medida de segurança, para evitar que a operação chegasse aos ouvidos de Lampião. Se o deslocamento da polícia fosse de dia e nas vistas de pessoas de Piranhas e ao longo do rio, com certeza Lampião seria avisado a tempo. Após o combate João Bezerra foi conduzido ao porto por dois homens, uma vez que estava ferido e mesmo por segurança uma vez que os Cangaceiros estavam espalhados por todos os lados. O restante, 45 homens, trouxeram com folga e certa vantagem o equipamento dos cangaceiros. Acredito que remar, e subir o rio até Piranhas foi o maior transtorno encontrado pela tropa, que faminta, com sede e muito cansada - estava a mais de dezoito horas sem repouso. Mas a alegria pelos troféus que conduziam em suas canoas apagavam qualquer sinal de enfado, pois os soldados orgulhosos e felizes não acreditavam que tinham matado o Cangaceiro mais famoso e o homem mais valente do sertão.

5.  Como militar, como o senhor pensa que foi a estratégia usada pelo Tenente João Bezerra? Lampião morrera por falta de sorte ou atenção/descuido? 

A morte de Lampião não foi por acaso. Lampião foi vítima de uma manobra policial que deu certo entre tantas outras que não deram certo. Lampião não era fácil de ser encontrado. Quem o ajudasse de alguma forma era sustentado a peso de muito dinheiro e sabia muito bem que se o delatasse e fracassasse na tentativa, pagaria bem caro com a vida sua e de seus familiares. Além do mais entre os coiteros e informantes de Lampião cada um vigiava as atitudes dos outros. Pelo lado de Lampião, ele mesmo mantinha um certo segredo em não revelar entre eles quem era ou deixava de ser para que se fosse pego um coitero, não houvesse a denúncia de todos. Mesmo dentro da polícia, com certeza, havia informantes que poderiam avisar Lampião para que se cuidasse daquele ou outro coitero. Dinheiro é tudo e tudo é por dinheiro. Assim como Lampião aliciava as autoridades e policiais em seu favor, a policia também aliciava e fingia que fazia corpo mole com alguns informantes seus. O objetivo da policia era Lampião e não o coitero. Aquele coitero que a polícia sabia que era amigo de Lampião, ficava de “molho” para troca de informações, estratégia utilizada pela própria policia para descobrir o paradeiro do procurado, que era quem realmente interessava.

Depois, em pressão, a coitero assumia o compromisso de cooperar com a policia – fato esse que ficava somente com o comandante da tropa e não chegava aos ouvidos dos soldados, uma vez que dentre os soldados havia aqueles que tinham parentes Cangaceiros. O próprio vaqueiro Domingos dos Patos, que foi o canoeiro que atravessou em canoa o bando de Lampião para Sergipe, trabalhava na fazenda do pai da Dona Cyra, esposa de João Bezerra, o comandante que queria pegar Lampião. Na volante que matou Lampião e Maria Bonita estava um soldado parente dela.

Os coadjuvantes vitais...

Joca Bernardes, ou Joca da Fazenda Capim, era um desse coiteros, que descoberto, tinha se comprometido com o Sargento Aniceto a cooperar naquilo que soubesse contra os cangaceiros. Joca era coitero de Corisco e ficou sabendo da chegada de Lampião pela boca do cangaceiro Vila Nova – só não sabia onde ele estava. Com as compras de Pedro de Candido de queijos fabricados por Joça e já encomendados, em grandes quantidades, Joca denunciou Pedro ao sargento Aniceto. Pedro era aquele coitero que estava na mira da polícia, tinha tido vários encontros com o Tenente Bezerra, mas estava de “molho” para uma ocasião futura e propícia e essa hora havia chegado.

Mesmo assim ao receber o telegrama em Pedra do Delmiro o Tenente João Bezerra não alarmou o pessoal e marcou um encontro com o Sargento na metade do caminho entre Piranhas e Pedra do Delmiro, onde os comandantes das frações fizeram conferência dentro do mato, quatro horas depois da saída de Pedra e três horas depois da saída do caminhão com o Sargento Aniceto de Piranhas. Era aproximadamente 16 para 17 horas da tarde. Mas ainda faltavam as confirmações que o Tenente tanto esperava. Antes da saída de Pedra passou um telegrama para ele mesmo, dizendo que alguém avisara ele que Lampião estava para os lados de Moxotó. Mas alguém de Moxotó enviara de fato um telegrama a ele sobre o aparecimento de cangaceiros na região de Moxotó, só que não eram cangaceiros, mas a tropa do próprio Sargento Aniceto. O Tenente antes de seguir destino para o encontro com o Sargento e de telegrama na mão gritou a pleno pulmões no meio do pessoal civil aglomerado, entre eles estavam alguns suspeitos de serem coiteros de Lampião: vou combater o cego no Iapi. Essa informação que a força tinha ido para o Moxotó chegou ao entardecer a Lampião no coito de Angicos, tendo Lampião brincado e dado risadas, pilherando afirmou: então pode dormir de cueca.

Volante do Tenente João Bezerra

A força ainda se encontrou com Joca que relatou tudo ao Tenente, depois ainda na incerteza se deslocou até um ponto com segurança para então mandar buscar Pedro que relatou tudo o que sabia, e sabia até demais, sabia onde o pessoal dormia e por onde estavam os sentinelas, se é que haviam. Mesmo assim o Tenente ainda desconfiava de tudo aquilo, porque Lampião não era fácil de ser pego assim tão facilmente. Avaliando o tamanho do efetivo de cangaceiros e se deixando levar pelos desconhecidos chegou a querer desistir da operação – só um temerário atacaria Lampião naquelas circunstancias – e mesmo porque já sabia que Lampião o tinha ameaçado de morte - aquilo tudo poderia ser uma armadilha. Mas no momento de indecisão entra em cena a figura do Aspirante Ferreira de Melo, que contestou a idéia de atacar os cangaceiros somente pela manhã, de dia e com seus 16 homens iria mesmo assim atacar Lampião. Se tivesse ido, ele mataria Lampião somente com esses homens, uma vez que Pedro conduziu a Policia até a menos de dez metros da barraca de Lampião e ainda apontou Lampião que estava em pé, fora da barraca.

No mais a sorte de Lampião se acabara naquele dia, o destino pos ponto final em sua vida naquela manhã. Na hora do início do tiroteio se ele estivesse deitado dentro da barraca ou mesmo a alguns metros por detrás das pedras teria escapado, mas veria a sua mulher ser morta a vinte metros de distância. Dado o primeiro tiro naquela manhã, Lampião não teve tempo para raciocinar, para saber o que poderia ser - uma arma disparou por acidente ? – alguém deu um aviso ? – tudo isso e mais poderia pensar que despertava no interior das toldas, não imaginavam que estavam cercados pela polícia e fugir daquele local era a salvação de suas cabeças. Quem cercou Lampião naquela manhã sabia o que estava fazendo e era assim que sempre procedia: o quadrado mortífero. Só não conseguiu a exterminação total dos cangaceiros porque o alvo era Lampião e além do mais a mata espinhenta ao redor da grota e a hora do ataque, o amanhecer, sem os raios do sol, dificultava em muito quem precisava enxergar alvos e necessitava da claridade para ajustar a mira das armas e abrir fogo. Depois outro fator que contribuiu para a fuga dos cangaceiros foi a fumaça originada pela queima da pólvora por ocasião dos disparos das armas em conflito, que cobriu a grota como um manto de morte. 

Negligência???

Negligência ? sim. Descuido ? sim, a começar pela escolha do local. Nada de lugar com uma só boca, como falaram depois quem escapou para contar história. Não foi isso que matou Lampião. Lampião foi morto por uma estratégia militar, num jogo de informação e contra-informação utilizado até hoje nos meios policiais. Aquele lugar, aquela gruta não é local para defesa, mas as cercanias, no cimo dos morros sim. Homens bem distribuídos , em locais previamente marcados, acordados, vigilantes, e sóbrios, impedem qualquer efetivo que se aventure a abater quem estiver no interior da furna. Quem estiver no interior da furna terá tempo suficiente para escapar ileso de qualquer ataque que venha a sofrer, desde que a força atacante se encontre previamente com sentinelas postados a mais de cem metros de distância da furna. Além do mais o local não serve para esconderijo porque do meio do rio se enxerga com relativa facilidade o rolo de fumaça que sobe das fogueiras onde eram cozinhadas as comidas, e deveria haver mais de uma. Não é crível que 45 homens comam de um mesmo fogo. Quanto maior a fogueira, maior é o rolo de fumaça, maiores serão os odores que exalam das carnes assadas, do café requentado, do fumo dos cigarros de palha. E o som dos vozerios compartilhados, das músicas, das toadas, das gargalhadas, dos casos contados, dos acontecidos, das boas empreitadas com ganhos fáceis, e aquele cabra que implorou para não morrer ?, aquele rosto desfigurado pelo assombro da morte, quando a ponta do punhal sangrador foi afundando devagarinho na base do pescoço ? – motivos de comemorações e de alegrias para aquele bando de gente impiedosa não faltavam.

Não se pode culpar Lampião por isso ou aquilo, ou pelo que deixou de fazer, mesmo porque o bando não era uma milícia organizada, com estratégia de defesa e ataque, as manobras de guerra a bastante tempo não eram postas em práticas depois que Antonio Ferreira e Sabino haviam desaparecidos. As orientações do chefe eram quase sempre as mesmas: não enfrente os macacos – fuja ! A policia, sabendo desse proceder dos cangaceiros, se sentia motivada a se aproximar dos grupos e de abrir fogo sobre eles, com a certeza que correriam abandonando o campo da luta. Fugiam não por medo, mas por economia da munição, cara e escassa, pela preservação da própria vida, além do mais o que se ganharia em matar uns poucos macacos – depois desses viriam mais e mais numa seqüência de mortandade que nunca terminaria. Por isso a melhor defesa residia simplesmente na grande mobilidade, nas andanças, percorrer grandes distâncias em poucas horas, e nessas poucas horas estarem em vários lugares diferentes – assim a informação dos delatores não chegaria aos ouvidos da polícia com tempo suficiente para ser transformada em uma ação planejada a ponto de surpreender o grupo. Outro fundamento do grupo era sumir sem deixar rastros, ou deixar vestígios bem visíveis que conduziriam os soldados a um lugar determinado, culminando em uma emboscada. Outras vezes os rastros não levavam a lugar nenhum e a volante ficava bobando no meio da catinga. Na maioria das vezes os grupos de cangaceiros sumiam por meses e ninguém sabia por onde andavam, até que um caçador informava a pista deles, na maioria das vezes falsa e sem sentido, às vezes a mando dos próprios cangaceiros para despistar uma ação de assalto a alguma localidade.

Portanto, a escolha de Angicos como ponto de reunião, mesmo que seja para passar uma semana, foi um erro mortal, mesmo com a desculpa do tratamento de Maria Bonita em Própria, ou para tratar operações futuras, ou pela necessidade de aproximação com a água devido presença de mulheres, nada justifica a desatenção para com o fator segurança do chefe em particular e do grupo em geral. Caso fosse irremediavelmente necessário a permanência na área - isso até não seria considerado um problema desde que os homens fossem dispostos estrategicamente ao redor, no cimo dos morros, no leito do riacho, em vigilância constante e protegendo quem estava no fundo daquele buraco.

Continua...
Parte II em breve
Juliana Ischiara e Alfredo Bonessi

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IGREJA MATRIZ DE PARIPIRANGA/BA - CIDADE INVADIDA POR LAMPIÃO EM SETEMBRO DE 1936.

 Por Sérgio A. Dantas

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O CICLO DOS HOTEIS

 Clerisvaldo B. Chagas, 1 de outubro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.381


Parece que o ciclo das coisas que cercam os homens, é igual ao próprio ciclo da vida humana. Hoje refletimos sobre os hotéis, em todos os lugares do Brasil substituídos por simples pousadas. Voltando os tempos em algumas décadas, tínhamos em Maceió o magnífico Hotel Bela Vista, onde a cabeça de Lampião passou uma noite, imediatamente a ser levada para Salvador.  Foi demolido. O Parque Hotel, onde se hospedavam os prefeitos do interior em missões na capital, deixou de existir. O não menos famoso Hotel Lopes, final e início de linha das antigas “sopas” Santana – Maceió e vice versa, parou de funcionar. Um grande hotel que no momento nos foge o nome, situado na Rua do Sol, também na capital, tão bem frequentado, cerrou suas portas com fim melancólico, abandonado à própria sorte, foi aos poucos sendo transformando em coisas. Todos eles tinham nome firme espalhados no estado.

Antigo Hotel Lopes (Foto: Arquitetura Alagoana)

Em Santana do Ipanema não foi diferente, fechou o Hotel Central, um dos mais antigos de cidade e conhecido como Hotel de Maria Sabão. Deixou de existir o Hotel Santanense no Bairro Monumento, chamado Hotel de Dona Beatriz. Antes mudara de dono, depois... O adeus para sempre. Seguindo a sequência, encerra as atividades o Hotel Avenida, ainda no Bairro Monumento, apelidado o Hotel de Seu Leusínger. E por fim o Hotel conhecido como de Maria Valéria, à Avenida Nossa Senhora de Fátima. Também fecharam alguns pequenos hotéis e hospedarias sem nomes no lugar Maracanã e na periferia do quadro da feira semanal.

Após certo período sem hotéis, começam então, a aparecer as pousadas, muito mais simples, sem almoço, sem jantar, apenas com pernoites e café da manhã acompanhado de preços populares. Santana se encheu de pousadas, sendo raríssimo a implantação de hotéis. Em Maceió, após a fase das pousadas, voltas à moda os grandes hotéis de luxo internacionais, dessa vez não mais no Centro, mas, principalmente, nos balneários onde imperam o luxo do litoral.

Cada um desses antigos hotéis tinha seus acervos orais de histórias e mais histórias que mereciam ser contadas de outra maneira. Mas os fantasmas que habitavam as ruínas, foram espantados para sempre com o novo ciclo das coisas.

Todo somos vítimas dos freios de arrumação que mexe com a vida dos humanos e dos seus temporários bens.


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A HISTÓRICA DEPOSIÇÃO DO CORONEL.

 Por Luis Bento

No Nordeste Brasileiro, o Cariri cearense foi um dos pontos onde o coronelismo mais teve força. A região sentiu a força do cangaço e teve líderes políticos que comandaram a " ferro e fogo ", deixando marcas definitivas na formação Cultural do povo. O Coronel José Belém de Figueiredo foi um deles.

Conhecido e temido pelas inúmeras arbitrariedade que cometia ele foi deposto em 1904 após um movimento de residência liderada pelo Coronel Antônio Luis Alves Pequeno cerca de um ano

antes. O movimento nasceu numa reunião ocorrida no sobrado de Pequeno. A vigência de um regime republicano, contudo teve seu efeito na queda de Belém.

O Crato enfrentava uma série crise política, agravada depois de um grupo de jovens, enquanto realizava uma serenata, ser atacado a bala pela guarda de Coronel Belém. O episódio ocorreu cerca de um mês após a reunião no sobrado e vitimou Horácio Jácome Pequeno, um desses jovens, familiar do Coronel oposicionista.

Os contrários a Belém promoveram fortes campanhas contra o governo. A mobilização ganhou forte adesão popular por conta do assassinato de Horácio, cujo cadáver acabou transformando em símbolo de resistência. Ao ponto de o Jornal Correio do Cariry publicar um tributo proclamando o jovem como herói.

O culto a Horácio, a vigência de um regime republicano e a insatisfação popular quase que generalizada tornaram a gestão de Coronel Belém insustentável. A reposição dele é considerada um Marco de uma conguista do poder pela população a partir de ideias liberais.

Nomear o ' povo ' como agente responsável pela deposição do Coronel Belém não é somente uma retórica, uma figura de linguagem usada para dar maior intensidade ao fato de si. Trata-se de uma estratégia de apropriação de uma comunidade, cujo protagonismo maior cabe ao coletivo, senhor de suas ações e projeções, frisa o Historiador Carlos Rafael Dias.

A queda do Coronel Belém alçou Coronel Pequeno ao posto de liderança mais importante do Cariri. Ele já tinha sido aclamado anteriormente a esta condição na reunião ocorrida no sobrado de sua casa, quando ficou decidido o enfrentamento ao já instável oligarca. Foi então, no período de seu mandato como intendente que o Coronel Antônio Luis se veria em meio a um ferrenho embate político entre as lideranças do Juazeiro e do Crato.

" O Juazeiro era, então, um próspero distrito do Crato, iniciando, naquele momento, uma campanha separatista visando sua autonomia política, tendo a frente Padre Cícero e um aguerrido pelotão de soldados da causa, com destaque para o médico Floro Bartolomeu, o Padre Joaquim Alencar Peixoto e o Professor José Marrocos", acrescenta Carlos Rafael.

CASA DE CULTURA

APOIO, Prefeitura Municipal de Jati-Ce

DIRETOR DE CULTURA

Luís Bento de Sousa.

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FAZENDA RAMADA

 Por Rostand Medeiros

Texto e foto do Rostand Medeiros

Casa secular da Fazenda Ramada e ao fundo a Serra da Rajada, município de Carnaúba dos Dantas, Rio Grande do Norte. Esse foi o local de nascimento do cel. Joaquim Paulino de Medeiros, fazendeiro atacado na sua Fazenda Rajada pelo bando de cangaceiros comandados pelo paraibano Chico Pereira, no dia 1 de fevereiro de 1927. 

A Fazenda Rajada não é muito distante da Fazenda Ramada e em 1927 pertencia ao município de Acari.

Adendo:

Se eu não estiver enganado certa vez em uma visita que fiz ao escritor e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros, que estava hospedado no Hotel Thermas em Mossoró,  me disse que o coronel Joaquim Paulino de Medeiros o Quincó da Fazenda Ramada, era seu avô.

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EMERY COSTA 5 MESES JÁ SE PASSARAM DEPOIS QUE VOCÊ FOI PARA PERTO DE DEUS

 

Emery fez história no jornalismo mossoroense (Foto: reprodução)

CONFIRA A TRAJETÓRIA JORNALÍSTICA DE EMERY COSTA

Emery Costa falecido no dia 1º. de maio de 2020 em decorrência da covid-19, marcou época no jornalismo mossoroense. Foram 55 anos trabalhando em rádio e jornal impresso.

Nascido em 13 de fevereiro de 1946, Emery iniciou a carreira radiofônica aos as 17 anos na recém-inaugurada Rádio Rural. O rádio estava no sangue de Emery.

Antes de iniciar na atividade profissionalmente, ele costumava ouvir os grandes nomes da radiofonia local e visitava os estúdios da Rádio Tapuyo onde pegava as laudas descartadas pelos locutores para treinar.

Nesse período ele apresentou a “Voz do Estudante”, programa do Centro Estudantil Mossoroense (CEM), na Radio Tapuyo que depois se transferiu para a Rádio Rural. Foi nesta emissora que ele passou a atuar profissionalmente aos 17 anos, primeiro como redator do programa “Flagrantes da Cidade”. Lá ele trabalhou também como locutor e fez história apresentando o programa Ponto por Ponto. Por muitos anos ele foi o diretor da emissora.

Em 1970 estreou no jornalismo impresso nas páginas de O Mossoroense. Lá ficou até 1975. Seu sucesso profissional o empurrou para a política de forma inesperada. Foi o vice de Lauro da Escóssia Filho pelo MDB nas eleições de 1972 contra a chapa Dix-huit Rosado/Canindé Queiroz pela Arena.

Aquela eleição foi definida por 16.194 x 11.995, maioria de 4.199 para Dix-huit/Canindé. Emery dizia, e cumpriu a palavra, que aquela seria sua única experiência como candidato. Depois desse pleito, a vida do jornalista não foi fácil. Passou a sofrer com a censura dos militares que trabalhavam no Tiro de Guerra em Mossoró. Este é um assunto que ele não gostava muito de comentar.

Após 20 anos, Emery ainda foi secretário de comunicação da Prefeitura de Mossoró na última passagem de Dix-huit Rosado pelo Palácio da Resistência. Antes disso, ainda foi um dos fundadores do Jornal Gazeta do Oeste em 1977.

Após 12 anos, Emery retornou ao Jornal O Mossoroense exercendo a função de diretor entre os anos de 1987 e 88. Foi neste jornal que ele escreveu por quase 30 anos a principal coluna do veículo.

Emery ainda trabalhou no Diário de Natal atuando como colunista além de colaborar como correspondendo do Diário do Nordeste, Rádio e TV Verdes Mares de Fortaleza.

No Observador Político da 93 FM e TV Mossoró ele fez parceria por anos com Edmundo Torres, Laíre Rosado e tantos outros profissionais que passaram pela bancada.

Em 2018, após 55 anos atuando como jornalista ele decidiu se aposentar. Seu último trabalho foi apresentando o programa Ponto por Ponto.

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TODO SER É ASSASSINO

Clerisvaldo B. Chagas, 27 de setembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.388

Durante a seca de 1970 Santana do Ipanema ainda era a capital do feijão. O governante municipal, na época, senhor Henaldo Bulhões Barros. Para Santana convergiam os produtos dos municípios vizinhos e, carretas e mais carretas do Sul do Brasil vinham pegar o feijão da última safra de antes da seca. A Praça Coronel Manoel Rodrigues da Rocha – Praça da Matriz – tornou-se ponto de estacionamento daquelas carretas carregadas de grãos. Diante de tanta riqueza alimentar, algumas mulheres, crianças e adolescentes, catavam no calçamento alguns caroços de feijão que escapavam das carretas. Como se diz por aqui, era de cortar coração a cena inacreditável da fome. Pessoas transformadas em galináceos em pleno centro da cidade.

Tornou-se rotina a mendicância pelo centro, ruas e periferias. Além da humilhação dos mendigos, ainda se encontravam pessoas ricas e arrogantes pelo caminho. “Só dou esmola a cego e aleijado”, dizia um, “Não tenho esmolas para dá; quem tem obrigação com vocês é o governo”. Dizia outro. Não iremos citar os seus nomes, pois iríamos desagradar seus familiares, mas nada custa indagar, mesmo sem resposta: Como estão as almas daqueles arrogantes após a partida do planeta? Muitos descendentes ainda hoje brigam na Justiça pelo “ouro” dos insensatos.

Mas agora, em 2020, após longo período sem vermos pedintes nas ruas, a fome voltou e vai arrochando tudo. Mendigos voltam a pedir de casa em casa contando a situação sinistra que estão passando com à família. Isso faz lembrar Cachoeirinha, Pernambuco, “Aqui você não vê mendigo, todos trabalham na cidade. Quando aparece alguém pedindo é pessoa de passagem”, dizia o saudoso José Henrique que fabricava arreios para aquele lugar. Nada demais pedir desculpa ao pedinte quando não tiver de verdade o que oferecer. Mesmo assim corre o risco – se o que pede for humorista e improvisador como era o cego Zequinha Quelé, morador do sítio Travessão: “Perdoe, ceguinho, não tenho agora...”.

A bacia do perdoe

Deixei lá no Travessão

Sou homem, não sou menino

Todo ser é assassino

Só meu padre Ciço, não...

SECA (FOTO: DIÁRIO CAUSA OPERÁRIA).

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LAMPIÃO, REI DO CANGAÇO / GOVERNADOR DO SERTÃO

Por Osvaldo Abreu ( Abreu) Alto da Compadecida , 30 de setembro de 2020

A vida sempre vai ser assim,
Muitos e muitas vezes o sonho de menino,
Murcha e morre como as flores do jardim.
Cada homem carrega um destino,
O traço pode ser bom ou ruim,
Pode ser um mundo triste ou sorrindo.
Nunca sonhei em ser cangaceiro,
O homem é o ambiente,
De injustiça o planeta é cheio.
Com a falta de Justiça, o homem bem sente,
Quem sonha em viver em tiroteio?
Só se for uma mente doente.
O Coronel tudo podia,
O pobre sertanejo a se curvar,
Muita humilhação, covardia...
Pobre a Deus implorar.
Da terra, o sertanejo fugia,
A seca trazia a tristeza e o chorar.
A chovia não caia no sertão,
Bucho vazio, faltava comida...
Doía muito no coração,
A desgraça levava a vida.
Eu, Virgolino Ferreira, capitão Lampião,
Tive minha alma ferida.
Quando o homem vai à Justiça,
Pedi dela providência,
Ele não se dirige à missa,
Quer da Lei a decência,
Assim ele visa,
O sertão de Justiça tinha carência.
Fui sempre homem trabalhador,
Jovem com ocupação,
Artesão, tropeiro. A preguiça não dava valor,
Com tropa de burro andava no sertão,
Levedando mercadoria, comida que faltou ,
Dormia no sereno, ao luar ou na escuridão.
Nunca fui um desocupado,
Nunca vivi de vadiagem,
O trabalho sempre ao meu lado,
Estava sempre em viagem,
A calúnia é de cabra safado,
Indigno, não tem boa imagem.
Verdade, me tornei um justiceiro,
Na terra de pobre sem Justiça,
Não me fui o primeiro,
A injustiça leva à briga,
Ê preciso analisar a vida de um cangaceiro,
Todo homem quer paz, não quer intriga.
A Justiça não pode ser tendenciosa,
Coronel e homens de pé no chão
Não devem estar em diferença roça,
Justo é jugar com razão,
A injustiça mal causa e destroça,
É por isso que surge a revolução.
Perdi pai, perdi mãe e irmãos,
Fio expulso de Vila Bela,
Meu querido torrão,
O homem de bem Justiça espera,
Com a injustiça vira Leão,
Revoltado é uma valente fera.
Aí, nasce o cangaceiro,
Aí, brota o revoltado,
Sertão escuro de muitos candeeiros,
De pobre sem o bocado,
De crianças nuas que brincavam no terreiro,
Eu , Virgolino, Lampião, dê o recado.
Sertão pelos homens do poder esquecido,
Nas estradas de poeiras, as capelinhas,
Uma mãe a chorar o filhinho falecido,
Pobres meninos, pobres criancinhas,
É fácil me chamar de bandido
No sertão do nada tinha.
A fome batia à porta,
Se morria por falta d’água,
Na rede, se enterrava gente morta.
Na alma sertaneja, choro, lamento e mágoa.
Sem meditar fala o idiota.
Vida sem graça, que não se salga.
Neste sertão, eu me nasci,
Ouvindo o triste piar da coruja,
Nele eu me cresci.
Falavam : “Pra não morrer, fuja.”
A injustiça vivi e senti.
Nada é à toa, quando se cruza.
Quem pensar que eu me morri,
Vai viver de ilusão e alusão.
O corpo tem o dia de extinguir,
O espírito não morre, não.
Sou Virgolino - Lampião a luzir,
Rei do cangaço, governador do sertão.
LAMPIAO - 1936
Foto de Benjamin Abraão

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