Por Cabo Francisco Carlos PMPR-RR
Depois da cruel refrega de Angicos,
dizem que alguns cangaceiros feridos em combate, ainda morreram durante a fuga
e foram sepultados pelos próprios companheiros em meio às caatingas, outros
procuraram a casa de amigos e parentes para se tratar e curar suas lesões até
se recuperarem totalmente, e após; seguiam rumo a outros Estados enquanto a
maior parte deles se entregava às autoridades locais. Era o princípio do fim da
era do cangaço, alguns líderes cangaceiros e asseclas ainda resistiram um bocado
de tempo, tal como o bando do alagoano
Cristino Gomes da Silva Cleto, Corisco ou
“Diabo Loiro” que implacavelmente perseguido, foi impiedosamente abatido pela ferrenha volante do intrépido Tenente Zé Rufino, no dia 25 de maio de 1940 em
Barra do Mendes no Estado da Bahia, findando de vez a era do cangaço.
Dentre os
poucos cangaceiros que fugiram ileso do combate de Angicos, encontrava-se
Manoel Pereira de Azevedo o valente cangaceiro Juriti, baiano de Salgado do
Melão que até se entregar às autoridades do lugar, ficou algum tempo foragido
perambulando pela região agreste próxima do Rio São Francisco, e quando soube
da morte de Corisco, Juriti vendo e sentindo que o cangaço realmente chegava ao
fim, conversou e convenceu sua
companheira Maria, a voltar para junto de seus
genitores e demais familiares, e assim da mesma forma, posteriormente a
supracitada mulher, também ajudou a convencer Juriti a se entregar ao Capitão
Aníbal Soares em Jeremoabo. Então o tal cangaceiro após se render, apresentou-se
ao oficial intermediário que em seguida o libertou para que voltasse a viver
como um cidadão comum. Juriti já em trajes civis, depois de alguns dias naquela
cidade, viajou para Salvador onde trabalhando em uma fábrica, permanecendo na
capital por quase um ano, isto até 1941.
Maria
do cangaceiro Juriti - Esta
foto pertence ao acervo do escritor e pesquisador do cangaço João de Sousa Lima
- http://www.joaodesousalima.com
Lampião e o cangaceiro Juriti
Sentimento é coisa que não se discute,
coração é terra que ninguém pisa. E foi assim que Juriti traçou seu cruel
destino seguindo ao encontro da morte; quando resolveu voltar para o interior
no sertão de Sergipe. Juriti estava ansioso para rever alguns amigos de Pedra
D’água e também saber notícias de sua antiga companheira a amada Maria, para
depois seguir para Salgado do Melão sua terra natal. E viajando sem muitas
expectativas, ele chegou até Canindé, o último porto navegável do baixo São
Francisco.
Nesta cidade morava uma linda viúva chamada Deusdália Nogueira, uma morena de longos cabelos negros encaracolados, trazia em seus olhos glaucos um olhar penetrante e sedicioso, seus dentes perfeitos apresentavam branquíssimos em sua boca quando esboçava um sorriso meigo e sedutor, seus lábios úmidos e convidativos enfeitavam ainda mais seu rosto trigueiro e encantador, tinha o tórax avantajado nos ombros e seus grandes seios eram rijos como o cerne da braúna; sua cintura delgada sob seus largos quadris, além de moldar o seu corpo elegante, dava-lhe a forma perfeita do bojo de um violão. Deusdália não tinha filhos, e era filha única de um casal de portugueses, Dona Anália uma excelente costureira e o Sr. Manoel que era comerciante e dono de uma venda de secos e molhados em Canindé do São Francisco. O seu falecido marido era proprietário de um curtume, onde morreu intoxicado em consequência do trabalho.
Sargento Deluz
Juriti tinha um porte físico perfeito, sua aparência atlética impressionava por demais as mocinhas das cidades e também as caboclinhas dos sertões que se desmanchavam de anelo por ele, sonhando um dia em gozar dos seus afagos. Em comparação a toda esta beleza, Juriti trazia em seu imo, uma terrível alma perversa inclinada a atitudes animalescas e brutais, pois era de praxe levar ao suplício com prazer extremo todos os infelizes que caíam como vítimas em suas mãos, assassinando-os com frieza e requintes de crueldades.
Ao chegar a Canindé do São Francisco, foi logo tomar uma cachaça para desembaralhar e clarear as ideias, e assim se dirigiu para a venda do Sr. Mané, e quando lá chegou, despertou logo o interesse de Deusdália que ao atendê-lo se engraçou com ele, começando uma prosa bem animada e a recíproca foi ótima. Juriti falou a ela que iria pousar na casa de um amigo e no outro dia iria para Pedra D’água rever alguns amigos e depois viajaria para Salgado do Melão, onde residiam seus familiares e todo o resto da sua parentalha, Deusdália pediu a Juriti que não partisse sem antes falar com ela. Fazia quatro anos que Deusdália era viúva, e sempre que podia, ela ia com uma amiga se refrescar do calor banhando-se na cachoeira de um córrego dali da redondeza.
O Sargento Deluz descobrindo o laser das moças, sempre ficava na espreita e quando elas saíam, ele as sondava e as seguia até chegarem à queda d’água, onde escuso entre a vegetação, as observava tomando banho nuas nas águas mornas do riacho, daí então o miliciano não contendo seus impulsos lascivos, se masturbava até atingir o orgasmo.
No mesmo dia em que Juriti chegou a Canindé do São Francisco, já avisaram ao Sargento Deluz de sua presença na cidade, mas o miliciano não deu tanta importância ao fato naquele momento, por estar fazendo grande negócio, Deluz era proprietário de terras naquele lugar, pois ele era casado com a filha de um fazendeiro.
Na manhã quente do dia seguinte, Juriti foi procurar Deusdália em seu estabelecimento comercial, e durante a prosa; ela perguntou ao cangaceiro se ele podia acompanhá-la até a um lugar tranquilo para conversar sobre negócios. E assim foi feito eles partiram a cavalo até a tal cascata, lugar maravilhoso onde Deusdália ia esporadicamente se banhar com a amiga. Deluz logo que soube, armou-se até os dentes e partiu como um cão de caça no encalço deles.
Sob a sombra de um frondoso jequitibá, ela estendeu um lençol branco sobre a relva e sentando confortavelmente, pediu a Juriti que fosse até sua cavalgadura e apanhasse no alfoge, uma garrafa de vinho tinto, duas taças de cristal e trouxesse até ela. Ele assim o fez, em seguida abriu e também se sentou, mas bem à frente dela; pois apesar de ser um violento cangaceiro, ele era bem-educado e sabia se portar como um cavalheiro diante a uma dama. Durante a conversa Deusdália propôs a Juriti uma sociedade, para ambos ativarem novamente o curtume que era do seu falecido esposo, ele gostou da ideia e após tomarem algumas taças de vinho, ela o convidou para se banhar na cachoeira. A princípio ele ficou surpreso, mas enfim excitado concordou com a ideia, Juriti virou-se para tirar as roupas, e quando se voltou; viu a linda mulher já totalmente despida, entrar morosamente nas águas da pequena cachoeira, ele assim também fez; porém mantendo-se a uma certa distância. Ela de costas conversava normalmente com ele, enquanto se banhavam, parecia até que ela estava avaliando suas atitudes, mas o homem se mantinha sempre firme, agindo com a mesma postura. Mas enfim ela virou-se e pediu ao cangaceiro que ensaboasse todo o seu corpo nu. Juriti aproximou-se e com suas mãos hábeis na arte das carícias, deslizou suavemente o sabonete pelo corpo esguio da linda mulher, que mostrava a pele morena arrepiada de tanta excitação, e assim aos poucos foram deixando se envolver nas delícias daquele momento mais sublime, o desejo de amar... Ele a beijava e a apertava com seus braços fortes, como se fosse um jaguar, capturando uma inofensiva mateira em suas garras mortais, ela retribuía flutuando nas águas abraçando com as pernas sua cintura e com os braços segurando seu pescoço, posição esta que facilitava para que ele a possuísse. E assim prosseguiram, enquanto o sabiá sonoroso gorjeava interpretando a sua doce melodia, Juriti a penetrava delicadamente aos poucos, bem devagarinho para não a machucar, e mesmo assim por mais carinhoso e delicado que ele... Ah! Ela se contorcia toda num misto de dor e prazer, pois desde que ficara viúva até aquele momento não havia conhecido outro homem, era quase uma virgem. Após algum tempo, o cangaceiro sentindo que ela se desmanchava em deleites, na volúpia se satisfez também regando com um jorro de sêmen a mais bela flor do vale do São Francisco. E na tocaia por atrás do tronco da imburana, Deluz arrancava com os dentes lascas de madeira da coronha do seu rifle papo amarelo, vendo tal sena de sexo explícito com a mulher que ele mais desejava na vida. E mesmo assim, apesar do ódio; o graduado conteve sua fúria e não agiu naquele momento, só planejou uma cruel vingança para aquele que amargou ainda mais o seu acrimonioso coração.
Juriti e Deusdália muito felizes por terem se acertado em realizar um bom e vantajoso negócio, regressaram à Canindé, ela foi para a casa dela e ele conforme já lhe havia dito, seguiu com destino a Pedra Da água para visitar um amigo, depois voltaria à cidade para ficar em definitivo. Daí o terrível Sargento Deluz que ouviu tudo escondido, voltou a galope para a cidade e chegando na delegacia, ordenou ao cabo Vicente Preto que avisasse o soldado Zé de Firmino e Mamangaba um jagunço velho que era “bate pau da polícia”, e os deixasse de sobreaviso, já com tudo planejado para dar fim na vida do ex-cangaceiro.
Juriti posou na residência de Rosalvo Marinho, e de manhã bem cedinho que a corruíra gorjeava em seu ninho sob as telhas de barro da velha casa, Juriti tomava um café quente comendo um delicioso bolo de fubá junto do seu supracitado amigo, contando-lhe empolgado os seus planos futuros naquela cidade. A prosa estava muito boa, quando o Sargento mais seus três comandos que haviam cercado a casa e já se encontravam de arma em punho, surpreende os dois amigos e sorrindo irônico Deluz diz:
- Mais qui surpresa! Nunca pensei qui Juriti fosse um passo tom manso, tom faci di se garrado. Teje preso cabra! Num quero cangaceiro perto de mim não.
E sem nada poder fazer, o ex-cangaceiro é amarrado com uma corda de embira diante da mira das armas dos seus oponentes.
Revoltado com o ato covarde dos milicianos, Juriti desafia o sargento dizendo:
- Deluz você é um covardi, eu sei quem você é! Mostre qui é homi e mi sorte, só assim você vai ficá sabendo quem sô eu. Vamu, mi sorte covardi! Você é um covardi!
Deluz então transporta o pobre infeliz preso e amarrado numa carroça em direção a Canindé, mas depois de cavalgarem quase uma légua e meia, ao passar por um lugar chamado Roça da Velinha, próximo às fazendas Cuiabá, o sargento para sob as sombras de uma frondosa barriguda e ordena aos seus subordinados que ajuntem bastante lenha e as amontoa perto de um rochedo; e depois de construírem um aceiro ao redor, o graduado manda que ateiem fogo na madeira formando uma grande fogueira. Quando as chamas subiam eretas e bem aprumadas em direção ao infinito, que as brasas incandescentes oscilavam abraçando os raios do sol abrasador, bem no exato momento em que as caatingas retrocediam diante ao confronto com calor do fogo infernal, ouve-se um estanho comando:
- Já ta boa! Ta muito boa! Sacode agora o cabra pra riba do fogo!
Então o desventurado homem é impiedosamente lançado em meio às labaredas pelas mãos cruéis dos seus algozes, e o fogo impiedoso em pouco tempo transforma em carvão e cinzas o corpo do valente Juriti que morre sem dar um grito sequer. E naquele lugar funesto; além do que restou dos botões da braguilha de sua calça, ficam as marcas macabras daquela fumaça negra, a qual tingiu de preto as rochas que ali permaneceram por muitos e muitos anos, servindo como provas reais de um crime brutal, vindo de um veredicto banal resultante de um pré-julgamento de ódio e vingança.
Ah! E Deusdália? Coitada! Lamentando mais uma vez a triste sorte, sempre ao passar por aquele local, a pobre viúva deixava uma linda flor banhada em prantos, que murchava aos poucos sobre as pedras aquecidas pelo sol tórrido que sempre castigou o agreste nordestino. E foi assim que se consumou o monstruoso assassinato que pôs fim na vida e nos sonhos de Manoel Pereira de Azevedo, o ex-cangaceiro Juriti do Salgado do Melão, que simplesmente pretendia seguir uma vida pacata e normal se tornando apenas um simples cidadão de bem.
Cabo Francisco Carlos PMPR-RR “Saudações Militares”
Enviado pelo Cabo Francisco Carlos
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