Por: Rangel Alves da Costa(*)
UMA VELA ACESA
Ai se os meus olhos, diante dessa vela acesa, apenas enxergassem a luz, apenas vissem a chama, apenas sentissem o lume tremulando o seu instante! Ai se meu olhar não se transformasse em chama, não brandisse aceso, não subisse aos céus! Eis que essa vela acesa surge diante de mim além do objeto, além da cera e pavio, para receber minha fé e ser muito mais do que apenas a valsa da luz a flamejar na semiescuridão.
Não sei perante os outros, vez que a fé, a devoção e a religiosidade são muito próprias em cada um, mas em mim o ato de acender uma vela é o mesmo que entrar numa igreja, que assistir missa, que subir na montanha para segurar na mão de Deus, que dialogar com a divindade sobre o meu ser tão sem palavras. No fósforo, o passo, no pavio, o templo; na chama, o portal.
Manhã ou noite, qualquer hora que sinta necessidade de fortalecimento espiritual, de proteção, na intenção de alcançar uma graça, a pessoa segue em direção ao oratório ou qualquer outro lugar onde possa expressar sua fé, e então, após o ritual de chegada, acende uma vela e põe-se contrito para que a mente e os lábios leiam o livro da alma:
“Eis-me aqui, ajoelhado a teus pés, orando a prece maior, invocando aos céus e pedindo do fundo do peito que atendei os meus clamores. Eis-me aqui, cheio de fé e de devoção, humilde servo do teu piedoso gesto, clamando um clarear meu destino nesta estrada sombria. E veja, e sinta o meu semblante nesta vela acesa!”
Após esse instante de clamor e devoção, de expressão da espiritualidade religiosa e da fé, a pessoa retoma o seu cotidiano e a vela fica flamejando no seu cantinho. Para alguns, a cera e o pavio que vão queimando lentamente fazem parte apenas daquele momento ritualístico, sem qualquer importância futura. Já para outros é bem diferente.
Diferente, e com razão. A simples vela em si, enquanto objeto de cera com um pavio no seu interior e que serve como fonte de luz, já é vista de modo diferenciado. Quem deseja iluminar um ambiente onde não há energia elétrica, o faz com candeeiros ou lampiões, mas não especificamente com vela. Ao ser adquirida, esta certamente terá por objetivo outro uso, que será o religioso.
Mesmo quando são adquiridas para fins decorativos, as velas não perdem aquela feição de religiosidade. As pessoas apenas transferem o uso nas igrejas para suas residências. Do adorno ritualístico, tão comum sobre a mesa na celebração de missas e batizados, onde geralmente são colocadas em castiçais por cima de toalhas lindamente trabalhadas, passa a enfeitar os ambientes residenciais. E ainda aí aquela inspiração religiosa.
E basta que uma dessas velas seja acesa para ganhar outra significação, e já diferente da que se tem na igreja. E isto porque uma vela acesa na igreja não possui a mesma intencionalidade espiritual que uma acesa dentro de um lar. Ali é abrangente, amplamente significando a chama da crença e da fé, a presença divina, enquanto cá, no recanto de cada um, tem-se essa crença e essa fé internalizada espiritualmente, expressando o sentimento mais íntimo.
Ainda nesse passo, cabe ao olhar que se lança sobre a vela dar o seu significado. Seja na igreja, no lar ou em qualquer outro lugar, a vela não passará de simples chama se do seu fulgor flamejante não surgir um portal para o encontro com a divindade, a santidade, os seres angelicais. Diante da chama, a cada um caberá saber caminhar por entre seus mistérios, sua força e a intencionalidade do ser diante da luz.
O olho que mira a vela, sente a chama amarelo-avermelhada dançando para iluminar, não se contenta em apenas sentir a claridade, pois logo sente que o seu espírito procura ultrapassar aquela luz e logo se transformar numa momento indescritível: sentir a presença maior, se envolver por incontida fé, se entregar aos rogos para ser ouvido. É um diálogo tão intenso, travado entre o semblante e a chama, que de olhos fechados a pessoa se sente como iluminada.
E tão iluminada que pode enxergar a face de Deus!
Poeta e cronista
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