Se a história
de “Lampião” é recheada de mistérios, a de sua mulher Maria é quase um
mistério, apesar dos já tantos anos de pesquisa.
Abraão
Benjamim Boto, o gringo que secretariou Padre Cícero e depois se fez
cinegrafista e fotógrafo, foi quem, nos idos de 1936, filmou e fotografou
Lampião com sua companheira e sua turma de cangaceiros, onde ali os jornais da
época passaram a nomear a mulher do rei, de Maria do Capitão, Maria de Lampião,
Maria Oliveira, Maria Déa. Pelo menos, nessas reportagens de 1936 sobre a
produção de Abrão Boto, não vi a imprensa mencionar o nome "Maria
Bonita".
"MARIA
BONITA" como outra designação da mulher de Lampião, até onde li nos
jornais, é mencionado pela primeira vez na edição do “Diário de Pernambuco” de
24 de maio de 1936, na matéria “CHEGOU AO RECIFE UMA DAS VÍTIMAS DE LAMPIÃO”,
quando, em dois momentos, lemos o seguinte:
“Quando
cheguei lá vi que a casa estava cercada. Oito homens e duas mulheres estavam
armados até os dentes. Tinham todos a cara de assassinos. Uma delas, a quem
chamaram de Maria Bonita, me deu logo duas chibatadas”.
“Maria Bonita,
a amasia do chefe do grupo, usa calça culote, dois parabéluns à cinta e
cartucheira”.
Pois bem. O
famoso cordelista Manuel D’Almeida Filho, no seu “CABRAS DE LAMPIÃO",
primeiro volume, produzido e editado após as mortes de Lampião e Maria Bonita,
diz, num dos muitos versos da obra, que quem inventou de chamar Maria de Déa, a
Maria de Lampião, de Maria Bonita foram os:
“Violeiros
repentistas
Cantando na
região,
Batizaram
novamente
A mulher de
Lampião,
Como Maria
Bonita,
A linda flor
do sertão”.
Para, no mesmo
cordel, mais adiante, cantar o seguinte:
“Por ser perto
de Garanhuns
Deu a viagem
perdida,
Encontrou com
a polícia.
Quase que
perdeu a vida,
Até Maria
Bonita
Nessa luta foi
ferida”.
Nesta segunda
sextilha, o cordelista volta a chamar a mulher de Lampião de "Maria
Bonita", o que até então só a chamava de Maria de Lampião, etc, justamente
quando faz registrado o ferimento à bala que ela sofrera, em 1935, no lugar
Serrinha do Catimbau, região de Garanhuns/PE.
Imagino se não
teve a ver passarem a chamar a mulher de Lampião de “Maria Bonita” depois da
sua presença no interior pernambucano, nos idos de 1935, quando este jornal e,
talvez outros, andou divulgando história de a cangaceira Maria, mulher do
chefe, andar participando diretamente de ataques a localidades, armadas e tudo
mais.
E é exatamente
aqui que eu trago aos amigos uma indagação, que nenhuma pretensão carrega senão
a de enriquecer o debate a respeito de coisas relacionadas ao cangaço a meu ver
ainda não muito claras, pergunta que faço a partir de uma dúvida que me surgiu
quando li uma outra matéria deste periódico pernambucano, desta feita a que
veio a lume na edição do dia 10 de janeiro de 1936 (abaixo), assinada pelo
jornalista Vicente Neto, intitulada "NA PISTA DOS BANDIDOS",
publicação esta, portanto, anterior às das sensacionais e inéditas imagens dos
cangaceiros, e entrevista com o seu autor, Abraão Boto, das quais,
lamentavelmente, como sabemos, só nos restaram apenas alguns poucos minutos.
Como eu disse, uma dúvida me surgiu ao ler o texto referido, relacionado à
mulher de Lampião, uma vez que me pareceu tratar-se de uma outra Maria, uma tal
de Maria da Glória, claramente diferente da hoje consolidada pela história
oficial, sem mencionar que de forma ampla, pela mídia nacional e internacional,
logo após a sua morte em Angico, a de uma Maria Bonita filha das terras baianas
de Paulo Afonso.
A informação
lida em todo o Brasil sobre a mulher de Lampião, de forma inédita na imprensa,
salvo melhor juízo, naquela sexta-feira do dia 10 de janeiro de 1936, foi a de
que Maria de Lampião era uma filha do Cariri e que se chamava Maria da Glória.
Estamos
falando, talvez, de uma outra Maria, de um segundo romance de Lampião, se
considerarmos como verdadeiro o conteúdo desta reportagem e o resultado da
pesquisa a indicar ser a ex-mulher do sapateiro Nenê a companheira de Lampião?
Seria, outra
pergunta, a Maria Bonita que temos, uma formulação feita em cima de duas
personagens, de duas reais Marias?
Como costumo
dizer, a verdade das coisas passadas, principalmente as não registradas, não é
lugar fácil de se chegar, e, principalmente, quando se trata de história
embasada fundamentalmente em testemunhos, em ouvir dizer e coisas semelhantes,
não obstante, como consolo, sabermos que praticamente toda a história humana é
fruto de olhares enredados pela heurística que nos comanda diante de coisas que
racionalmente não entendemos.
NA PISTA DOS
BANDIDOS
RENDENDO-SE AO
AMOR, LAMPIÃO DEIXA EMPALIDECER A SUA ESTRELA – FUGINDO AOS COMBATES, ABANDONA
OS SEUS COMPANHEIROS E SE ENTREGA AO CONVÍVIO DA CRIATURA AMADA – DOMINADO PELA
MULHER, O CÉLEBRE BANDOLEIRO PERDOA E TRANSIGE – BALEADA, NO COMBATE DE
“SERRINHA”, A APAIXONADA DO SENHOR DO CANGAÇO
(Reportagem
especial de Vicente Neto, para os Diários Associados)
RIO, 6 (Pelo
aéreo – Para o “DIÁRIO DE
PERNAMBUCO”) –
Virgulino Ferreira da Silva, o maior bandoleiro que registram os anos da
tumultuosa crônica dos sertões nordestinos, até agora invencível às invectivas
policiais está completamente vendido aos caprichos de uma paixão amorosa,
Lampião ama intensamente uma mulher!
Há cerca de
oito meses, na capital cearense, um velho conhecido dos Cariris dava-me aquela
notícia. Uma mulher, ou seja, uma cabocla caririense, vendedora de doce de
buriti na feira de Juazeiro, arrebatara todas as possibilidades amorosas do
chefe do cangaço e o conduzia, ao seu bel prazer, fazendo de Lampião um pobre e
apaixonado mortal, para quem a vida não teria razão de ser se não se resumisse na
realização dos desejos da criatura preferida.
Não havia dado
crédito à tal informação, vinda do velho comboieiro, Cícero José da Silva e
teria perdido interesse pela história quando é definitivamente despertada a
minha curiosidade sobre o caso amoroso de Lampião, numa conversa com o ex-cabo
da polícia pernambucana, Abdon Cavalcante. Na feira de Lavras, fronteira
Ceará-Paraíba, o sertanejo assegurou-me a exatidão do que dissera o velho
Cícero. Era fato realismo o que se propalava sobre a paixão alucinada de
Virgulino Ferreira da Silva. Não só o perigoso bandoleiro amava como ainda era
intensamente correspondido pela eleita do seu coração, tendo agora, ao seu
lado, em todos os momentos, a sua Dulcinéa.
Dez dias
depois, deixando Lavras, numa excursão pelos Cariris, vinham ao meu
conhecimento os antecedentes do romance cupidiano do homem que sobrepuja em
façanhas os Antonio Silvino, Jesuíno Brilhante e Luiz Padre.
UM INESPERADO
EPISÓDIO SENTIMENTAL
Num dia do ano
de 1926, na cidade de Juazeiro do Cariri, sede do prestígio do Padre Cícero
Romão Batista, um acontecimento se consumava repercutindo pelos seus aspectos
inéditos e escandalosos em todo o Brasil.
Virgulino
Ferreira da Silva, à frente do seu já célebre grupo de cangaceiros penetrava
solenemente naquela localidade do sul cearense, para receber do “padrim” Cícero
uma patente de oficial das tropas legalistas e, em tal posição, dar combate à
Coluna Prestes que palmilhava naquele tempo os sertões do Nordeste.
Estava o
“capitão” Virgulino, na casa de um seu irmão, negociante em Juazeiro, quando,
no meio do espanto geral, uma jovem cabocla invade a sala e se precipita,
braços abertos, para Lampião.
- “Maria da
Glória, tu por aqui!?”
- Virgulino,
sou eu mesma, cada vez mais tua!?”
E o bandido e
a mulher se diminuíram num prolongado amplexo, enchendo de estarrecimento
aquela assistência feita de uma meia dúzia de facínoras, duas sobrinhas do
chefe cangaceiro e sua velha mãe.
Vendo, depois,
nos circunstantes, expressões de interrogativo espanto, Lampião abriu-se numa explicação:
- “O que há
minha gente, tá tu admirado? É isso mesmo, vocês pensavam que seu capitão não
queria bem a ninguém no mundo. Pois tão enganado. Essa aqui é a minha
Gulorinha, que eu muito amo!”
UMA PAIXÃO QUE
VENCE A AUSÊNCIA E O TEMPO
Contaram-se em
Juazeiro este episódio para depois adiantarem um informe que dá uma eloquente
ideia de quanto é querido de sua amada o terrível cangaceiro.
Maria da
Glória, faz cinco meses abandonou a sua família, e deixou o Cariri,
atravessando as grandes distâncias e incríveis perigos, para se juntar a
Lampião e seu grupo. E se não o fizera há mais tempo, em 1926, quando o
sucessor de Antonio Silvino esteve na Meca do Padre Cícero, foi porque a sua
vontade se opôs a de Lampião. Naquela época, entre as tentações do amor e as do
malfeitorismo, ficava com estas últimas. Maria da Glória, entre soluços,
invocando mil e muitos motivos, quisera acompanhar Virgulino, mas este
duramente a repelira, não querendo que uma mulher o sombreasse.
FERIDO PELAS
SETAS DE CUPIDO E FUGINDO AOS CONTATOS
Como já
sucedeu com uma infinidade de audazes aventureiros, a fúria do homem que há
quase quinze anos cruza os estados do Nordeste numa trajetória de sangue e
inomináveis desgraças diminui dia a dia, enchendo de apreensões os seus
comparsas. Lampião foge presentemente a todos os combates, embrenhado nas
matas, não oferecendo ele próprio combate algum. Querendo desfrutar o seu amor
ele deixa transparecer quão intenso é em si o instinto de conservação,
despertado pelo medo de deixar a sua Maria da Glória.
Tangenciando
perigos, contagiando seus auxiliares com a sua surpreendente covardia, o terror
nordestino perde terreno, não só para as forças policiais, como para os
sertanejos. Assim, têm-no abandonado muitos bandidos, e outros, como os
terríveis Grilo de Engrácia, Fortaleza, Limoeiro, Suspeita e Medalha, perderam
a sua vida, abandonados pela retirada do seu chefe.
FERIDA A
MULHER DE LAMPIÃO!
O último
combate de Lampião, que não teve nem o furor nem a estratégia de anteriores
investidas, ocorreu no povoado Serrinha, em Pernambuco, uma madrugada, estando
a pequena localidade quase deserta. Um habitante de Serrinha assistiu de um
esconderijo o saque dos bandidos e a reação popular, quando uma bala dos
defensores do povoado atingiu a companheira do bandido.
Virgulino e um
lugar-tenente acudiram à mulher, ordenando-se logo, por uma decisão nervosa, a
retirada.
O habitante de
Serrinha, vendo os invasores fugirem, correu para o ponto em que fora Maria da
Glória atingida por um dos projeteis, apanhando uma “capa-gibão” da mulher.
Dita capa é guardada como objeto precioso, na delegacia de Garanhuns, onde foi
fotografada pelo globe-trotter Nery Camelo.
ELA NA VIDA DE
LAMPIÃO
Em Juazeiro
contaram-me que data da adolescência de Virgulino a sua paixão pela cabocla.
Maria da
Glória, como a descrevem os conhecidos, não é um belo tipo de sertaneja.
Mulherzinha dos seus 28 anos, é baixa, raquítica, nariz afilado, boca que se
abre às vezes num sorriso desconfiado.
Os seus olhos
possuem um estranho brilho e, ao que parece, é por eles que o terrível Lampião
se amolece num ser apaixonado, entregando-se, progressivamente, aos caprichos
de uma mulher e, não há dúvida, ao laço das praças que o perseguem.
UM EXEMPLO SÓ
Um exemplo só
ilustra quanto é imenso o domínio da sertaneja sobre o celebrizado malfeitor.
Uns andarilhos colombianos, segundo já noticiou a imprensa, capturados pelos
bandoleiros, iam ser fuzilados como sendo “macacos do governo”, escapando,
finalmente, graças à intervenção da companheira do orientador dos facínoras.
Imagem dos
personagens "Maria Bonita" e "Lampião", interpretados por
Tânia Alves e Nelson Xavier, na série "LAMPIÃO E MARIA BONITA",
exibida pela Globo em 1982, que colho da internet.
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/?fb_dtsg_ag=AdyQT0YzGNMdcelQjt-o7T_TAKv57ict6ycWoTSFLHC-kg%3AAdx6nxYp21U7GFRIwcbGRiKl2fbGtx0SNU5El3hflL9GQg
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